Dizem que “se conselho fosse bom, não seria de graça”. E ninguém pediu. Mesmo assim, trago 10 conselhos para Médicos e estudantes:
1. Seja curioso e tire dúvidas: isso denota interesse e humildade. Ajuda a crescer cada vez mais no conhecimento. Estimula o engrandecimento pessoal
2. Não confie demais na opinião de especialistas: ninguém sabe tudo e qualquer pessoa (mesmo o melhor professor) é enviesada pelas suas crenças (viés de confirmação). Seja uma tábula rasa e procure interpretar, diante de diferentes pontos de vista, o que lhe falam.
3. Seja pró-ativo e se antecipe aos problemas: o cirurgião olha o residente com melhores olhos quando o próximo instrumento já está na mão. O clínico valoriza quando as hipóteses já estão feitas e com investigação em andamento. Isso requer treino e prática. O paciente agradece.
4. Não negligencie as informações que contrariam a sua visão: esse é o viés de confirmação. É quando você acredita tanto em algo que, mesmo quando lê ou observa o contrário (na forma de um artigo, por exemplo), você negligencia. Retarda o aprendizado e causa dano a pacientes.
5. Seja pontual: se o plantão começa às 07 h, esteja lá às 07 horas. Se seus pares trabalham com a “cultura do atraso”, ser diferente disso vai ser o passo mais fácil que você dará para se destacar e ter sucesso.
6. Entenda que não se aprende Medicina sem contato com pacientes: William Osler dizia que “ver pacientes sem ler livros é como navegar sem mapas, mas ler livros sem ver pacientes é como não navegar”. A observação à beira do leito, a repetição e a curiosidade são pontos-chave.
7. Ande ao lado, não acima, dos outros profissionais de saúde: cada um tem a sua função e elas se complementam em prol do paciente. Aja como membro da equipe, porque é isso que você é. E respeite a história e a posição de todos.
8. Procure ter um mínimo de entendimento sobre evidências científicas: quem não entende porque faz o que faz fica rendido à ação de pessoas inescrupulosas, artigos de má qualidade, fake science e fake news. Vimos isso na pandemia. E isso não pega bem para um médico.
9. Evite aprender “por osmose”: a literatura é recheada de fatos que não passam de controvérsias. Algumas dessas “lendas urbanas” são danosas para o paciente, e são alvos de muitos dos meus posts. Por mais artigos originais e menos revisões de literatura.
10. Seja educador dos seus pacientes: fidelize um paciente através da sinceridade, o que sabemos que é difícil, porque a verdade (por muitas razões que abordo nos meus posts), às vezes, é de difícil compreensão a eles. Faça o certo. A recompensa virá.
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“Os vendedores de doenças”. Desde posts no Instagram (dos mais inocentes aos mais picaretas), propagandas de vitaminas nas farmácias, até os meses coloridos e a criação de Diretrizes.
Por que é tão fácil fazer dinheiro convencendo pessoas saudáveis de que elas estão doentes?
"Disease mongering” é o termo dado à invenção de doenças. Doenças podem ser inventadas por:
- Associações anedóticas: “sentindo-se cansado e com falta de memória? Só pode ser falta de vitaminas! Tome aqui essa associação de placebos”.
A hipérbole do tweet anterior é a “criação de novas especialidades” (na verdade nem são reconhecidas) como “longevidade saudável” que promove doenças inexistentes, como a baixa testosterona em homens e até mulheres. Isso cria a necessidade da reposição hormonal.
Evidência: zero.
Todo dia me perguntam o que eu achei sobre o novo artigo da Hidroxicloroquina, ou Ivermectina, ou Annita, ou qualquer droga com mais narrativa do que ação contra COVID.
A minha resposta é uma reflexão: diante de tantos resultados negativos, um positivo faria você mudar de ideia?
Eu sei, eu sei. Você está tentando aprender mais sobre vieses cognitivos e raciocínio crítico. Mas é difícil, seja como médico ou como leigo, entender de que lado ficar:
Todo dia saem estudos negativos sobre drogas anunciadas por políticos;
Todo dia saem estudos positivos.
O raciocínio aqui é que cada estudo lançado aumenta ou reduz a PLAUSIBILIDADE das drogas, mas raramente as confirma.. Especialmente se são contraditórios.
Depois que os estudos metodologicamente mais robustos foram negativos, a plausibilidade está muito baixa. Digamos: 2%.
Imagine que você apostará as suas economias em uma moeda que será jogada para cima. Você sabe que sua chance é 50%.
Você apostaria se alguém te dissesse, antes do jogo, que a moeda está enviesada para um dos lados?
Troque “economias” por “remédios na pandemia”. E segue o fio.
A inclusão da condição “a moeda está enviesada e eu não sei para qual lado” mudou completamente minha chance no jogo da moeda.
A inclusão da simples pergunta “o artigo científico com qualquer medicamento bizarro para COVID-19 tem vieses?” também muda completamente o jogo.
A análise bayesiana dos artigos científicos é bem ilustrada por John Ioannidis em um dos seus papers mais famosos, em que ele afirma “ser possível provar matematicamente que a maioria das pesquisas são falsas”.
A primeira crítica é a quem interpreta artigos baseado apenas em p.
Médicos se formam sem nunca ouvir falar de pensamento Bayesiano. Os mesmos médicos graduam-se pensando que “sensibilidade” e “especificidade” de testes ou achados são suficientes para elaborar suas hipóteses.
Para ilustrar o problema gerado, trago o paciente Xandy.
Segue o fio.
Xandy é um homem de 38 anos e procurou o pronto atendimento por dor torácica que piorava à movimentação e à palpação de um ponto bem localizado.
O médico do pronto atendimento decidiu fazer uma TC de tórax “apenas para descartar coisas graves”.
O laudo: tromboembolismo pulmonar.
Neste momento, o médico recorda que a angioTC de tórax tem 90% de sensibilidade e 92% de especificidade para o diagnóstico de TEP.
Não importa o que disseram o Ministro e o Presidente,
O tal estudo com Nitazoxamida/Annita foi NEGATIVO (não se comprovou eficácia do medicamento contra COVID-19).
Segue o fio que explico:
- “Responda apenas o que foi perguntado”.
O estudo tem um objetivo primário (e foi pra isso que foi desenhado) - saber se Annita resolve os sintomas de tosse, febre e fadiga em comparação ao placebo em 5 d.
E esse resultado foi similar entre os grupos, sendo portanto, negativo
Já o PCR foi estatisticamente mais negativo no grupo Annita.
O que significa isso?
Resposta: não muita coisa. Porque: uma pessoa pode ter PCR negativo e mesmo assim ter COVID-19 (lembrando que 30% das pessoas com COVID têm PCR falso-negativos - sensibilidade 70%).
Se eu puder dar um só conselho aos meus colegas médicos, o conselho é:
PAREM DE SE BASEAR APENAS NO SUPRA DE ST PARA DAR DIAGNÓSTICO DE INFARTO COM SUPRA.
Ué, como assim? Vem comigo no fio mais importante da semana. 🧵
Camada 1 do problema: você precisa saber que a oclusão coronária aguda (OCA) é um evento dinâmico e sua análise também é dinâmica. Quem nos ensinou isso foram Birnbaum e Sclarovsky, que elaboraram os graus que levam seu nome.
O primeiro grau de isquemia de Birnbaum-Sclarovsky é o da onda T hiperaguda (ampla, simétrica e de base larga, como na figura).
Uns pacientes podem ter infarto apenas com onda T hiperaguda. Outros podem evoluir para os graus 2 e 3, e demonstrarem o supra clássico.