Qual a regra número 1 para quem quer se iniciar na leitura crítica de evidências científicas?
ENTENDA QUE ESTUDOS OBSERVACIONAIS SÓ GERAM HIPÓTESES.
Que tal se atentar a isso na próxima notícia ou corrente que você ler sobre algum estudo?
O exemplo do estudo que concluiu que café aumentava a chance de câncer de pâncreas é um bom exemplo para três tipos de vieses: o viés de seleção, confundidores e o que eu chamo de “viés da eminência”.
Foi publicado em 1981 por MacMahon na New England Journal of Medicine (NEJM).
O estudo foi do tipo “caso-controle”, então se selecionavam pacientes com câncer e sem câncer e se perguntava se eles tinham alguns hábitos prévios à doença, entre eles o de beber café. A associação café x câncer de pâncreas é espúria.
Vamos entender seus vieses de um por um:
Viés de seleção:
- Participantes foram selecionados pelos mesmos médicos gastroenterologistas.
- Logo, o paciente do grupo “controle” (sem câncer) já era um paciente com alguma doença gastro-intestinal.
- Esses doentes são normalmente aconselhados a beber menos café.
Confundidores:
- O paciente que fuma tem uma maior tendência a beber café.
- Logo, entre os bebedores de café, deve haver mais fumantes.
- O hábito de fumar, não mensurado nessa pesquisa, pode ter sido responsável pela conclusão falsa.
Confundidores conhecidos podem ser ajustados estatisticamente em pesquisas observacionais, mas os desconhecidos não. Afinal, se é desconhecido, é impossível que o estatístico leve esse fator em consideração na hora da pesquisa.
Viés da eminência, ou efeito Matthew:
- Há uma clara tendência, das pessoas e da mídia, a valorizar pesquisas com selos de Harvard, Sírio, médicos que aparecem na TV ou publicações em revistas importantes como New England e Lancet.
Enquanto a eminência tem sua importância, pois são essas pessoas que comandam a hierarquia da transmissão de conhecimentos, em ciência, assim como deveria ser na vida, tão ou mais importante do que quem fala é o que se fala.
A eminência não vence a análise crítica de pesquisas.
Isso é facilmente exemplificado durante a pandemia, quando:
- Pesquisadores de Harvard não falam pela instituição Harvard;
- Médicos eminentes desvalorizam as evidências para lotar consultórios ou obter vantagens políticas;
- New England e Lancet despublicaram pesquisas falsas.
Dito isso, da próxima vez que ler uma notícia afirmando algum achado científico, se pergunte: a pesquisa tinha poder de afirmar algo ou era observacional e apenas gera hipótese?
As notícias de jornais e correntes de Zipzop, infelizmente, muitas vezes não trazem esse dado.
Os estudos com capacidade de confirmar hipóteses são os estudos randomizados controlados (trials). Mas só o fazem quando a pesquisa tem:
- Alta probabilidade pré-teste (plausibilidade e consistência com outras pesquisas)
- Poucos vieses
- Benefício clínico real e de boa magnitude
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Você já ouviu falar do “efeito placebo”? Provavelmente, o que você entende sobre ele está errado.
Vamos analisar as bases do efeito placebo para perceber porquê esse é um viés cognitivo do ser humano baseado em mistério e falsas esperanças e não pode ser definido sob a lógica.
O efeito placebo foi primeiro quantificado por Bleecher, escrevendo que os sintomas de 35% de 1082 pacientes foram aliviados por placebo.
Você há de concordar que para a existência comprovada de um efeito placebo, podemos usar o critério: (1) tem que ter recebido placebo vs qualquer terapia (medicamentosa ou não) (2) o efeito não apareceu em quem não recebeu placebo, (3) o efeito tem que ser relevante clinicamente
“Eu tomei ivermectina e me curei”. “Sobrevivi graças à cloroquina”
Vamos a uma thread para explicar porquê isso não é um argumento inteligente (para um médico, é inaceitável) ou modificador de conduta. Lembre-se que a chance de sobreviver ao COVID, não usando nada, é de 98-99%.
A função da Medicina Baseada em Evidências (MBE) é, basicamente, evitar que coincidências ou o acaso poluam o julgamento dos médicos.
Para dar um exemplo dessas coincidências, cito o caso da Procainamida e o estudo CAST.
Procainamida é um anti-arrítmico que tinha um mecanismo farmacológico brilhante e que também melhorava fortemente algo que os médicos podem ver facilmente: o Holter, um exame.
Era usado em pacientes que já tinham infartado e tinham arritmias complexas.
Atualizando a terapia para COVID-19 pelo uptodate e pelo theNNT.com.
A análise não leva em conta as mentiras descaradas do Ministério da Propaganda, digo, Saúde, nem paixão por político, nem tem o intuito de lotar consultório. É evidência.
Sintomáticos e cuidados gerais: ✅
Constantemente definido por terra-planistas como “quer dizer que é pra ficar em casa esperando morrer?”, esse é o cuidado milenar da Medicina. Essas medidas plausivelmente previnem evolução para formas graves de diversas doenças.
Tratamento empírico com antibióticos: ❌
A doença é viral e o tratamento empírico só é indicado se houver possiblidade de uma infecção bacteriana superposta, algo que parece ser mais raro do que descrito em elevadores de hospital e grupos de Zipzop.
Há uma parábola que conta que a Mentira, após falar uma obviedade (“está quente hoje”), convenceu a Verdade a cair na água e roubou as suas roupas. Desde então a Mentira se veste com roupas da Verdade.
Lembrei disso ao ver esse site:
Basicamente, é um compêndio de mentiras e estudos mal feitos (lixo) sobre Ivermectina e outras drogas. Esse site já havia ficado famoso antes pela análise ludibriadora (com intuito claro de enganar quem não entende o básico de evidência) de artigos com a Hidroxicloroquina.
Focando na Ivermectina, apenas (mas todo o site é lixo), o site mistura lixo com lixo podre (estudos observacionais, cartas ao editor e trials de péssima qualidade) para afirmar que há uma chance em 524 mil de que a Ivermectina não funcione.
Dizem que “se conselho fosse bom, não seria de graça”. E ninguém pediu. Mesmo assim, trago 10 conselhos para Médicos e estudantes:
1. Seja curioso e tire dúvidas: isso denota interesse e humildade. Ajuda a crescer cada vez mais no conhecimento. Estimula o engrandecimento pessoal
2. Não confie demais na opinião de especialistas: ninguém sabe tudo e qualquer pessoa (mesmo o melhor professor) é enviesada pelas suas crenças (viés de confirmação). Seja uma tábula rasa e procure interpretar, diante de diferentes pontos de vista, o que lhe falam.
3. Seja pró-ativo e se antecipe aos problemas: o cirurgião olha o residente com melhores olhos quando o próximo instrumento já está na mão. O clínico valoriza quando as hipóteses já estão feitas e com investigação em andamento. Isso requer treino e prática. O paciente agradece.
“Os vendedores de doenças”. Desde posts no Instagram (dos mais inocentes aos mais picaretas), propagandas de vitaminas nas farmácias, até os meses coloridos e a criação de Diretrizes.
Por que é tão fácil fazer dinheiro convencendo pessoas saudáveis de que elas estão doentes?
"Disease mongering” é o termo dado à invenção de doenças. Doenças podem ser inventadas por:
- Associações anedóticas: “sentindo-se cansado e com falta de memória? Só pode ser falta de vitaminas! Tome aqui essa associação de placebos”.
A hipérbole do tweet anterior é a “criação de novas especialidades” (na verdade nem são reconhecidas) como “longevidade saudável” que promove doenças inexistentes, como a baixa testosterona em homens e até mulheres. Isso cria a necessidade da reposição hormonal.
Evidência: zero.