Vamos falar um pouco sobre MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL? Segue a thread 👇🏻e divulgue se achar interessante.
1. O fenômeno da mutação constitucional pode ser conceituado como a mudança informal da Constituição em virtude de modificações substantivas nos valores sociais ou em razão da nova realidade na qual a Constituição está inserida.
2. A mutação constitucional pode ocorrer pela via interpretativa, pela via do legislador ou pela via dos costumes. Esta é a posição de @LRobertoBarroso. Há quem considere a mutação constitucional um "poder constituinte difuso".
3. Características da mutação constitucional: latência, informalidade, continuidade e permanência. Vamos estudar cada uma dessas características.
4. Latência: o fenômeno em estudo é um poder invisível que, na maior parte do tempo, permanece em “estado de latência”.
5. Permanência: Outra característica da mutação constitucional é a sua permanência: ela não é delimitada por um regramento expresso e, portanto, pode ocorrer a qualquer momento (independentemente da mudança de Constituição).
6. Informalidade: A mutação constitucional é informal, tendo em vista que o seu procedimento não foi estipulado pelo poder constituinte.
7. Continuidade: Por fim, a doutrina elenca a continuidade como uma das características da mutação constitucional, já que os três poderes da república, ao exteriorizarem o fenômeno da mutação constitucional, “continuam” a obra do constituinte originário.
8. Mutação constitucional no Poder Legislativo: O clássico exemplo de mutação constitucional exteriorizada pelo Poder Legislativo envolve o tema das cotas raciais no acesso ao ensino superior; afinal, após uma série de mudanças nos valores do Estado brasileiro (...)
9. (...) o Poder Legislativo editou leis que regulamentaram o tema, como a Lei do ProUni, o Estatuto da Igualdade Racial (que, embora não trate especificamente sobre o tema das cotas, dispõe sobre regras que envolvem a educação no Brasil), além de outras leis editadas nos Estados
10. Mutação constitucional pela via do Judiciário: Talvez esta seja a hipótese clássica envolvendo a mutação constitucional no Brasil. O caminhar da jurisprudência de acordo c/os valores da sociedade brasileira retrata uma das formas de perfectibilização da mutação (...)
11. (...) constitucional no Brasil. Como exemplo deste fenômeno, cito a decisão do STF no julgamento das ações ADPF nº 132 e ADI nº 4277, em decorrência do qual se passou a admitir a possibilidade de reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar
12. Mutação constitucional pela via do Executivo: Embora possa soar de maneira estranha, o Poder Executivo também pode ser um agente exteriorizador de uma mutação constitucional, já que ele também faz parte da comunidade de intérpretes da Constituição Federal de 1988.
13. Um dos casos mais emblemáticos de mutação constitucional realizada pelo Poder Executivo é o reconhecimento do conceito de quilombo pelo Decreto nº 4.887/2003. Nesse sentido, transcrevo a lição de Daniel Sarmento: (...)
14. "O Poder Executivo também pode ser agente da mutação constitucional, uma vez que interpreta e aplica a Constituição no exercício das suas competências. Novas práticas e orientações do Poder Executivo, assim como normas jurídicas que ele venha a produzir no âmbito da sua
15. competência, podem exteriorizar uma nova leitura sobre alguma norma constitucional específica. No Brasil, um exemplo recente e positivo de atuação do Poder Executivo na mutação constitucional deu-se no tema das comunidades de remanescentes de quilombos. (...)
16. (...) O art. 68 do ADCT consagra o direito dos remanescentes das comunidades de quilombos à propriedade definitiva das terras que ocupem. Por ocasião da Assembleia Constituinte, não havia muita clareza sobre o conceito de quilombo. (...)
17. (...) Após a Constituição, muitos sustentavam uma visão restritiva do conceito de quilombo, de modo a abarcar os espaços territoriais ocupados por descendentes de escravos fugidos. Sem embargo, a partir da década de 90, o tema passa a ser objeto de intensa discussão (...)
18 (...) tanto no âmbito do movimento negro como no campo da Antropologia, e o art. 68 do ADCT começa a ser invocado com frequência cada vez maior como instrumento de luta em favor dos direitos territoriais de comunidades negras dotadas de cultura própria e de um passado ligado
19. (...) à resistência e à opressão. Essa concepção mais elástica de quilombo, resultado de um verdadeiro processo de ‘ressemantização’ do termo, foi acolhida pelo Decreto 4.887/2003, atualmente em vigor, que disciplina o procedimento de reconhecimento, demarcação e titulação
20. (...)das propriedades dos remanescentes de quilombos e beneficia outras comunidades negras que não são compostas de escravos fugidos, mas que têm traços culturais próprios, intensa relação com o território que ocupam, além de uma trajetória histórica de resistência à opressão
21. Nesse caso, o Poder Executivo não inventou um novo conceito de quilombo, substituindo-se ao poder constituinte, mas acolheu em ato normativo um novo significado mais amplo e generoso do termo, plenamente compatível com o espírito e os valores da Constituição de 88, e que já
22. (...) fora consagrado no universo de agentes e instituições sociais, acadêmicas e profissionais que lidam com a temática”
23. O que é a chamada "Mutação constitucional exogenética"? Trata-se de conceito criado por Canotilho para definir uma espécie de "mutação constitucional inconstitucional".
24. Mutação constitucional exogenética: consiste na utilização de elementos extra-Constituição que contrariam e/ou são alheios ao programa da norma constitucional. Trata-se de uma "mutação constitucional inconstitucional".
25. Não é toda e qualquer modificação da jurisprudência que caracteriza uma autêntica mutação constitucional; o são apenas aquelas que se modificam em virtude da mudança dos valores sociais do momento ou do quadro empírico subjacente, posta em cotejo com o texto constitucional.
26. Fim da thread. Fiquem à vontade para sugerir temas para serem abordados por aqui. Um abraço a todos e agradeço quem compartilhar o conteúdo.

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