Quem já pisou no Maracanã conhece a magia do momento em que milhares de corações passam a bater no mesmo ritmo.
Desfazer-se na multidão, deixar de ser um e passar a ser muitos. Talvez essa seja a experiência mais transcendental — e ao mesmo tempo mais humana — que existe.
Há exatamente um ano, vivemos a versão mais radical dessa experiência. Por um segundo, quarenta milhões de corações não apenas bateram em sintonia: simplesmente pararam de bater.
O tempo congelou. Por um segundo, a Terra ficou em silêncio.
Meu livro começa neste exato momento.
Dizem que a vida passa como um filme na nossa frente quando vivemos experiências extremas.
Quando a bola quicou, cada rubro-negro vivo viu o filme de uma vida.
A experiência flamenga é essencialmente individual, mas profundamente coletiva. Cada um tem as suas histórias e referências, seus ídolos e lembranças...
Cada um viu um filme diferente. De alguma forma, porém, todos aqueles filmes eram o mesmo. O mosaico do que é ser Flamengo.
Essa experiência visceral, única, complexa, difusa, louca, caótica, profunda e enorme que nos faz ser quem somos. Nos faz amar como amamos. Ver o mundo como vemos, nos relacionar como fazemos, ser feliz como somos.
Em um texto maravilhoso chamado "Two ways of seeing a river" ("duas formas de ver um rio"), Mark Twain narra sua experiência pilotando barcos no grande rio Mississippi.
Ele fala sobre um paradoxo sutil: quanto mais desvendava o rio, menos conseguia se encantar por ele.
"Agora que eu conhecia cada detalhe do grande rio com a mesma familiaridade com a qual conhecia as letras do alfabeto, havia ganho algo muito valioso. Mas perdi algo também. Perdi algo que nunca poderia recuperar. Toda a graça, beleza e poesia havia desaparecido do majestoso rio"
Não sou ninguém para discordar de Mark Twain, mas argumentaria que a experiência futebolística — e especialmente a rubro-negra — se constrói exatamente no caminho oposto.
Quanto mais a gente, vive, quanto mais a gente conhece, se conecta, troca e desvenda, mais a gente ama, se encanta, se conhece e tem vontade de mergulhar.
Cada um vive o futebol à sua maneira, mas é justamente por isso que ele nos prende e nos encanta tanto.
Cada um tem a sua onda. A minha onda é entender o jogo. Estudar, desvendar, enxergar, esmiuçar... Conhecer cada detalhe.
Mas nada disso existe sem o sentimento. Quando a gente deixa de sentir o futebol, a gente se desconecta daquilo que é mais precioso nele.
No fundo, o futebol é essa representação crua da experiência humana. É estar com os outros, mas também sobre conhecer a si mesmo. Olhar para dentro, respirar, e saber de onde vem aquela força que nos leva a fazer história. A construir a nossa história.
Estamos aqui, juntos, um ano depois (e, coincidentemente, também 39 anos depois) relembrando as nossas histórias. Construindo a memória coletiva de quem somos.
Naquele momento, quando nossos corações pararam, fomos um só. E nunca mais seremos os mesmos.
"Quando o Flamengo vence, há mais amor nos morros, mais doçura nos lares, mais vibração nas ruas, a vida canta, os ânimos se roboram, o homem trabalha mais e melhor, os filhos ganham presentes. Há beijos nas praças e nos jardins, porque a alma está em paz, está feliz. (...)
(...) O Flamengo não pode perder, não deve perder. Sua derrota frustra, entristece, humilha e abate. A saúde pública, a higiene nacional exigem que o Flamengo vença, para bem de todos , para felicidade geral, para o bem-estar nacional."
Há quem não entenda nada disso. Olhando de fora, com o coração batendo em outra sintonia, realmente nada faz sentido. Hoje é só mais um dia qualquer. Aquele foi só mais um chute qualquer. Peço licença para usar, mais uma vez, uma passagem de Nick Horny no genial "Febre de bola":
"Sejam tolerantes com aqueles que reputam um momento esportivo como o melhor da vida. Não é que nos falte imaginação, nem que nossas vidas tenham sido tristes; é só que a vida real tem menos cor, é mais chata e tem potencial menor para um delírio inesperado."
Dizem por aí que a arte existe porque a vida não basta.
Eu digo sem o menor medo de errar: o Flamengo existe porque a vida não basta.
Pra quem prefere em formato de artigo, já está lá no @MRN_CRF
Quando a gente fala de movimentos coletivos, jogar em conjunto, é sobre isso...
Tecnicamente falando, o Inter tem seis jogadores atrás da linha da bola, mas Marcos Paulo tem DUAS excelentes opções de passe para sair na cara do gol.
Mas você sabe como a jogada chegou até aqui?
Sete ou oito segundos antes, a jogada era essa: tiro de meta curto, Fluminense fazendo uma meia-pressão, o chutão sai, mas o domínio é ruim e a bola fica com o Fluminense.
Danilo Barcelos acelera o passe. Zé Gabriel, que deu o chutão, já está colado em Marcos Paulo, mas só agora Cuesta começa a correr para frente, tentando desesperadamente achatar o campo... Lá do outro lado, Uendel ainda não começou a reagrupar...
O FLA DE CENI - PARTE 1: As comparações com o Fortaleza
Rogério Ceni chega ao Flamengo com o respeito conquistado no seu bom trabalho no Fortaleza. Lá, ajudou a reestruturar o clube, chegou a mais de 150 jogos e se tornou ídolo.
O que essa passagem tem a nos dizer?
A primeira conclusão parece óbvia. Afinal, o grande problema do Flamengo hoje é defensivo e ninguém nega
Hoje o Flamengo pode ser resumido em uma palavra: erro.
Erro de escalação, de estratégia, de preparação mental, erro técnico, tático, até físico. Erro individual e erro coletivo.
Tudo, absolutamente tudo, foi errado. Parece que não aprendemos nenhuma lição nas últimas semanas.
É até fácil falar depois que deu errado. Mas mesmo voltando ao início, tentando entender o processo de decisão para chegar no jogo, nada faz sentido.
Domenec insistiu em uma escolha impopular: manteve Gustavo Henrique na zaga.
Dá pra dizer que ninguém mais faria isso, já que o zagueiro vem muito mal, errando tudo, falhou feio nos dois últimos jogos decisivos e psicologicamente parece não estar aguentando o rojão.
Sinceramente, não gosto desse "assunto do momento" nas transmissões. Acaba servindo apenas como megafone para a toxicidade das redes sociais. E nem é contínuo, algo sempre visível.
Alguém escolhe o momento de pinçar o assunto.
Acho que nunca vi nada positivo destacado ali.
Não acho que os "assuntos" sejam simplesmente inventados pelos jornalistas. Mas acho sim que ajudam a montar a narrativa do jogo e, normalmente, essa narrativa vem nascendo mais por sentimentos negativos do que qualquer outra coisa.
Me parece uma escolha pelo sensacionalismo
Além disso, a interpretação do "assunto" acaba sendo definida na cabine de transmissão. Se o goleiro toma um frango, o nome dele aparece nos "assuntos do momento". Não importa se, na verdade, a torcida estiver em peso o perdoando pelo erro — a impressão será de massacre coletivo.
Bruno Henrique chegou ao Flamengo como aposta. Terminou 2019 sendo eleito o melhor jogador do Campeonato Brasileiro. Em um time cheio de estrelas em grande fase, há quem diga que foi o jogador mais importante do ano. De fato, não é nenhum absurdo.
Segue o fio aí…
Gerson ganhou o apelido de “coringa”, pela versatilidade demonstrada logo nos primeiros jogos, mas talvez a alcunha caísse ainda melhor em Bruno Henrique. Com Jorge Jesus, o atacante atuou consistentemente em cinco posições diferentes. Foi bem em todas!
O Mister variava bastante as formações entre os jogos e também dentro das partidas. Era comum começar com uma estrutura e mudar — às vezes mais de uma vez — o posicionamento durante os 90 minutos, mesmo sem substituições. BH era fundamental para isso.
Já falei muito sobre o jogo de ontem lá no Telegram. Infelizmente não terei tempo para escrever aqui.
O resumo é: como sempre, pontos positivos e pontos negativos. Mesmo em jogos seguros, o Flamengo ainda tem falhas importantes que dificultam muito o jogo.
Obviamente, a grande preocupação continua sendo a defesa. Acho que um bom resumo é o último texto que publiquei antes do jogo.
Ontem, especialmente no primeiro tempo, a defesa até ficou menos exposta. Mas os erros de saída de bola levaram muito perigo...