Vou começar o fio sobre o Fundeb que prometi fazer nesta manhã. Começo explicando a história que desaguou no Fundeb. O fio será grande. Lá vai.
1) O financiamento foi para a educação foi entendido como vinculação constitucional de um percentual mínimo de recursos para a educação a partir da Constituição Federal de 1934. O princípio da vinculação de recursos esteve presente nas Constituições Federais seguintes
2) A Carta de 1937 determinou que o direito à Educação se constituía num dever da família, e ao Estado era definido um papel secundário. Esta concepção retornou, em certa maneira, no discurso da Escola Sem Partido, para quem educação é papel da família
3) A Constituição Federal de 1946 consagrou a vinculação de recursos: a União deveria aplicar ao menos 10% da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (e 20% para Estados, Distrito Federal e Municípios
4) Além do debate sobre o papel da educação (ser papel da família ou Estado), outra discussão histórica é sobre o objetivo da formação: para a cidadania ou para a indústria.
5) A Constituição Federal de 1946 consagrou a vinculação de recursos: a União deveria aplicar ao menos 10% da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. No governo de Kubitschek a educação adotou como objetivo a formação para a indústria de base.
6) O Regime Militar Instituiu a política de cooperação federativa no financiamento da educação. O Salário-Educação passou a complementar as despesas, buscando recursos junto ao setor privado. A empresa deveria recolher para custear o ensino primário dos filhos dos seus empregados
7) Em 1983, a Emenda Calmon (EC 24/83) estabeleceu a aplicação à Educação pela União de, ao menos, 13% da receita resultante de impostos. Para Estados e Municípios, o percentual passou a ser de 25%. A Lei Calmon foi assinado pelo Presidente José Sarney, em julho de 1985
8) O FUNDEF veio antes do FUNDEB. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), criado em 1983, apresentou ao MEC uma proposta de criação do fundo para financiar a educação, de modo que os entes federativos se auxiliassem mutuamente
9) Desta proposta nasceu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. O FUNDEF deveria ser aplicado no Ensino Fundamental para valorizar o professorado, que deveriam ter sua remuneração garantida por, ao menos, 60% dos recursos
10) Só os alunos de 7 a 14 anos de idade tiveram suas matrículas garantidas, uma vez que a Educação de Jovens e Adultos foi excluída da possibilidade de utilização dos recursos do FUNDEF, assim como a Educação Infantil (creches e pré-escolas)
11) Aí, chegamos no FUNDEB, substituindo o FUNDEF, com vigência prevista para até 2020. O novo plano, ao contrário do anterior, contou com maior participação da sociedade, que exigiu a ampliação de recursos do Fundo, de modo a atender outras etapas de ensino
12) O Fundeb foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, com vigência estabelecida para o período 2007-2020, sua implantação começou em 1º de janeiro de 2007
13) O Fundeb é formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal (CF).
14) Além desses recursos, ainda compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que, no âmbito de cada Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.
15) Em julho deste ano, o novo Fundeb foi votado na Câmara de Deputados em meio à uma guerra. Tornou-se um fundo constitucional, portanto, permanente. A complementação federal passou de 10% para 23%. Mas, escalonado
16) O novo Fundeb definiu que a participação federal será de 23%, sendo: 12% em 2021; 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; 23% em 2026.
17) Outra inovação foi o CAQ (Custo Aluno Qualidade). O CAQ define para onde deve ser canalizado o recurso do Fundeb: para pagamento de salários (70% do total) de professores e para estruturar escolas: laboratórios, água encanada, esgoto etc. Os empresários da área chiaram
18) Chegamos nessa semana que passou e o passo seguinte foi a regulamentação do novo Fundeb, ou seja, a definição pelo Congresso Nacional (Câmara + Senado) sobre como este fundo será aplicado na prática. E, aí, a onça bebeu água
19) A Câmara dos Deputados aprovou na dia quinta-feira, dia 10 o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo Fundeb. O texto deve ser votado, na próxima semana, pelo Senado.
20) A regulamentação abocanhou uma parte dos recursos que iriam para as escolas públicas - onde estudam os brasileiros mais pobres. Agora, parte vai para o Sistema S e escolas confessionais. O que demonstra como o empresariado brasileiro briga por recurso público
21) Os deputados federais incluíram a possibilidade de repasse do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos, nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas. Posição defendida pelo Centrão e por Bolsonaro.
22) Outra mudança permite o pagamento de profissionais que trabalhem nas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas - privadas e sem fins lucrativos - com a parte dos recursos destinada originalmente ao salário de profissionais da educação.
23) A fatia de 70% para o pagamento de profissionais da educação também poderá ser usada para pagar “terceirizados e profissionais de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos”. Na prática, menos dinheiro para escolas públicas.
24) A questão central, do ponto de vista político é: por qual motivo os empresários e Bolsonaro foram derrotados no meio do ano - quando o novo Fundeb foi aprovado - e, agora, não? A resposta está na eleição da mesa diretora da Câmara de Deputados que ocorrerá em fevereiro
25) Embora os partidos de centro-esquerda não tenham votado majoritariamente em favor das escolas particulares, tivemos várias ausências de deputados deste campo e vários votos favoráveis, em especial, do PSB e PDT. Do PSB, quatro deputados de SP, um de SC, um de PE e um do RS
26) Pelo PDT, três deputados votaram pela privatização do recurso do FUNDEB: Flávio Nogueira (PI), Gil Cutrim (MA) e Marlon Santos (RJ).
27) Qual a relação desta votação com a composição da mesa diretora da Câmara de Deputados? A composição com o candidato do Centrão, apoiado por Bolsonaro: o alagoano Arthur Lira, do PP.
28) No PSB, a guerra está sendo intensa. O deputado Alessandro Molon, do RJ, reverteu uma tendência de sua bancada na Câmara e deve se lançar candidato à Presidência desta casa parlamentar.
29) Já no PT, a maioria da bancada se inclina, ainda que nos bastidores, a negociar com Arthur Lira não apenas cargos na mesa diretora da Câmara, mas a reversão de algumas leis que debilitaram, por exemplo, os sindicatos.
30) Arthur Lira, lembremos, é réu no Supremo desde outubro de 2019, acusado de receber 106 mil reais de um sujeito que dirigia a estatal federal de trens CBTU em 2012 e queria continuar no posto.
31) A Justiça de Alagoas acaba de invalidar provas contra Lira em uma ação por peculato, à sombra de um esquema estadual de “rachadinha”. Condenado na esfera cível neste caso, Lira só concorreu na eleição de 2018 graças a uma liminar que suspendeu sua “ficha suja”.
32) Em junho deste ano, foi acusado, pela PGR de receber propina de 1,5 milhão de reais da empreiteira Queiroz Galvão. A denúncia era assinada pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, mas, em setembro, Lindôra pediu ao STF que deixe o caso para lá, pois faltariam provas.
33) PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede não conseguem eleger o presidente da Câmara, mas, desequilibram a balança ou para o grupo de Maia (em tese, 157 deputados de DEM, MDB, PSDB, PSL, PV e Cidadania), ou para o Centrão (em tese, 170 de PL, PP, PSD, Avante e Solidariedade).
34) Aqui reside a negociação. Há um bloco de 10 a 15 deputados federais do PT que querem lançar candidatura própria à presidência da Câmara de Deputados. Mas, a maioria dos parlamentares petistas, claudica.
35) Não sei se está claro, mas muito da votação da regulamentação do Fundeb se vinculou ao clima de negociação com Centrão.
36) Vejam o que o líder da minoria, o deputado petista José Guimarães, afirmou: “Ninguém vai aceitar a nossa pauta mínima, mas é importante que a gente tenha o discurso político contra essas propostas". Deu para entender?
37) Então, voltemos para a disputa interna, no PSB e PT. O debate sobre o apoio a Arthur Lira rachou o PSB. Ontem, a direção do partido aprovou por 80 votos a zero, uma resolução que recomenda o não apoio de seus deputados ao candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro.
38) Acontece que esta decisão do PSB ocorreu dois dias após 18 deputados da legenda sinalizarem um indicativo de apoio a Lira. A disputa, continua.
39) O deputado Júlio Delgado (MG) lembra que “não foi proibição. Foi uma recomendação”: — Tem alguém que a gente ame mais do que a mãe da gente? Minha mãe, toda vez fala para não pegar sereno, não dormir tarde, não beber muito. E, eventualmente, essas coisas acontecem. "
40) Já o PT decidiu adiar o embate interno. Em reunião realizada por sua executiva com deputados e senadores do partido, definiu por construir uma unidade com as outras seis legendas de oposição (PDT, PCdoB, PSB, Rede, PV e PSOL) tanto para as eleições da Câmara quanto do Senado.
41) Consultei vários deputados federais do PT e o que ouvi foi: ganhamos tempo para a disputa no interior da bancada continuar. Agora, cada lado tentará articular dentro e fora da bancada para definir um posicionamento final.
42) Portanto, quando analisarmos votações no Congresso Nacional, é bom ter claro que nem toda pauta é o que está realmente em jogo. Muitas vezes, é a cobiça política que se relaciona com uma agenda que o Brasil considera prioritária. (FIM)
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Há sinais de uma disputa importante que se insinua no interior do PT. Existem alguns polos em disputa. Mas, o foco geral é com as direções atuais, lideradas pela corrente majoritária: a CNB. Segue um pequeno fio
1) Muitas movimentações internas já ocorriam no PT quando o desastre eleitoral se prenunciava. Alguns lideranças diziam que preferiam aguardar o final das eleições para não serem acusados de contribuir para a derrota eleitoral. Mas, foi Genoíno que saiu à frente
Bom dia. Hoje, quero destacar uma nova liderança de Belo Horizonte. Uma liderança que lembra o Garrincha. Segue o fio
1) A analogia entre política e futebol é um recurso didático usado no Brasil. Há quem a considere uma marca masculina da narrativa política. Mas, sinceramente, esta distinção deixou de ter razão de ser até mesmo porque a melhor seleção de futebol de nosso país é a feminina.
2) O fato é que usar deste recurso é uma maneira de comunicar uma ideia ou interpretação política que pode ser árida para o leitor. Como desconhecer que ao dizer que um político parece um centroavante ao estilo “vamos que vamos” de Serginho Chulapa?
Bom dia. Ainda vivemos o rescaldo das eleições de 2020. Mas, já dá para dar alguns pitacos. Faço um fio com o intuito de sugerir que cravar certezas sobre a política brasileira é andar na corda bamba. Segue o fio.
1) No Brasil, país latino, o esporte é a aposta. Um movimento infantil, de autoafirmação, em que se pretende vender a imagem de adivinho. Algo intrigante, dado que se o apostador perde, mergulha na penumbra do esquecimento. Se vence, gera surpresa até fazer a aposta errada.
2) A palavra que define essas eleições não é derrota, nem mesmo vitória, mas transição. Uma transição de uma decisão que tinha se formado entre 2016 e 2018 e que, agora, parece se dirigir ao lado oposto.
Faço uma breves observações sobre a performance dos partidos de centro-esquerda nesta eleição, com destaque para o segundo turno:
1) Esta foi uma eleição de transição por parte do eleitor: a marola do antissistema de extrema-direita e apolítico acabou. O eleitor cravou no conhecido e tradicional. Nessa, o centro-direita levou a melhor.
2) Mesmo no campo do centro-esquerda, sobressaíram candidaturas com "recall". O eleitor foi moderado.
Bom dia. Dia de eleição em 57 cidades do Brasil. Algo um pouco superior a 1% do total dos municípios brasileiros. Contudo, somam perto de metade do eleitorado. Portanto, os vencedores levarão mais que batatas. Segue o fio
1) Serão 57 cidades que decidirão qual prefeito, dentre dois, governará seu território pelos próximos 4 anos: 16 paulistas, 5 cariocas/fluminenses, 5 gaúchas, 4 mineiras, 2 pernambucanas, 2 cearenses, e assim por diante.
2) Se destacarmos as candidaturas de centro-esquerda que estarão neste segundo turno encontramos, num total de 20 (sendo 10 em capitais): 15 do PT, 2 do PDT, 2 do PSOL e 1 do PCdoB
A novidade nesta eleição em Belo Horizonte: a Coletiva
Na eleição passada, várias candidaturas identitárias do PSOL lançaram a ideia das candidaturas coletivas. A novidade dialogava com a experiência política de 2013: liderança não é algo individual, mas coletivo. Segue o fio
1) Havia, ali, uma simbiose entre a democracia representativa – aquela em que o cidadão vota em alguém que o representará no campo institucional – e a democracia participativa – em que vários coletivos e cidadãos se inserem nas estruturas de poder público
2) Em 2016, a campanha coletiva lançava várias candidaturas a partir de uma ideia de unidade, de projeto comum ao redor da sigla MUITAS. A proposta elegeu Áurea Carolina e Cida Falabella e acabou gerando um gabinete unificado na Câmara de Vereadores: a Gabinetona