“Eu tomei ivermectina e me curei”. “Sobrevivi graças à cloroquina”
Vamos a uma thread para explicar porquê isso não é um argumento inteligente (para um médico, é inaceitável) ou modificador de conduta. Lembre-se que a chance de sobreviver ao COVID, não usando nada, é de 98-99%.
A função da Medicina Baseada em Evidências (MBE) é, basicamente, evitar que coincidências ou o acaso poluam o julgamento dos médicos.
Para dar um exemplo dessas coincidências, cito o caso da Procainamida e o estudo CAST.
Procainamida é um anti-arrítmico que tinha um mecanismo farmacológico brilhante e que também melhorava fortemente algo que os médicos podem ver facilmente: o Holter, um exame.
Era usado em pacientes que já tinham infartado e tinham arritmias complexas.
Essa população (pós-infarto com arritmias complexas) era muito acometida por morte súbita.
Quando algum paciente em uso de Procainamida não voltava ao consultório no dia marcado, o médico simplesmente pensava: “é isso, seu dia chegou. A procainamida não foi suficiente”.
Perceba: era uma população em que a morte súbita já era “esperada”. E o médico ficava relativamente confortável com isso porque pensava que tinha feito seu melhor, visto que o Holter dos pacientes “melhorava”.
Melhorar o Holter (ou outros exames) não é sinônimo de melhorar qualidade de vida e quantidade de dias vividos. Por isso, fizeram o CAST trial em 1989. E esse estudo demonstrou que a Procainamida, apesar de ilusoriamente benéfica, estava AUMENTANDO A MORTALIDADE dos pacientes.
Por que os médicos na “linha de frente” não perceberam isso? Porque já era esperado que os pacientes morressem por essa doença. Na cabeça deles, a doença estava apenas indo de forma natural.
E naqueles que sobreviviam, o médico superestimava o benefício da Procainamida.
Este exemplo demonstra diversos vieses cognitivos que fazem médicos e pacientes, em sua visão limitada de alguns ou muitos casos, não perceberem a real magnitude de um tratamento. Até que venha a MBE.
O que a MBE faz, então?
A MBE monta um método que é capaz de evitar ao máximo essas coincidências e acasos:
- Cria grupos distintos de tratamento, com placebo envolvido;
- Cega pacientes e médicos (para que o julgamento seja sincero);
- Define terapia por sorteios (para que os grupos sejam similares)…
Essa metodologia é o chamado “padrão-ouro” da MBE. Para se ter ideia, nenhum dos estudos citados como positivos para as drogas de mentirinha para COVID (Ivermectina, HCQ, Annita, e outras bizarrices) são desse tipo.
Os estudos desse tipo, aliás, foram todos negativos.
Muitos têm usado estudos ruins para justificar drogas de mentirinha (que só servem pra enganar quem gosta de ser enganado). Outros diminuem o valor da MBE, afirmando que “ver o paciente melhorar já é evidência”.
Se não fosse a MBE, a Procainamida ainda estaria matando.
PS: já estou preparado para a chuva de respostas de terra-planistas citando o c19drugs, a metanálise jardim-de-infância da Ivermectina, etc etc.
Já me adianto: é tudo lixo. Já descrevi muitas de suas falhas no meu feed. Uma leitura pode economizar seu tempo.
O nível dos comentários: pergunta algo cuja resposta está na pergunta.
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Você já ouviu falar do “efeito placebo”? Provavelmente, o que você entende sobre ele está errado.
Vamos analisar as bases do efeito placebo para perceber porquê esse é um viés cognitivo do ser humano baseado em mistério e falsas esperanças e não pode ser definido sob a lógica.
O efeito placebo foi primeiro quantificado por Bleecher, escrevendo que os sintomas de 35% de 1082 pacientes foram aliviados por placebo.
Você há de concordar que para a existência comprovada de um efeito placebo, podemos usar o critério: (1) tem que ter recebido placebo vs qualquer terapia (medicamentosa ou não) (2) o efeito não apareceu em quem não recebeu placebo, (3) o efeito tem que ser relevante clinicamente
Atualizando a terapia para COVID-19 pelo uptodate e pelo theNNT.com.
A análise não leva em conta as mentiras descaradas do Ministério da Propaganda, digo, Saúde, nem paixão por político, nem tem o intuito de lotar consultório. É evidência.
Sintomáticos e cuidados gerais: ✅
Constantemente definido por terra-planistas como “quer dizer que é pra ficar em casa esperando morrer?”, esse é o cuidado milenar da Medicina. Essas medidas plausivelmente previnem evolução para formas graves de diversas doenças.
Tratamento empírico com antibióticos: ❌
A doença é viral e o tratamento empírico só é indicado se houver possiblidade de uma infecção bacteriana superposta, algo que parece ser mais raro do que descrito em elevadores de hospital e grupos de Zipzop.
Há uma parábola que conta que a Mentira, após falar uma obviedade (“está quente hoje”), convenceu a Verdade a cair na água e roubou as suas roupas. Desde então a Mentira se veste com roupas da Verdade.
Lembrei disso ao ver esse site:
Basicamente, é um compêndio de mentiras e estudos mal feitos (lixo) sobre Ivermectina e outras drogas. Esse site já havia ficado famoso antes pela análise ludibriadora (com intuito claro de enganar quem não entende o básico de evidência) de artigos com a Hidroxicloroquina.
Focando na Ivermectina, apenas (mas todo o site é lixo), o site mistura lixo com lixo podre (estudos observacionais, cartas ao editor e trials de péssima qualidade) para afirmar que há uma chance em 524 mil de que a Ivermectina não funcione.
Dizem que “se conselho fosse bom, não seria de graça”. E ninguém pediu. Mesmo assim, trago 10 conselhos para Médicos e estudantes:
1. Seja curioso e tire dúvidas: isso denota interesse e humildade. Ajuda a crescer cada vez mais no conhecimento. Estimula o engrandecimento pessoal
2. Não confie demais na opinião de especialistas: ninguém sabe tudo e qualquer pessoa (mesmo o melhor professor) é enviesada pelas suas crenças (viés de confirmação). Seja uma tábula rasa e procure interpretar, diante de diferentes pontos de vista, o que lhe falam.
3. Seja pró-ativo e se antecipe aos problemas: o cirurgião olha o residente com melhores olhos quando o próximo instrumento já está na mão. O clínico valoriza quando as hipóteses já estão feitas e com investigação em andamento. Isso requer treino e prática. O paciente agradece.
“Os vendedores de doenças”. Desde posts no Instagram (dos mais inocentes aos mais picaretas), propagandas de vitaminas nas farmácias, até os meses coloridos e a criação de Diretrizes.
Por que é tão fácil fazer dinheiro convencendo pessoas saudáveis de que elas estão doentes?
"Disease mongering” é o termo dado à invenção de doenças. Doenças podem ser inventadas por:
- Associações anedóticas: “sentindo-se cansado e com falta de memória? Só pode ser falta de vitaminas! Tome aqui essa associação de placebos”.
A hipérbole do tweet anterior é a “criação de novas especialidades” (na verdade nem são reconhecidas) como “longevidade saudável” que promove doenças inexistentes, como a baixa testosterona em homens e até mulheres. Isso cria a necessidade da reposição hormonal.
Evidência: zero.
Todo dia me perguntam o que eu achei sobre o novo artigo da Hidroxicloroquina, ou Ivermectina, ou Annita, ou qualquer droga com mais narrativa do que ação contra COVID.
A minha resposta é uma reflexão: diante de tantos resultados negativos, um positivo faria você mudar de ideia?
Eu sei, eu sei. Você está tentando aprender mais sobre vieses cognitivos e raciocínio crítico. Mas é difícil, seja como médico ou como leigo, entender de que lado ficar:
Todo dia saem estudos negativos sobre drogas anunciadas por políticos;
Todo dia saem estudos positivos.
O raciocínio aqui é que cada estudo lançado aumenta ou reduz a PLAUSIBILIDADE das drogas, mas raramente as confirma.. Especialmente se são contraditórios.
Depois que os estudos metodologicamente mais robustos foram negativos, a plausibilidade está muito baixa. Digamos: 2%.