A China teve o maior registro de crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2020, os já famosos 18,3%. É claro: ano passado, sob os efeitos da pandemia, houve queda de 6,8%. Há quem aponte senões, há quem comemore. Mas sim, é uma vitória indiscutível, mas temos de pensar (1/15):
A queda de 6,8% do ano passado era 0,4 a mais que o crescimento de 2019. A previsão dos mercados era de crescimento de 19,2% para 1º tri/2020, com os números ficando abaixo -- e a média dos três últimos 1º trimestres ficou ligeiramente abaixo dos 6% (2/15).
Com o 4º tri do ano passado a China crescendo 6,5%, parecia havia uma recuperação da taxa de "apenas" 6% do 4º tri 2019, causado em grande medida pela guerra comercial de Trump. Surgiu um otimismo que não foi inteiramente comprado pelos próprios planejadores da China (3/15).
Só entendendo o último trimestre melhor, vendas do varejo cresceram muito, o desemprego caiu. Mas a produção industrial não foi tão bem quanto o esperado. A melhor boa notícia disso é a queda do valor dos imóveis (4/15).
O governo chinês aposta em um crescimento apenas um pouco acima de 6%, embora bancos ocidentais e o FMI projetem entre 8% e 9%, sobretudo pelos efeitos colaterais do pacote de Biden. Os chineses temem e já se preparam, contudo, para o peso de sanções americanas (5/15).
Mas talvez seja pessimismo demais do premiê Li Keqiang. Se Biden apostar por um pacote trilionário em um cenário como o americano atual, de queda da produtividade, conjugado com sanções anti-China, o resultado será uma pequena ou média crise inflacionária nos EUA (6/15).
Fazendo uma crítica à esquerda, a China sobreviveu à crise de 2008 com massivos investimentos em infraestrutura e no setor imobiliário. Isso salvou a economia e fez com que jovens, ao contrário de nós brasileiros, comprem suas próprias casas. Mas isso tem um ponto ruim (7/15).
Há uma insistência em investir demais em construção civil, como estímulo, em vez de aumentar salários e redes de bem-estar. O próprio limite para o estímulo-infraestrutural está dado. A China precisaria acelerar a Nova Rota da Seda para isso continuar funcionando (8/15).
Em suma, a China tem demanda para infraestrutura cada vez mais fora de lá do que dentro. Mas isso depende de acordos com outros países, que têm caminhado mais lento do que esperado. Embora a saída interna fosse até mais simples e necessária (9/15).
Com isso, não estou dizendo que o governo Xi, para a surpresa de muitos, não fortaleceu o mercado interno e diminuiu as desigualdades. Sobre o último ponto, ele é o primeiro líder desde os anos 1980 a ter enfrentado esse desafio (com êxito): exame.com/economia/por-q… (10/15).
A questão é que a dinâmica econômica chinesa, talvez exija mais. Mesmo que investimentos grandes tenham sido feito no campo, com igual retorno econômico, e eles tenham feito de Shenzhen um colosso tecnológico global -- que motiva sanções econômicas americanas (11/15).
Mas há motivos para ser otimista, por razões simples: 1) o Partido chinês não é um monólito; 2) os líderes chineses estão precavidos e pessimistas; 3) existem mecanismos políticos capazes de mudar rotas muito rapidamente por lá; 4) se Biden forçar muito, vai errar (12/15).
A China é quem tirou centenas de milhões da miséria nos últimos trinta anos, desenvolve tecnologia limpa e opções críveis de superação do petróleo, sobreviveu a 2008, a violência de Trump e à pandemia de Covid-19 (13/15).
Por fim, quando se fala que a China poderia crescer 19% e não 18%, ou que pode só crescer 6% em 2021, soa como um escárnio para nós brasileiros. É uma realidade imensamente à frente da nossa. E há vinte anos, estávamos melhor do que eles (14/15).
A lição que os chineses ensinam, desde o Sul Global, é que o socialismo só cria de maneira original e autoral. E que por tentativa e erro, é possível reverter os rumos de destruição de grandes nações. É isso (15/15).

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19 Apr
O neoliberalismo "funcionou" nos EUA da seguinte maneira: com uma enorme oferta de crédito para os trabalhadores, criou uma legião de endividados dóceis. Mas 2008 marcou o começo do fim disso. Entendam (1/7).
Basicamente, tudo que era necessário, encareceu e passou a ser causa de endividamento: moradia, saúde e educação. Bens de consumo, ao contrário, baratearam. Sobretudo computadores, celulares etc (2/7).
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19 Apr
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