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26 Nov, 22 tweets, 7 min read
Na semifinal da Copa de 1990, as duas últimas campeãs se enfrentavam. O maior desafio da Itália era parar o gênio Maradona, mas pelo menos tinha a vantagem de jogar em casa... Ou melhor... Será?
Os melhores jogadores e os melhores times do mundo estavam na Serie A. Naquela temporada, o Milan de Arrigo Sacchi encantava o mundo, revolucionava o futebol e vencia a Copa dos Campeões da Europa pela segunda vez consecutiva.
A Juventus conquistava a Copa da UEFA, enquanto a Sampdoria vencia a Recopa Europeia.

A Internazionale, mesmo sem títulos, tinha um timaço — e havia vencido a temporada anterior com sobras.

Um jovem Roberto Baggio despontava na Fiorentina...
Mas, logo antes da Copa, quem levantou o Scudetto foi o Napoli de Diego Maradona.

O segundo título em quatro anos. O segundo da história do clube e, até aqui, o último.

A vitória do sul humilhado sobre o norte arrogante.
Em Nápoles, aquela cidade aos pés do Vesúvio, Maradona explodiu como um verdadeiro vulcão. Era mais do que o melhor jogador, mais do que o craque, o camisa 10. Se tornou um Deus, símbolo maior da região, da cultura e de seu povo.

Tudo girava ao redor de Diego.
Eduardo Galeano narra: "Nas ruas vendiam-se imagens da divindade de calções, iluminada pela coroa da virgem ou envolta no manto sagrado do santo que sangra a cada seis meses e também vendiam-se ataúdes dos times do norte e garrafinhas com lágrimas de Silvio Berlusconi. (...)
"Os meninos e os cachorros usavam perucas de Maradona. Havia uma bola ao pé da estátua de Dante e o tritão da fonte vestia a camisa azul do Napoli."
Veio a Copa. A Itália queria reafirmar a todos o seu status no mundo do futebol e, para isso, construiu dois novos estádios, reformou dez e organizou um torneio impecável, que nem os incidentes de Hooliganismo na Sardenha ou a péssima média de gols poderia manchar.
E a forte seleção italiana também veio preparada para ser impecável dentro de campo. Com Totò Schillaci brilhando na frente e Franco Baresi comandando tudo lá atrás, chegou à semifinal sem tomar nem um único gol em cinco jogos disputados.
Já a Argentina, atual campeã, perdeu o jogo de abertura para Camarões, em uma das maiores surpresas da história das Copas. Só passou da primeira fase em terceiro lugar, mas cresceu depois de eliminar o Brasil nas oitavas. Passou pela Iugoslávia nos pênaltis e enfrentaria a Itália
Havia apenas uma questão... digamos assim... logística.

Para simplificar as coisas, assim como foi na Copa de 82 na Espanha, os grupos jogavam em apenas duas cidades próximas.

A seleção italiana, dona da casa, jogou todos os seus cinco jogos no Estádio Olímpico de Roma.
A Argentina havia viajado um pouco mais, mas os dois jogos finais da fase de grupo, disputados em Nápoles, deram ao público o gostinho de ver seu Deus vestindo a camisa albiceleste.

Por um capricho dos deuses do futebol, é claro, a semifinal seria disputada justamente lá.
Esperto, Maradona logo disparou: “Durante 364 dias do ano vocês são considerados pelo resto do país como estrangeiros em seu próprio e, hoje, precisam fazer o que eles querem, torcer pela seleção italiana. Eu, por outro lado, sou Napolitano os 365 dias.”
O clima no estádio era diferente.

Giovanni Betta, reitor da Università di Cassino e del Lazio Meridionale, deixa claro: "No Estádio San Paolo, realmente havia uma situação muito complicada. Seguramente mais da metade do estádio torcia mais para Maradona do que pela Itália"
O jornalista Gianni Bondini não tem dúvidas: "O nervosismo foi um fator importante. O nervosismo de não ter a torcida que te empurra."
O próprio Schilaci, artilheiro da seleção, admite: "Naturalmente, os torcedores estavam divididos. Parte torcia pela Itália e parte torcia por Maradona. Se o jogo fosse em Roma, acho que teria sido diferente. Infelizmente, tivemos o azar de jogar contra a Argentina em Nápoles."
Maradona havia conquistado os corações napolitanos de tal forma, havia se tornado um representante tão fiel daquele povo, que conseguiu — mesmo em uma atuação discreta dentro de campo — ser decisivo para levar a Argentina à final.
No apito final, 1x1 no placar e a agonia dos pênaltis, elevada à milésima potência por todo o clima fora de campo.
Ali, o herói foi outro. Sergio Goycochea chegou a Copa como goleiro reserva, mas ganhou a vaga depois que o titular Pumpido quebrou a perna logo no segundo jogo.

Nas quartas contra a Iugoslávia, Maradona perdeu seu pênalti, mas o goleiro defendeu dois e garantiu a classificação.
Na semi, contra a Itália, Goycochea voltou a defender duas cobranças e levou a Argentina à final.

Maradona converteu o seu, mas isso nem era o mais importante. Sua parte já estava feita.
Maradona nunca foi um sujeito fácil de engolir. A idolatria por ele, muito menos. Pelo pecado de se tornar Deus encarnado em uma cidade, nunca foi perdoado pelos italianos do norte, que comemoraram o título da arquirrival Alemanha como se fosse deles.

Descanse em paz!
Ah, claro, depois de ontem, foi definido que o Estádio San Paolo passará a se chamar Estádio Diego Maradona!

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