Conversas do Telegram coletadas na Operação Spoofing e prova ilícita: não confundamos alhos com bugalhos (segue o fio).
1. Algumas pessoas foram denunciadas na Spoofing pela prática de invasão de dispositivo informático (art. 154-A, caput) do CP, qualificada pela obtenção de conteúdo de mensagens (p. 3o). Conclusão fática: conversas de terceiros foram coletadas, mediante hackeamento.
Por terem servido à acusação, presumo que periciadas, por se tratar de crime que deixa vestígio, nos termos do CPP. Assim, há um mínimo de veracidade à conclusão de que (i) aqueles dispositivos foram hackeados; e (ii) que mensagens foram coletadas daqueles dispositivos.
Segue link para a denúncia completa: migalhas.com.br/arquivos/2020/…
2. Para que prestam essas mensagens? Servem, na Spoofing, como materialidade delitiva. Eventual uso para fora dessa ação penal fica limitado por outro fato: são provas ilícitas, na medida em que obtidas mediante invasão não autorizada de dispositivo informático.
Assim, não podem ser usadas para nenhum tipo de responsabilização penal ou sancionadora dos hackeados. Deveria causar preocupação o compartilhamento com outros órgãos, a exemplo do TCU ou do STJ. Nesse último caso, deu corpo a um procedimento em que a Corte apuraria investidas
dos Procuradores contra a Corte. Não é preciso grande esforço para enxergar o problema de concentrar a vítima, o investigador e o juiz no mesmo órgão. Acerta a decisão da Min. Rosa Weber em suspender a tramitação do inquérito no STJ.
A prova ilícita, todavia, pode ser usada em favor do réu, cf ampla jurisprudência. Entende-se como favorável ao réu não apenas aquela prova que prove sua inocência, como também, por óbvio, que demonstre a parcialidade do julgador.
3. Poderia, então, o STF usar as da Spoofing como razão de decidir do HC da suspeição de Moro? Na medida em que o reconhecimento da suspeição não acarrete sanção-castigo a ninguém, de um lado, e tenha sentido jurídico relevante à defesa do Paciente, de outro, sim.
4. Pode juiz garantista usar prova ilícita? Essa á uma falsa polêmica suscitada naquele caso concreto. O STF não estava usando prova ilícita contra ninguém. Aliás, sequer se deveria estar a discutir nem a suspeição em si, tampouco virtudes e problemas da Lava Jato.
5. A discussão deveria ser entediante: se o reconhecimento da incompetência derruba a necessidade de ainda se discutir a suspeição, por perda de objeto. Essencialmente técnica, e com resposta óbvia no plano legislativo: não, nos termos do art. 96 do CPP. A única voz a discordar +
da prevalência da suspeição foi o Min. Barroso. Nunes Marques, em essência, entendeu o debate resolvido por já ter a turma decido a suspeição. Entendeu precluso (fechado, superado) o debate. Mas não afirmou que a competência esgota o tema da suspeição, como Barroso.
6. Era preciso usar as conversas da Spoofing para se chegar à conclusão da suspeição? Não. Interceptação telefônica de advogados de defesa; divulgação criminosa de interceptação telefônica ilegal - pior, apenas de áudios prejudiciais a Lula, e não os demais; +
tornar-se Ministro do opositor direto de quem apenas acabara de julgar seriam suficientes para se chegar a essa conclusão. Discorde-se, ou concorde-se, a conclusão independe da Spoofing (cujas conversas, ademais, como visto, poderiam sim ser usadas em benefício do réu, apenas).
7. Por fim, poderiam ter sido as conversas editadas pelos hackers? Sim. Mais um motivo para serem usadas para responsabilizar ninguém. Há confirmação de que foram editadas? Não. Seria possível mostrar a edição? Sim, por exemplo, por contraste às mensagens dos próprios hackeados.+
É ônus deles? Não. É de Lula? Também não. Havendo materialidade que aqueles personagens foram efetivamente hackeados e tiveram conversas coletadas; havendo a mera possibilidade de edição, sem prova pericial ou por colaboração dos próprios hackeados, a presunção de higidez +
dos conteúdos deve militar em favor de Lula. As conversas são cronologicamente coerentes com eventos públicos; os arquivos trocados contém metadados de por quem e quando foram criados; os áudios têm vozes passíveis de comparação com os indicados autores. Desconsiderar tudo isso +
em nome da mera possibilidade teórica de edição - não para acusar, insisto a não mais poder, mas em benefício do réu - seria desproporcional.

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More from @DTangerinoPenal

29 Mar
A Presidente da CCJ da Câmara, ao incitar a PM da Bahia a desobedecer ordens do Governador, comete crime (segue o fio)
É crime militar a reunião de militares agindo para descumprir ordens recebidas de superior; se armados, os líderes podem ser punidos com até 23 anos e 4 meses de prisão (art. 169, I e p. u. do CP Militar).
E há tipo penal para quem incita ao crime, tanto no CP comum, como no CP militar.
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16 Mar
Não tenho dúvidas que @felipeneto não cometeu crime contra a Segurança Nacional.
O artigo 26 da LSN não foi recepcionado pela Constituição, ao menos quanto à difamação. Não se coaduna com a democracia ser crime imputar ao PR fato ofensivo à sua reputação.
Se não por outro motivo, pq acabaria com o poder de os cidadãos criticarem, por vezes duramente, seus governantes. De condenarem políticas ou omissões políticas.
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8 Mar
O que e por que decidiu Fachin em relação a Lula? (segue o fio). Sim, provável que outros virão. :)
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Depois ele pula para o INQ 4130 QO, em que ficou decidido que no tema "empréstimos consignados pelo MPOG" não havia relação direta com a Petrobras e, assim, não era competente o juízo de Curitiba.
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18 Feb
Aprofundando a polêmica: crime permanente e flagrante pela publicação de vídeos no YouTube (segue o longo, confesso, fio).
Os crimes permanentes têm duas características distintivas: (um) constância da conduta típica, seja comissiva, ou omissiva; e (dois) constância da lesão ou exposição a perigo do bem jurídico subjacente ao fato típico.
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17 Feb
Prisão do Deputado Daniel Silveira (segue o fio).
1. A prisão cautelar de um deputado federal encontra dois limites constitucionais importantes. Primeiro: a inviolabilidade de seu direito à opinião; segundo: a existência de flagrância por crime inafiançável.
1.1. A inviolabilidade é a garantia que um congressista possa expor suas opiniões, ainda que duras, sem sofrer retaliações. Como quase toda garantia, encontra limites: uma garantia constitucional não pode ser escudo para veicular discurso que mine a própria Constituição.
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10 Jan
Meu pitaco sobre a polêmica do banimento de Trump do Tuínto (segue o fio).
Primeiro, temos que afastar as falsas equivalências. Barrar o acesso a plataformas por raça, origem, identidade de gênero etc. é diferente de excluir alguém por uso da plataforma em contrariedade aos termos de uso. É um ambiente plural, mas regrado.
Segundo, liberdade de expressão diz respeito, fundamentalmente, à liberdade de opinião, ou seja, fazer juízos de valor sobre fatos.
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