Quanto tempo duram as alterações de olfato e paladar da COVID-19?
Vou resumir um pouco o que já sabemos usando 3 revisões sistemáticas (1🇧🇷)
-Início após 4/5 dias de sintomas
-40/45% reportaram diminuição do olfato (77% se avaliado por método objetivo)
-30% alteração no paladar
A revisão brasileira, que seguiu todos os passos, inclusive registro do protocolo na base PROSPERO (visite se vc não conhece), perguntou quanto começa e quanto duram. Ela analisou 17 estudos e já foi publicada. A maioria dos estudos são da China, pois a pesquisa foi feita em Maio
Não foi possível realizar uma meta-análise, isto é, juntar os valores considerando o peso de cada estudo, pela grande variabilidade de métodos, etc.
A duração dos sintomas foi no geral 1 semana. Se ñ houve melhora em 1 semana, depois de 2 semanas, a melhora é importante (~80%)
Outra revisão ainda preprint também analisou estudos de Abril/Maio e incluiu 34 estudos. Eles queriam saber a prevalência destes sintomas, isto é, quantas pessoas infectadas com sintomas reportavam essa alteração.
Aqui o número de países já é maior, e inclui avaliação subjetiva (a pessoa fala se está alterado ou não) com objetiva, por meio de testes/questionários validados.
Aqui temos o famoso forest-plot, que vem de uma meta-analise. Eles apresentam a prevalência por métodos objetivos e subjetivos, e também o modelo por efeitos fixos e randômicos (discussão em qual usar, mas isso é para outro momento). O tamanho do quadrado é proporcional ao peso
do estudo na estimativa final agrupada. Isto é o quanto do resultado final tem de cada um dos estudos.
Usando métodos objetivos: 77% (95 IC 61-89%)
Usando métodos subjetivos: 45% (95 IC 31-59%)
Usando ambos métodos: 50% (95 IC 38-63%)
dados dos modelos aleatórios. Ou seja,
muita gente com alteração do olfato. O método objetivo é super interessante, porque tira o viés da pessoa. E no caso do olfato, temos menor capacidade de discriminar no dia a dia (compare com cores), então um teste objetivo ajuda muito. Esse número é alto, mas também depende de
quem foi testado, se representa a população geral ou não. O total de estudos aqui soma ~20 mil pacientes.
deem uma olhada na avaliação de qualidade dos estudos e risco de viés. Isso é muito importante.
A Revisão 3, ainda pre-print, analisou 42 estudos com ~23 mil pacientes, de 18 países.
De novo os forest-plots. Eles tentaram avaliar uma influência da etnia na alteração.
Alteração de olfato: 38% (28-50)
Alteração de paladar: 30% (20-43)
Uma ou outra: 50% (42-59)
Resumo: alteração do olfato é uma alteração frequente em ~40% dos pacientes (deve ser mais alta se medirmos melhor). Paladar fica em próximo de 30%. A maioria melhora em 1 a 2 semanas. O seguimento + longo q conheço está neste estudo (abaixo): em 6 meses, 11% olfato e 7% paladar.
Fio do paper principal de sintomas, com seguimento em 6 meses.
Temos já achados de patologia com o vírus agredindo células do bulbo olfatório, achados de ressonância mostrando edema. Pacientes relatam as vezes que o "nariz queima". Embora outras doenças e alguns tratamentos já traziam estes sintomas, sem dúvida é uma marca do Covid.
Treinamento do olfato pode ajudar: uma sequência de exercícios para cheirar ("fisioterapia do olfato"). Para medicamento, existe certa evidência de outras infecções, mas os trials pequenos q vi em covid ainda ñ eram conclusivos. Otorrinolaringologistas terão mais dados em breve.
Notas: revisões sistemáticas e meta-análises não são juntar o que você acha por acaso ou quer juntar. Existem (MUITOS) passos, processos, decisões, e métodos. Desde a pergunta que você quer responder (PICO), extração efetiva (mais sensível, menos sensível), bases, critérios
de inclusão e exclusão, como e quem vai selecionar e extrair, cegamento e em duplas, etc. E como uniformizar, os desfechos são comparáveis, os tratamentos são comparáveis, se houver zero eventos, etc. Também tem que avaliar qualidade, riscos de viés (se vc nunca leu, aqui temos
viés específico que é o de publicação). Entre outros (aquim por exemplo, apresento meta-analises de prevalência. Existem particularidades, como transformar a prevalência para lidar melhor com as muito altas e baixas, etc). Leva tempo ou muita dedicação para fazer bem feito. Não é
essa lambança diária que vemos. E muita gente que trabalha com ciência que também não estava acostumada a fazer também, cometeu erros. Por isso o registro a priori é muito importante (PROSPERO) e/ou publicação do método em artigo ou versionada.
Saiu uma séries de casos brasileira reportando imagens do sistema nervoso central. Em um deles conseguiram uma imagem mostrando edema do bulbo olfatório. E quem não se lembra das aulas de neuroanatomia?
Imagem da wikipedia
Com um exame de ressonância, em sequência T1, os autores mostraram aumento de sinal com contraste de gadolíneo.
Existem coortes maiores em andamento, comparando pacientes com e sem anosmia e controles. Aqui um corte coronal do cérebro. link.springer.com/article/10.100…
Este outro conseguiu em close relatar sinais de menor intensidade em regiões do bulbo. Está série tem vários closes.
Descrição dos primeiros 250 mil pacientes com COVID-19 hospitalizados no Brasil no @LancetRespirMed
➡️Idade média 60 anos, um terço <50 anos
➡️39% na UTI / 23% ventilação invasiva
➡️2 em cada 5 morreram. 3 em cada 5 se foi para UTI
⬆️Diferenças regionais
Com a base de dados SIVEP-Gripe, do início da pandemia até meados de Agosto, selecionamos para a análise principal os pacientes com ≥20 anos, COVID-19 confirmado com PCR e hospitalizados. Em uma análise de sensibilidade, analisamos todos os pacientes com COVID-19 (PCR + outros)
Descrevemos os casos do Brasil e estratificado por cada uma das 5 regiões. No geral, as características dos pacientes são semelhantes à relatada quanto a sintomas e comorbidades. A idade foi similar entre as regiões, exceto mais pacientes ≥80 anos no Nordeste.
Para a aprovação de vacinas nas agências regulatórias, desde que seja segura, temos critérios já estabelecidos historicamente. Cada agência tem alguns detalhes, mas a ANVISA usa o clássico:
Eficácia ➡️ pelos menos 50% (≥50%)
Limite inferior do intervalo de confiança: ≥30%
No próprio protocolo do Butantã, para o cálculo de amostra, isso foi estabelecido. Nos protocolos da Pfizer, Moderna, também, todos buscando se adequar ao que diz principalmente o FDA e OMS.
O trial esperava garantir um mínimo de 30% e estimava 60% como medida.
Dúvidas sobre a Eficácia. Seguindo o mais próximo do estabelecido no protocolo com o dado que tenho, o cálculo está correto.
Densidade de incidência no vacinado: 11.74
Densidade de incidência no placebo: 23.64
Incidence Rate Ratio: 0.4966
VE = 1 - 0.4966 = 50.34% (35.14-62.21)
Como disse antes, ensaios clínicos tem protocolos. Tudo deve ser seguido como está lá. Mudanças podem ocorrer, mas devem ser aprovadas pelos comites, comissão de etica, e tudo mais. Isso porque? para evitar mudanças baseada em dados. Mudanças assim são versificadas, protocoladas,
e ocorrem antes de fechar a base e abrir o blinding.
No protocolo público de agosto, o protocolo diz que a eficácia seria estimada por 1 - Hazard Ratio. O HR viria de um modelo de Cox, estratificado por idade e sexo. Intervalo de confiança pelo método de Parzen, Wei e Ying
Hospitalizados em Manaus desde 25/12. Muitos doentes com suspeita devem esperar testes.
Quando avaliamos hospitalizados em UTI, ventilados e leitos de enfermaria, importante entender que existe um gargalo ("bottleneck"). As vezes pode parecer que parou de aumentar número de internados ou UTI, mas é pq não tem mais leitos. Precisamos ver a demanda.
Como estão os pacientes COVID após 6 meses da alta?
Maior estudo até agora @TheLancet: 1733 pacientes em Wuhan
➡️ 63% com cansaço ou fraqueza muscular
➡️ 26% com problemas de sono
➡️ 22% com perda de cabelo
➡️ 23% com sintomas de ansiedade/depressão
➡️ Mais sintomas em mulheres
A mediana de idade dos doentes foi 57 anos, a maioria sem comorbidade, 75% precisou de oxigenio suplementar (somente 7% ventilação invasiva/não invasiva, circulação extracorporea). Vale lembrar que como são doentes todos de alta hospitalar, o perfil de gravidade diminui.
Ficaram 14 dias (mediana) no hospital, 4% passou pela UTI, seguimento em 6 meses.