Bom dia. Ainda vivemos o rescaldo das eleições de 2020. Mas, já dá para dar alguns pitacos. Faço um fio com o intuito de sugerir que cravar certezas sobre a política brasileira é andar na corda bamba. Segue o fio.
1) No Brasil, país latino, o esporte é a aposta. Um movimento infantil, de autoafirmação, em que se pretende vender a imagem de adivinho. Algo intrigante, dado que se o apostador perde, mergulha na penumbra do esquecimento. Se vence, gera surpresa até fazer a aposta errada.
2) A palavra que define essas eleições não é derrota, nem mesmo vitória, mas transição. Uma transição de uma decisão que tinha se formado entre 2016 e 2018 e que, agora, parece se dirigir ao lado oposto.
3) Aliás, a decisão de 2016 já tinha cravado uma mudança importante em relação ao que o eleitor médio havia decidido desde 2002. Se há algo, então, a apostar é que não há o que apostar. O eleitor caminhou do lulismo para o bolsonarismo e, agora, cravou no conhecido.
4) Mas, este eleitor em transição impôs efetivamente uma derrota à centro-esquerda ou à extrema-direita? Ou, ainda, o eleitor definiu efetivamente o rumo da política nacional ou ainda toma fôlego e analisa o caminho mais adequado?
5) O eleitor médio, sabemos, é desconfiado. Amarga uma vida difícil no sétimo país deste planeta em desigualdade social. Uma desigualdade histórica, que marca a pele de sua família como o ferro ardente marcava a pele de escravos.
6) O eleitor médio brasileiro trabalha, se esforça, engole seco, mas somente um ou outro consegue superar a barreira da pobreza e da marginalidade. Este eleitor médio se projeta em uma ou outra celebridade, algumas vezes procura um pai que o valorize e dê guarida
7) Porém, não tem muita fé que pela política se saia do jogo das elites, o jogo da perpetuação da desigualdades social que mais parece um estamento, uma sociedade organizada em castas.
8) Então, a primeira palavra é transição. Uma transição que foi do lulismo à extrema-direita. O eleitor, agora, parece esgotado e fincou o voto no já conhecido. E, convenhamos, conhecido na política brasileira é o centro-direita, a ARENA.
9) A transição fez a roleta parar no centro-direita. O PSDB governará para 16% da população brasileira e o MDB, para 12%. Em seguida, aparecem DEM (governará para 11,5% dos brasileiros) e PSD (10,3%), PP (7,7%), PDT (5,1%), PL (4,2%), PSB (3,8%), Republicanos (3,5%) ...
10) .... , Podemos (2,8%), PT (2,6%) e Cidadania (2%), lista que totaliza pouco mais de 80% da população nacional. A lista revela que os partidos de centro-direita se saíram bem. Os candidatos bolsonarista e o centro-esquerda não colheram frutos em abundância.
11) Mas, isso não garante vida fácil para o centro-direita daqui por diante. Afinal, estamos falando de uma foto de momento. O eleitor está se movendo, mudando de posição desde 2002, quando rompeu com a “opinião pública”.
12) Em 2002, votou no lulismo e manteve esta decisão até 2014. O problema é que o lulismo trouxe para o centro do governo as forças de centro-direita. Essa que se saiu bem em 2020.
13) Nesse vai-e-vem, o centro-esquerda viveu sua transição em 2020. Mais uma transição. Primeira transição do centro-esquerda: o PT perde a hegemonia neste campo político-ideológico. Agora, está mais plural. O que nos leva a uma segunda hipótese: quem perdeu foi o lusismo
14) Contudo, houve uma segunda transição: as estrelas foram as mulheres. Boulos saiu destas eleições como a nova estrela do centro-esquerda nacional. Mas, esteve ao lado de Erundina. Em Porto Alegre, brilhou a estrela de Manuela. Em Recife, de Marília.
15) Em Minas, duas vereadoras eleitas pelo PT e duas prefeitas neste segundo turno (de um total de 4 que o PT conseguiu eleger neste segundo turno). Em MG, o sinal parece ter sido mais claro: as duas prefeitas eleitas não são da corrente majoritária do PT.
16) Houve, ainda, uma inovação no campo de centro-esquerda para as eleições parlamentares. E esta inovação já começa a render uma articulação nacional multipartidária: a covereança.
17) Também denominadas de candidaturas coletivas, trata-se do registro de uma candidatura que, na verdade, se apoia em vários covereadores que fazem campanha em seu nome – ou no nome da covereança -, em territórios próprios, a partir das pautas que cada covereador defende
18) Quem liderou as dezenas de candidaturas deste tipo novo? Mulheres.
19) A transição que se apresentou em 2020, portanto, tem camadas.
Não se trata de aposta num futuro incerto. Também é cedo para se falar em tendência. Mas, é possível afirmar que o eixo da política nacional se alterou nesta eleição que acaba de terminar.
20) Do extremismo de direita para o centro-direita, do lulismo para a pluralidade do campo de centro-esquerda, do eterno comando masculino para as novidades femininas.
21) Olhando rapidamente, a paisagem parece cinza, a cor do centro-direita. Mas, se ajustarmos o foco, veremos mais cores do que a grande imprensa se esforça para encobrir. (FIM)
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Faço uma breves observações sobre a performance dos partidos de centro-esquerda nesta eleição, com destaque para o segundo turno:
1) Esta foi uma eleição de transição por parte do eleitor: a marola do antissistema de extrema-direita e apolítico acabou. O eleitor cravou no conhecido e tradicional. Nessa, o centro-direita levou a melhor.
2) Mesmo no campo do centro-esquerda, sobressaíram candidaturas com "recall". O eleitor foi moderado.
Bom dia. Dia de eleição em 57 cidades do Brasil. Algo um pouco superior a 1% do total dos municípios brasileiros. Contudo, somam perto de metade do eleitorado. Portanto, os vencedores levarão mais que batatas. Segue o fio
1) Serão 57 cidades que decidirão qual prefeito, dentre dois, governará seu território pelos próximos 4 anos: 16 paulistas, 5 cariocas/fluminenses, 5 gaúchas, 4 mineiras, 2 pernambucanas, 2 cearenses, e assim por diante.
2) Se destacarmos as candidaturas de centro-esquerda que estarão neste segundo turno encontramos, num total de 20 (sendo 10 em capitais): 15 do PT, 2 do PDT, 2 do PSOL e 1 do PCdoB
A novidade nesta eleição em Belo Horizonte: a Coletiva
Na eleição passada, várias candidaturas identitárias do PSOL lançaram a ideia das candidaturas coletivas. A novidade dialogava com a experiência política de 2013: liderança não é algo individual, mas coletivo. Segue o fio
1) Havia, ali, uma simbiose entre a democracia representativa – aquela em que o cidadão vota em alguém que o representará no campo institucional – e a democracia participativa – em que vários coletivos e cidadãos se inserem nas estruturas de poder público
2) Em 2016, a campanha coletiva lançava várias candidaturas a partir de uma ideia de unidade, de projeto comum ao redor da sigla MUITAS. A proposta elegeu Áurea Carolina e Cida Falabella e acabou gerando um gabinete unificado na Câmara de Vereadores: a Gabinetona
Boa tarde. Vou socializar cinco fotos (em um mini fio) da matéria da Carta Capital onde faço uma análise da encruzilhada da eleição paulistana para o PT e o PSOL
Aqui, as opiniões do Valter Pomar, as minhas e as de Sérgio Braga
Nesta penúltima foto, o texto ampliado para facilitar a vida de gente mais idosa como eu....
Retorno à análise das crises petistas abertas pelos Fernandos. No fio de hoje (mais cedo), detalhei o "novo acordo interno" forjado por Fernando Pimentel que redundou num imenso fracasso. Agora, analisarei os erros de outro Fernando, o Haddad. Este, quebrou as pernas do PT SP.
1) Fernando Haddad era uma aposta de renovação, algo extremamente necessário ao PT. Jovem, perfil classe média branca intelectualizada, contido, estilo britânico, não muito afeto às periferias, como o outro Fernando, próximo de uma agenda gerencialista-empresarial.
2) No MEC, desmontou toda tradição de proposta pedagógica progressista do país que envolve gente como Paulo Freire e Anísio Teixeira. Ao contrário, propôs a adoção das avaliações externas, refutadas por uma de suas criadoras, Diane Ravicht.
Em meio à tensão que vivo neste acompanhamento da apuração dos votos nos EUA, decidi fazer um fio atemporal sobre como os Fernandos desmontaram a imagem do PT em São Paulo e Belo Horizonte. Que fique claro: torço pelo PT e é por este motivo que alerto para os erros. Segue o fio
1) Fernando Pimentel ingressou na prefeitura de Belo Horizonte para se opor ao modo petista de governar e, consequentemente, parte considerável dos programas de Patrus Ananias. Logo de início, ficou famoso o seminário que planejou esta reviravolta.
2) Pimentel tinha como mote a transformação de BH em cidade global. Conceito nascido nas projeções utópicas empresarias da década de 1990, significa aglomerações urbanas que funcionam como centros de influência internacional, casos de Nova York, Tóquio, Roma, Paris, Londres...