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10 Nov, 33 tweets, 8 min read
O FLA DE CENI - PARTE 1: As comparações com o Fortaleza

Rogério Ceni chega ao Flamengo com o respeito conquistado no seu bom trabalho no Fortaleza. Lá, ajudou a reestruturar o clube, chegou a mais de 150 jogos e se tornou ídolo.

O que essa passagem tem a nos dizer?
A primeira conclusão parece óbvia. Afinal, o grande problema do Flamengo hoje é defensivo e ninguém nega



Trazer o comandante da defesa menos vazada do Brasileirão parece fazer sentido… Mas será que dá para pensar assim?
Algumas pessoas já não aguentam mais me ouvir falar a palavra “contexto”. Prometo repetir só mais uma vez: futebol é contexto!

Além disso, futebol é contexto. E não podemos esquecer que futebol é contexto!
Nenhuma análise pode terminar no mapeamento do contexto. Se for assim, fica rasa e acaba virando muleta.

Toda boa análise, no entanto, precisa ter o contexto como ponto de partida, ou será incompleta, incoerente ou até mesmo desonesta.
E os contextos de Flamengo e Fortaleza são muito diferentes, portanto não dá para simplesmente transpor os números de um lado para o outro.

Aliás, se fosse assim, seria bom alertar também que o Fortaleza tem o segundo ataque menos efetivo da competição até aqui…
Vamos olhar um pouco mais profundamente para os números, então, e ver o que eles nos revelam.

O número de gols sofridos nos diz pouco por si só, então podemos recorrer o funil defensivo () para entender o porquê por trás.
A comparação com os outros clubes é interessante. O Internacional, por exemplo, dá pouco a bola ao adversário, o mantém longe do gol, concede poucas finalizações e, por fim, quando o adversário chuta, é em condições ruins (de longe, marcado, etc).
O Flamengo também dá pouco a bola e mantém o adversário longe do gol. Mas, quando deixa chegar, acaba deixando finalizar muito, ainda que em geral sejam finalizações em posições ruins.

(Talvez seja uma releitura a um velho lema da torcida...)
Já o Fortaleza está bem na média em posse de bola, progressão permitida e volume de finalizações concedidas.

A diferença é que a qualidade das chances concedidas é baixa (terceira menor) e a conversão é disparada a mais baixa de todas.
Ou seja, em média, os adversários não finalizam em condições muito boas. Estão distantes e/ou marcados. Mesmo assim, a bola está entrando muito menos que o esperado. Pode ter muita coisa envolvida aí: grande temporada de um goleiro, incompetência dos adversários ou mesmo sorte.
É mais ou menos o oposto do que acontecia com o Vasco no início do ano. Chegava pouquíssimo, mas a bola sempre sempre entrava (). O Fortaleza se defende bem, é verdade, mas a bola simplesmente não está entrando lá.
Um dos maiores méritos do Fla de JJ e um dos maiores defeitos do Fla de Domenec era a marcação-pressão. A torcida se acostumou a ver o time sempre pressionando.

Como solução, o Fla buscou o treinador do time que menos pressiona alto e que menos recupera bolas no campo de ataque.
O jogo em que o Fortaleza mais recuperou bolas no campo de ataque foi contra o Ceará: 9.

Mesmo com todos os problemas, o Flamengo roubou 22 contra o SPFC, 18 contra o Coritiba, 17 contra o Bragantino, 16 contra o Grêmio… Em apenas 6 dos 20 jogos o número foi menor que 9.
Além disso, o Fortaleza é o time que menos vezes quebra de posse de bola para cada minuto em que o adversário tem a bola, enquanto o Fla é o segundo que mais faz isso.

É um time que não morde, não incomoda tanto o adversário, não tem aquela intensidade sem bola.
Mas é preciso entender a INTENÇÃO que leva a esses números.

O Fortaleza joga, em muitos jogos, bastante recuado, deixando o adversário avançar com a bola até encontrar uma defesa bem montada protegendo a área.
A linha de quatro defensores tem um papel fundamental. Tem sempre movimentos coletivos muito bem coordenados e ensaiados. Com isso, mesmo jogando bem recuado, o Fortaleza é o sexto time que mais deixa os adversários impedidos. Uma arma que o rubro-negro conheceu bem com JJ.
Aliás, o comportamento coletivo é elogiável. Até lembra o Flamengo de 2019 nesse quesito. E quando o sistema funciona bem, os indivíduos também conseguem prosperar. Ceni transformou Paulão em um dos melhores zagueiros do campeonato, sem exageros.
Essa linha protege bem a boca do gol e está sempre montada (o que chamam de “linha sustentada”). Nos raros momentos que quebra, o time tem problemas no segundo pau. Quando os volantes perdem a conexão com a defesa, aparece um problema grave no na entrada da área (o “funil”)
É possível ver tudo isso claramente nos gols sofridos pelo Fortaleza no campeonato.

De fato, não dá para simplesmente transpor os números.

Um trabalho não é igual ao outro porque as condições (eu prometi que não falaria mais “contexto”) são diferentes. Os jogadores do Flamengo são diferentes dos jogadores do Fortaleza e os objetivos dos clubes também.
Mas não dá necessariamente para transpor as ideias também.

A maneira como Ceni jogava no Fortaleza foi a melhor solução que ele encontrou no Fortaleza! Com ferramentas diferentes, precisa encontrar soluções diferentes.
Essa é a questão que pouca gente entende. A marca dos grandes profissionais é a flexibilidade. Eles SEMPRE precisam saber se adaptar. Não adianta dizer “Fulano JOGA assim e ponto!”

Esse tipo de fala foi feita com JJ, com Domenec, será feita com Ceni e com os próximos…
Olhando de fora, com todas as limitações que isso impõe, podemos apenas tentar entender quais são as ideias mais importantes, os conceitos estruturantes, e como isso pode ser transportado ou adaptado às novas circunstâncias.
O próprio Rogério Ceni conhece bem esse processo dentro do próprio Fortaleza. Sendo um time de meio de tabela no Brasileirão, ele precisa jogar recuado em alguns jogos, mas precisa propor o jogo e amassar em outros.
Ele teve menos posse de bola que o adversário em exatamente metade dos jogos. No outra metade, claro, teve mais posse.

Suas menores posses foram contra o Atlético-MG (35%) e o Athletico-PR (37%), jogando no contra-ataque, e as maiores foram contra Ceará (72%) e Bragantino (61%)
Na Copa do Nordeste 2020, por outro lado, o Fortaleza foi o time com mais posse de bola, chegando a mais de 60% de média nos 10 jogos.

De fato, Rogério Ceni parece preferir controlar o jogo com a bola, mas se adapta às circunstâncias em que isso é difícil (ou impossível).
E ele vai bem controlando a posse, inclusive usando uma posse defensiva.

Nos jogos em que teve menos posse que o adversário (normalmente contra times mais fortes), tomou uma média de 1,22 gols por jogo. Quando teve mais posse, tomou uma média de 0,33.
Seu maior problema ainda parece ser furar defesas fechadas.

Nos cinco jogos em que teve mais posse no campeonato (Bragantino, Botafogo e Atlético-GO em casa, Coritiba fora e Ceará no Castelão), só tomou um gol (do Ceará), mas só conseguiu fazer gol em um jogo (3x0 no Bragantino)
Agora, ele terá em mãos o ataque mais poderoso do campeonato, capaz de oferecer muito mais alternativas para furar qualquer tipo de defesa. Resta saber como vai aproveitá-lo.
Ao mesmo tempo, encontrará uma defesa em escombros, cheia de problemas individuais e coletivos, com a necessidade de encontrar soluções rápidas no curto prazo e sem poder, pelo menos no longo prazo, montar um bloco lá atrás e esperar.
O Flamengo precisa atacar, o Flamengo precisa se impor. Pressionar, controlar, agredir.

O Flamengo é diferente do Fortaleza, então Rogério Ceni precisará ser diferente também. A disposição ele já mostrou mais cedo na coletiva. A capacidade? Só o campo dirá.
O @Bernardoramosal fez um adendo importante: no jogo contra o Bragantino (o único em que conseguiu fazer gol dentro os cinco jogos com mais posse), o adversário teve um jogador expulso ainda no primeiro tempo!
Para quem prefere em formato de artigo... Já está no @MRN_CRF

mundorubronegro.com/flamengo/o-fla…

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8 Nov
Hoje o Flamengo pode ser resumido em uma palavra: erro.

Erro de escalação, de estratégia, de preparação mental, erro técnico, tático, até físico. Erro individual e erro coletivo.

Tudo, absolutamente tudo, foi errado. Parece que não aprendemos nenhuma lição nas últimas semanas.
É até fácil falar depois que deu errado. Mas mesmo voltando ao início, tentando entender o processo de decisão para chegar no jogo, nada faz sentido.
Domenec insistiu em uma escolha impopular: manteve Gustavo Henrique na zaga.

Dá pra dizer que ninguém mais faria isso, já que o zagueiro vem muito mal, errando tudo, falhou feio nos dois últimos jogos decisivos e psicologicamente parece não estar aguentando o rojão.
Read 18 tweets
8 Nov
Sinceramente, não gosto desse "assunto do momento" nas transmissões. Acaba servindo apenas como megafone para a toxicidade das redes sociais. E nem é contínuo, algo sempre visível.

Alguém escolhe o momento de pinçar o assunto.

Acho que nunca vi nada positivo destacado ali.
Não acho que os "assuntos" sejam simplesmente inventados pelos jornalistas. Mas acho sim que ajudam a montar a narrativa do jogo e, normalmente, essa narrativa vem nascendo mais por sentimentos negativos do que qualquer outra coisa.

Me parece uma escolha pelo sensacionalismo
Além disso, a interpretação do "assunto" acaba sendo definida na cabine de transmissão. Se o goleiro toma um frango, o nome dele aparece nos "assuntos do momento". Não importa se, na verdade, a torcida estiver em peso o perdoando pelo erro — a impressão será de massacre coletivo.
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7 Nov
Bruno Henrique chegou ao Flamengo como aposta. Terminou 2019 sendo eleito o melhor jogador do Campeonato Brasileiro. Em um time cheio de estrelas em grande fase, há quem diga que foi o jogador mais importante do ano. De fato, não é nenhum absurdo.

Segue o fio aí…
Gerson ganhou o apelido de “coringa”, pela versatilidade demonstrada logo nos primeiros jogos, mas talvez a alcunha caísse ainda melhor em Bruno Henrique. Com Jorge Jesus, o atacante atuou consistentemente em cinco posições diferentes. Foi bem em todas!
O Mister variava bastante as formações entre os jogos e também dentro das partidas. Era comum começar com uma estrutura e mudar — às vezes mais de uma vez — o posicionamento durante os 90 minutos, mesmo sem substituições. BH era fundamental para isso.
Read 22 tweets
5 Nov
Já falei muito sobre o jogo de ontem lá no Telegram. Infelizmente não terei tempo para escrever aqui.

O resumo é: como sempre, pontos positivos e pontos negativos. Mesmo em jogos seguros, o Flamengo ainda tem falhas importantes que dificultam muito o jogo.
Obviamente, a grande preocupação continua sendo a defesa. Acho que um bom resumo é o último texto que publiquei antes do jogo.

Ontem, especialmente no primeiro tempo, a defesa até ficou menos exposta. Mas os erros de saída de bola levaram muito perigo...

O futebol é o "jogo de uma bola". Um erro capital tem um peso muito diferente do vôlei e do basquete, por exemplo.

Às vezes, uma única bola coloca tudo a perder.

Ontem, só no primeiro tempo, foram três

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4 Nov
A defesa do Flamengo vem mal e isso não é segredo para ninguém. Um time que pretende ser campeão não pode levar 25 gols em 19 jogos. Há muitas falhas individuais e muitos problemas coletivos. O sistema defensivo não se acerta.

Por quê?

Vamos a um breve mergulho...
É impossível desconsiderar o contexto atípico dessa temporada. Já sabíamos que seria um processo difícil, com pouco tempo, muitos jogos, muitas lesões, convocações, covid, verão e ausência de torcida. Uma receita inédita.

Isso tudo tornou o Campeonato Brasileiro, que já é meio maluco por natureza, ainda mais aleatório. Não parece ser coincidência que nesse ano tenhamos o “campeão do primeiro turno” com a menor pontuação neste formato de torneio.

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1 Nov
Criticar as atuações individuais hoje é chover no molhado. Jogo terrível do Flamengo em todos os aspectos. Além dos muitos erros, um tanto de azar e coisas inexplicáveis como dois pênaltis MUITO mal batidos e assistência de goleiro.
Na verdade, acho que dá pra dividir o jogo em quatro momentos distintos.

Nos primeiros 15 minutos, o Flamengo foi superior, conseguiu manter a bola, controlar o São Paulo e variar a saída curta e longa. Abriu o placar merecidamente e continuou fazendo seu jogo...
Mesmo assim, um problema persistia. O mesmo problema de sempre. A compactação defensiva, é claro.

Quando não tinha a bola, o time subia para pressionar, mas a defesa não acompanhava ou até recuava. Ficava, como tem ficado, um buraco. A questão era o São Paulo saber explorar.
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