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5 Dec, 50 tweets, 14 min read
Todo mundo sabe que o principal desafio do Flamengo é ajustar a defesa. O problema não vem de hoje: desde o início do ano o setor não vem bem. Mas agora, no momento mais agudo da temporada, é uma necessidade latente, a prioridade número 1 de Rogério Ceni.
Há problemas coletivos, envolvendo o time todo. Se a marcação na frente não está ajustada, a bola chega limpa para cima dos zagueiros. Se há muito espaço entre os setores, a zaga fica exposta… Todos já sabemos disso

E quando o coletivo não funciona, a bola chega muitas vezes, a zaga joga no limite e os problemas individuais acabam gritando.

Goleiros, laterais, volantes e até meias e atacantes também têm sua parcela de culpa, mas hoje o foco está nos zagueiros, que vêm falhando demais.
O interessante (ou o assustador), no entanto, é que cada zagueiro tem um tipo de problema diferente e o Flamengo vem sofrendo com todos eles. A dupla muda (e muda o tempo todo hoje em dia), mas a preocupação persiste.
Com a saída de Pablo Marí, o Flamengo trouxe Gustavo Henrique e Léo Pereira. Em tese, boas contratações. Mas os dois vêm oscilando muito e fazem uma temporada muito abaixo do que se esperava.

Comecemos por eles…
Um lance exemplifica bem uma das diferenças entre os dois. Veja o gol sofrido contra o Ceará e repare apenas no comportamento dos dois zagueiros antes do cruzamento...

O grande problema de GH é exatamente na leitura, na interpretação das jogadas. É como um motorista que não usa o espelho retrovisor, então nunca sabe exatamente onde os outros estão e o que estão fazendo.
O mesmo padrão se repete nos gols sofridos contra o Fluminense e o São Paulo. Preste atenção nele bem antes do cruzamento/passe. Só olha a bola, nunca vira o pescoço.

Parece nem saber que Evanilson, Brenner e Bruno Alves estão ali!

No gol de Brenner pelo Brasileirão, inclusive, GH lê tão mal a jogada que está posicionado quase de costas para o cruzamento… Essa dificuldade gera um problema recorrente de posicionamento corporal, um detalhe sutil, mas pra lá de importante.

Léo Pereira se preocupa muito mais em entender o que está acontecendo ao seu redor, acompanha a movimentação dos atacantes e, assim, consegue perceber as linhas de passe.

Por isso, é o zagueiro que mais faz interceptações no Flamengo.

O problema dele é outro — e é grave. O grande calcanhar de Aquiles é nas disputas em si.

Léo Pereira até sabe onde o adversário está, até se posiciona corretamente antes da bola chegar, mas faz abordagens muito ruins e é facilmente batido.

Isso se torna desastroso contra atacantes que são bons (ou às vezes apenas razoáveis) no pivô. LP tem muita dificuldade para controlar essas jogadas e o adversário quase sempre consegue girar.

Aliás, o próprio Fla se aproveitou disso, no ano passado…

Talvez por essa insegurança, Léo Pereira também tem mostrado muita dificuldade defendendo a área.

Aquela preocupação em ler a jogada e entender o posicionamento adversário só é útil se gera decisões melhores. Mas ele quase sempre acaba sendo antecipado nos cruzamentos.
Até aqui, GH tem se mostrado mais seguro no combate direto do que LP. Qdo sobe para dar combate no campo de ataque, por exemplo, não costuma deixar passar

(O vídeo mostra TODAS as disputas defensivas no campo de ataque nos últimos 10 jogos que disputou)

Ele é também o zagueiro que mais ganha disputas pelo alto entre a área rubro-negra e o meio-campo. Parece besteira, mas esse tipo de jogada é fundamental para estabelecer aquele ciclo intenso que acaba quebrando os adversários ao meio.

Em tese, essa característica é muito boa para um zagueiro em um time que quer usar a linha de defesa bastante adiantada e pressionar os adversários….....
Mas, é claro, como tem um problema crônico de posicionamento e orientação corporal, protege muito mal as costas. Como é lento, tem dificuldade na recuperação.

Muito difícil para um time que quer usar a linha de defesa bastante adiantada...

É importante entender os tipos de erro que existem. Não é apenas uma questão de ser lento. Vai além.

Pablo Marí, por exemplo, não é nem um pouco rápido, mas tinha uma interpretação impecável de cada situação defensiva, então não desprotegia suas costas, fazia boas coberturas etc
LP e GH são diferentes um do outro. Um lê melhor as jogadas e faz mais interceptações, mas perde os combates. O outro até ganha os combates, mas é pego desprevenido (mal posicionado, correndo de costas, sem visão clara) muitas vezes pela dificuldade de leitura das jogadas.
O problema se agrava se imaginarmos que as características de um expõem os erros do outro. Por exemplo: LP perde a disputa e GH não está bem posicionado para fazer a cobertura. Vira um ciclo vicioso que só gera insegurança.
E, de fato, a característica que os dois parecem compartilhar hoje é a falta de confiança, que naturalmente faz qualquer zagueiro jogar assustado, pensar duas vezes, recuar para se proteger, ficar ainda mais exposto ainda e falhar ainda mais.
O jogo contra o Racing tem um momento simples, quase imperceptível, mas que ilustra bem essa insegurança.

Gustavo Henrique fazia uma partida correta — não espetacular, mas segura — até os 28 min, quando errou um passe simples…

A partir daí, veja todas as vezes que a bola passou por ele na construção das jogadas até o fim do primeiro tempo.

Uma série de erros que não geraram perigo, não custaram caro, mas indicam alguma coisa… Aparentemente uma perda de concentração...

No segundo tempo, voltou seguro mais uma vez, até que seu companheiro de zaga foi expulso e a concentração foi embora. Na cobrança da falta, ele corre de costas para a bola e, agora sim, a falha custa caro. Muito caro!
Afinal, nem toda jogada tem o mesmo peso dentro dos 90 minutos. Alguns lances são capitais e decidem os jogos. É importante ganhar as bolas fáceis, as bolas longe do gol…

Futebol é muito detalhe, mas a tendência de falhar nas bolas cruciais é absolutamente destruidora.
Por tudo isso, o Fla vem sofrendo nos cruzamentos, lançamentos nas costas, jogadas em velocidade…

Hoje, impressiona a fragilidade do time nesses momentos cruciais. Até em jogos controlados, quando uma única coisa dá errado, tudo passa a dar errado.

Concentração e confiança: duas palavras chave. Não é a toa que, nos últimos 16 jogos, o Fla sofreu 26 gols, sendo 12 nos primeiros 15 min do primeiro ou do segundo tempo: Vasco, Goiás, Bragantino, Inter, Atlético-MG (3x), São Paulo, Atlético-GO, São Paulo (2x) e Racing
Na volta contra o Racing, GH acabou saindo como vilão. Jogou porque LP havia feito um jogo muito ruim na Argentina. Além disso, tanto Thuler quanto Natan estavam suspensos. Mesmo assim, vale a pena olhar as duas opções jovens do Flamengo.
O problema crônico de Thuler está presente em boa parte dos zagueiros brasileiros e tem a ver com orientação corporal e referência de marcação.

Ele nunca parece estar preparado porque tem muita dificuldade de antever os lances.
Talvez a melhor explicação tenha vindo de outro zagueiro da base do Fla: na famosa entrevista em que Léo Duarte afirmou que não conhecia 70% do que Jorge Jesus apresentava, ele deu uma dica sutil, mas importante.
“Os movimentos defensivos são coletivos. Não são individuais. Na minha cabeça, tenho muito a aprender e a evoluir. (...) Eu, como zagueiro, achava que sempre tinha de sair no combate.”, disse na época.
Thuler é quase 3 anos mais novo, mas passou pelo mesmo processo de formação e parece carregar vários dos mesmos vícios.

Raramente pensa nos movimentos coletivos, raramente cobre os espaços na defesa e quase sempre se posiciona para decidir os lances sozinho.
O gol do Racing na Argentina é um bom exemplo. Uma sequência de erros que envolveu todo o sistema defensivo. Mas pq Thuler disparou para marcar um jogador na bandeirinha de escanteio em vez de proteger a área?

Há outros exemplos também. Aliás, em todo lance importante — mesmo quando a culpa pelo perigo nem é diretamente dele —, Thuler só olha a bola, se orienta pela bola, ataca a bola, persegue quem tem a bola...

Por ser rápido, acaba escondendo alguns desses problemas. Também chega sempre duro nas jogadas — às vezes até demais —, e é mais eficiente no mano a mano.
Sua entrada no lugar de Rhodolfo contra o CAP em 2019, por exemplo, foi fundamental para controlar Rony depois que Rafinha se machucou e deu lugar a João Lucas.

Uma raríssima substituição de zagueiros por motivos táticos!

Não dá para falar muito sobre Noga, já que jogou pouco nos profissionais até aqui. Mas, nos momentos em que entrou, mostrou uma precipitação parecida, sempre querendo dar o bote, não se preocupando muito com os espaços etc.
É comum que zagueiros jovens passem por isso. Não “conhecem os atalhos do campo” ainda. Mesmo assim, o padrão parece vir do processo de formação do próprio clube.

O zagueiro que também mostra esses traços, mas em nível bem menor e conseguindo compensar de outras formas, é Natan.
Pelo posicionamento melhor, também consegue um ótimo número de interceptações (quase igual a LP). Pela velocidade e atenção, tem uma boa recuperação. É também firme nos combates.
Seu maior problema ainda está nas disputas pelo alto, aquelas entre a área e o meio-campo. Às vezes pode não ser nada demais, mas às vezes é a diferença entre um gol contra e um gol a favor.

De novo: futebol tem muitos detalhes e a diferença entre um lance morto e um perigo claro às vezes é um metro pra cá, uma disputa boba vencida ali...
Ele começou muito bem, sendo testado em contextos diferentes e correspondendo. Oscilou e não foi bem —inclusive falhando em gols — contra o São Paulo (no 4x1) e o Atlético-MG (no 4x0). Depois, não entrou bem contra o Atlético-GO (no 1x1)

Essa é a palavra central: equilíbrio. O miolo de zaga do Flamengo é incompleto, desequilibrado. Um zagueiro é bom naquilo que o outro é ruim, mas também é ruim em algo que expõe os problemas do outro. Um ciclo perpétuo de preocupação.
Por isso tudo Rodrigo Caio é tão importante. Sinceramente, os números dele nem saltam aos olhos. Não é o que mais intercepta, nem o que mais ganha disputas pelo alto ou acerta desarmes. Mas é justamente por isso que futebol não pode ser analisado só com números.
Ele se posiciona bem, vence a maioria dos duelos importantes e é rápido, conseguindo se recuperar quase sempre. Além disso, acredita até o final em todos os lances, tem liderança, orienta a defesa e raramente perde a concentração.
Não dá para tratá-lo como salvador da pátria. O problemas são tantos (e tão profundos) que não cabe a um homem resolvê-los.

Inclusive, na sua volta gramados, contra o Racing, foi bem no jogo, tomou o cartão vermelho que deixou o time à deriva.

Mas é inegável que seu período fora dos gramados prejudicou demais o desempenho defensivo do Flamengo.

Afinal, ele não é apenas o melhor zagueiro, o que falha menos, mas é também aquele que faz os outros jogarem melhor, ajuda a esconder as falhas e valorizar os pontos fortes.
Rogério Ceni terá muito trabalho. Precisa corrigir os problemas individuais e coletivos. Arrumar a parte tática para expor menos a defesa, melhorar a parte técnica para errar menos, aprimorar a parte física para se impor e dar um jeito de virar a parte mental de cabeça para baixo
É evidente que o Flamengo precisa melhorar muito lá atrás e precisa melhorar AGORA. Não há mais tempo. O título brasileiro ainda é possível, mas exige uma guinada imediata. Afinal, os concorrentes estão crescendo enquanto o Flamengo vem caindo.
Não será uma tarefa fácil, mas ninguém nunca disse que treinar o Flamengo seria fácil. Esse é o desafio posto e pode ser o grande legado de seu trabalho.

Tudo começa com um mísero jogo sem tomar gols. Vamos torcer!

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