Quando falo sobre raciocínio bayesiano, sou frequentemente questionado pela incerteza da probabilidade pré-teste.

A transição do método mecanicista para o método baseado em evidências precisa ser concomitante à transição do médico frágil para o modelo de Medicina antifrágil.
O conceito de anti-frágil, melhor definição para o oposto de frágil que “robusto”, por exemplo, vem do matemático Nassim Taleb (@nntaleb), que o descreve como algo que cresce em meio ao caos da incerteza.
Nós somos treinados na faculdade e cobrados pelos pacientes a ser frágeis.
A graduação médica tem um modelo quase inteiramente mecanicista, potencializado por provas trimestrais e, nomeadamente, pela prova de Residência.
A graduação pouco prepara para o raciocínio probabilístico (necessário para interpretar os exames que os futuros médicos pedirão).
Médicos repetem trials, revisões sistemáticas e guidelines (que, com sorte, serão de boa qualidade - mas quase nunca são) com a facilidade de quem decorou a tabuada, justificando seus atos.
Pouco se fala sobre a plausibilidade, o mérito e a relevância, muito sobre o valor de p.
A população está acostumada, por médicos e pela mídia (ambos ignorantes da fragilidade) a pensar que Medicina é preto no branco - que só são necessários unir sintomas e exames e ter uma única resposta correta.
Ou que basta um relato de sucesso para cravar a força de uma terapia.
Esses fatores levaram ao surgimento de grandes eminências: médicos que demonstram muita certeza no que falam (recordo: a Medicina é incerta). Muito espaço na mídia resulta na criação de diversos tipos de eminência, até o ponto de que as eminências estarão desacreditadas.
O exemplo dessa desacreditação é o que ocorreu na pandemia, em que “eminências” motivadas por política (minoria) ou porque sempre foram frágeis (maioria) brotaram nas redes sociais como vetores da fake science do KIT COVID, entre outros absurdos.
É a mídia dando um tiro em seu pé
Como diz Taleb, “despertar da consciência generalizada para a iatrogenia é uma tarefa difícil”, mas não existe prática da MBE sem o exercício da antifragilidade.
Em outras palavras, nós precisamos abraçar a incerteza inerente à nossa profissão para crescermos cada vez mais.
O que já foi chamado em um editorial da NEJM como “a nova revolução da Medicina” é a aceitação do incerto:
1. Doenças e diagnósticos são dinâmicos.
2. Testes não são 100% acurados
3. Qualquer um pode publicar qualquer coisa.
4. Muito do que sabemos não respeita as regras 1 a 3.

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24 Dec
Viés cognitivo são armadilhas que nossas mentes nos pregam e que tornam mais difícil o julgamento racional de uma determinada situação. Em Medicina, eles podem atrapalhar o processo de diagnóstico clínico.
Então, resolvi fazer um fio exemplificando alguns vieses cognitivos.
Ancoramento: se prender a alguma informação e negligenciar novos dados a partir daí. Ocorre quando não se sistematiza o atendimento. P ex, FA de alta + dor torácica.
Sistematizando, pode se descobrir que a alta resposta e a dor são consequências de algum diagnóstico despercebido.
Disponibilidade: uma recente experiência pode fazer você pensar que as coisas são mais comuns do que são.
P ex: você recentemente diagnosticou um TEP subsegmentar (provavelmente falso positivo) e agora está com medo desses TEPs quase assintomáticos, e pede muito mais tomografias.
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18 Dec
Pequeno tutorial de como fazer uma terapia parecer útil (e ganhar canetas caso seja médico inocente ou lotar consultório caso seja charlatão):

1. Invente um mecanismo que explique porquê a droga funciona. Pra melhorar, descubra algum “desfecho substituto” em que ela de fato atue
- Um bom “mecanismo” chama a atenção da maioria, mesmo que seja inventado, ou mesmo que não passe pelo crivo final, que são os estudos clínicos bem feitos.
Um desfecho substituto apaixona qualquer um: quem não gosta de ter um PCR negativado, mesmo que isso não signifique nada?
2. Omita a menção a qualquer estudo que tenha tido desfechos trágicos ou mesmo neutros. O paciente só merece saber daqueles que são positivos.
PS: há diversas terapias consagradas na Medicina que não passariam por esse crivo simples.
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15 Dec
Piores argumentos que já me deram para o uso de remédios “me engana que eu gosto” para COVID-19.

1. “Eu tomei qualquer absurdo e me curei.”
R: a mortalidade é de 1-2%. Se você tomou e se curou, não dá pra saber se você na seria os 98-99% que seriam curados naturalmente.
2. É pra ficar em casa esperando morrer?
R: se os medicamentos de mentirinha não reduzem mortalidade, esse argumento infantil também não tem efeito.

O tratamento do COVID é o de suporte e dexametasona em casos com pior evolução. Gostaria que fosse mais amplo, mas não é, ainda.
3. “Qual a evidência que remédio para febre reduz mortalidade no COVID?”
R: por sorte não vi nenhum médico falando, mas foi uma das maiores ignorâncias de alto de pedestal que já ouvi.
Sintomáticos plausivelmente reduzem mortalidade por várias doenças por evitar evolução ruim.
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13 Dec
Os pensamentos mecanicista, frequentista e bayesiano. Um resumo:

Mecanicista: todos nós durante a graduação. Faz parte do aprendizado que tenhamos noções sobre fisiopatologia e farmacologia, p ex. É normal que se valorizem os mecanismos e que a cadeira sobre MBE fique às traças.
Um dia, contudo, o médico precisa ter o estalo: o momento da curva de Dunning-Kuger em que a ficha cai: A FACULDADE ME ENSINOU ISSO??
Feliz do médico em que a ficha cai. Ou ele passará o resto da vida no primeiro pico “ignorante” da auto-confiança.
Depois, o médico que é introduzido às evidências científicas vira, primeiro, um frequentista.
Ele já sabe que a seção “evidências” do capítulo que está lendo é mais importante que a seção “mecanismo”.
Mas ao ler uma evidência, ele se fixa muito ao valor de p.
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7 Dec
Qual a regra número 1 para quem quer se iniciar na leitura crítica de evidências científicas?

ENTENDA QUE ESTUDOS OBSERVACIONAIS SÓ GERAM HIPÓTESES.

Que tal se atentar a isso na próxima notícia ou corrente que você ler sobre algum estudo?
O exemplo do estudo que concluiu que café aumentava a chance de câncer de pâncreas é um bom exemplo para três tipos de vieses: o viés de seleção, confundidores e o que eu chamo de “viés da eminência”.

Foi publicado em 1981 por MacMahon na New England Journal of Medicine (NEJM).
O estudo foi do tipo “caso-controle”, então se selecionavam pacientes com câncer e sem câncer e se perguntava se eles tinham alguns hábitos prévios à doença, entre eles o de beber café. A associação café x câncer de pâncreas é espúria.

Vamos entender seus vieses de um por um:
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2 Dec
Você já ouviu falar do “efeito placebo”? Provavelmente, o que você entende sobre ele está errado.

Vamos analisar as bases do efeito placebo para perceber porquê esse é um viés cognitivo do ser humano baseado em mistério e falsas esperanças e não pode ser definido sob a lógica.
O efeito placebo foi primeiro quantificado por Bleecher, escrevendo que os sintomas de 35% de 1082 pacientes foram aliviados por placebo.
Você há de concordar que para a existência comprovada de um efeito placebo, podemos usar o critério:
(1) tem que ter recebido placebo vs qualquer terapia (medicamentosa ou não)
(2) o efeito não apareceu em quem não recebeu placebo,
(3) o efeito tem que ser relevante clinicamente
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