Você já ouviu falar do “efeito placebo”? Provavelmente, o que você entende sobre ele está errado.
Vamos analisar as bases do efeito placebo para perceber porquê esse é um viés cognitivo do ser humano baseado em mistério e falsas esperanças e não pode ser definido sob a lógica.
O efeito placebo foi primeiro quantificado por Bleecher, escrevendo que os sintomas de 35% de 1082 pacientes foram aliviados por placebo.
Você há de concordar que para a existência comprovada de um efeito placebo, podemos usar o critério: (1) tem que ter recebido placebo vs qualquer terapia (medicamentosa ou não) (2) o efeito não apareceu em quem não recebeu placebo, (3) o efeito tem que ser relevante clinicamente
Analisando sob esses critérios mais do que justos, o artigo de Bleecher (até hoje o mais citado sobre efeito placebo) perde toda a sua positividade.
Em outras palavras, usando apenas a lógica, não há efeito placebo no maior estudo sobre efeito placebo.
Por que erramos?
O que levou Bleecher a acreditar no efeito placebo? Vamos ver: 1. Ausência de grupo controle: o placebo é o grupo controle dos estudos. Quando se compara medicamento x placebo e não se demonstra benefício, o medicamento passa a ser considerado um placebo.
2. Melhora espontânea: se um estudo demonstra que um anti-gripal e o placebo reduzem 2 dias de sintomas, esse medicamento é falho. Mas se alguém imaginasse erroneamente que sem placebo duraria 2 d mais, então também o medicamento seria benéfico. Todos os estudos seriam positivos.
2.2 E imaginando que esse estudo demonstrasse que o placebo reduziu em 2 dias e o anti-gripal em apenas 1, a correta interpretação não será a de que o placebo tem que ser agora prescrito, mas sim que a droga traz dano (aumentando a duração da doença).
3. Flutuação de sintomas: especialmente em doenças crônicas, é normal que haja dias melhores e dias piores. É por isso que os estudos sérios criam metodologias para acompanhar os pacientes a longo prazo e reduzir a subjetividade dos sintomas.
4. Tratamento adicional e melhores cuidados: pacientes em estudos recebem melhores cuidados do que a terapia médica usual. Esses melhores cuidados são responsáveis por melhores resultados em placebos vs observações do mundo real.
5. Anedotas e coincidências: o próprio Bleecher descreveu aventurosas e irresponsáveis terapias com vudu; vários outros relatos anedóticos não podem ser levados à sério pela forte possibilidade de existência do acaso (algo que não combina com pesquisa séria).
Essa série de tweets é uma adaptação do artigo “The powerful placebo effect: fact or fiction?” de Kienle e Kiene (J Clin Epidemiol, 1997), que eu, por acaso, lia para escrever um capítulo de livro.
Nada tem de desesperançoso. É apenas uma avaliação crítica e racional do efeito.
As conclusões dos autores, contudo, desqualificam um argumento recentemente muito utilizado nessa pandemia: a de que “se mal não faz, pelo menos tem o efeito placebo, que é comprovadamente benéfico aos pacientes.
Não é bem assim.
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“Eu tomei ivermectina e me curei”. “Sobrevivi graças à cloroquina”
Vamos a uma thread para explicar porquê isso não é um argumento inteligente (para um médico, é inaceitável) ou modificador de conduta. Lembre-se que a chance de sobreviver ao COVID, não usando nada, é de 98-99%.
A função da Medicina Baseada em Evidências (MBE) é, basicamente, evitar que coincidências ou o acaso poluam o julgamento dos médicos.
Para dar um exemplo dessas coincidências, cito o caso da Procainamida e o estudo CAST.
Procainamida é um anti-arrítmico que tinha um mecanismo farmacológico brilhante e que também melhorava fortemente algo que os médicos podem ver facilmente: o Holter, um exame.
Era usado em pacientes que já tinham infartado e tinham arritmias complexas.
Atualizando a terapia para COVID-19 pelo uptodate e pelo theNNT.com.
A análise não leva em conta as mentiras descaradas do Ministério da Propaganda, digo, Saúde, nem paixão por político, nem tem o intuito de lotar consultório. É evidência.
Sintomáticos e cuidados gerais: ✅
Constantemente definido por terra-planistas como “quer dizer que é pra ficar em casa esperando morrer?”, esse é o cuidado milenar da Medicina. Essas medidas plausivelmente previnem evolução para formas graves de diversas doenças.
Tratamento empírico com antibióticos: ❌
A doença é viral e o tratamento empírico só é indicado se houver possiblidade de uma infecção bacteriana superposta, algo que parece ser mais raro do que descrito em elevadores de hospital e grupos de Zipzop.
Há uma parábola que conta que a Mentira, após falar uma obviedade (“está quente hoje”), convenceu a Verdade a cair na água e roubou as suas roupas. Desde então a Mentira se veste com roupas da Verdade.
Lembrei disso ao ver esse site:
Basicamente, é um compêndio de mentiras e estudos mal feitos (lixo) sobre Ivermectina e outras drogas. Esse site já havia ficado famoso antes pela análise ludibriadora (com intuito claro de enganar quem não entende o básico de evidência) de artigos com a Hidroxicloroquina.
Focando na Ivermectina, apenas (mas todo o site é lixo), o site mistura lixo com lixo podre (estudos observacionais, cartas ao editor e trials de péssima qualidade) para afirmar que há uma chance em 524 mil de que a Ivermectina não funcione.
Dizem que “se conselho fosse bom, não seria de graça”. E ninguém pediu. Mesmo assim, trago 10 conselhos para Médicos e estudantes:
1. Seja curioso e tire dúvidas: isso denota interesse e humildade. Ajuda a crescer cada vez mais no conhecimento. Estimula o engrandecimento pessoal
2. Não confie demais na opinião de especialistas: ninguém sabe tudo e qualquer pessoa (mesmo o melhor professor) é enviesada pelas suas crenças (viés de confirmação). Seja uma tábula rasa e procure interpretar, diante de diferentes pontos de vista, o que lhe falam.
3. Seja pró-ativo e se antecipe aos problemas: o cirurgião olha o residente com melhores olhos quando o próximo instrumento já está na mão. O clínico valoriza quando as hipóteses já estão feitas e com investigação em andamento. Isso requer treino e prática. O paciente agradece.
“Os vendedores de doenças”. Desde posts no Instagram (dos mais inocentes aos mais picaretas), propagandas de vitaminas nas farmácias, até os meses coloridos e a criação de Diretrizes.
Por que é tão fácil fazer dinheiro convencendo pessoas saudáveis de que elas estão doentes?
"Disease mongering” é o termo dado à invenção de doenças. Doenças podem ser inventadas por:
- Associações anedóticas: “sentindo-se cansado e com falta de memória? Só pode ser falta de vitaminas! Tome aqui essa associação de placebos”.
A hipérbole do tweet anterior é a “criação de novas especialidades” (na verdade nem são reconhecidas) como “longevidade saudável” que promove doenças inexistentes, como a baixa testosterona em homens e até mulheres. Isso cria a necessidade da reposição hormonal.
Evidência: zero.
Todo dia me perguntam o que eu achei sobre o novo artigo da Hidroxicloroquina, ou Ivermectina, ou Annita, ou qualquer droga com mais narrativa do que ação contra COVID.
A minha resposta é uma reflexão: diante de tantos resultados negativos, um positivo faria você mudar de ideia?
Eu sei, eu sei. Você está tentando aprender mais sobre vieses cognitivos e raciocínio crítico. Mas é difícil, seja como médico ou como leigo, entender de que lado ficar:
Todo dia saem estudos negativos sobre drogas anunciadas por políticos;
Todo dia saem estudos positivos.
O raciocínio aqui é que cada estudo lançado aumenta ou reduz a PLAUSIBILIDADE das drogas, mas raramente as confirma.. Especialmente se são contraditórios.
Depois que os estudos metodologicamente mais robustos foram negativos, a plausibilidade está muito baixa. Digamos: 2%.