TANTO Profile picture
26 Apr, 29 tweets, 10 min read
Na história de hoje, vou mostrar como pessoas simples podem fazer uma enorme diferença no mundo, e como, por vezes, as reações humanas são mais estranhas do que podemos supor!

Para começar, vamos para Inglaterra, final do Século XIX: Elsie e Mairi em uma cidade...
Lá nasceu Elsie Knocker, em 1884. Seguindo o roteiro da época, se formou em enfermagem, se casou e, em 1907, nasceu seu único filho, Kenneth.

Com o casamento fracassado, Elsie tentou se divorciar e se deparou com a total impossibilidade diante das leis da época. Elsie, pelo buraco de uma p...
Sem alternativas, e diante do medo de reprovação da sociedade, ela saiu de casa com o filho, foi viver do pouco de seu trabalho e disse a todos que seu marido havia morrido.

"Viuva", Elsie deu total atenção à sua grande paixão desde a infância: as motocicletas.
As descrições da época são fabulosas: início do Século XX, uma mulher que pilotava usava uma saia de couro verde escuro e um longo casaco de couro abotoado até o fim, com um cinto, "para manter tudo junto".

Era apelidada de Cigana, por conta de seu amor pela estrada.
Foi assim, vivendo sua paixão por motos, que Elsie conheceu aquela que seria sua grande parceira de aventuras, Mairi Chisholm, que, além de motos, pilotava ambulâncias.

Justiça seja feita, as duas talvez fossem das melhores pilotas da Inglaterra, e foi isso que mudou suas vidas. Mairi, com roupa de enferme...
Chega a 1ª Guerra.

Na Inglaterra, o povo se movimenta todo para a luta.
Elsie então convida Mairi para se integrarem ao Women's Emergency Corps, grupo que auxiliava as forças inglesas no campo de batalha.

De início, as duas foram aceitas para trabalhos em Londres, mas...
...bastou descobrirem como as duas dirigiam bem, além de serem excelente enfermeiras, para que surgisse o convite para irem para Furnes, na Bélgica desocupada.

O trabalho: ficar atrás das trincheiras, num hospital, esperando soldados feridos que chegavam constantemente. Elsie e Mairi dirigindo uma...Elsie e Mairi dirigindo mot...
Mas Elsie logo percebeu que havia um grande erro na organização.

Os homens batalhavam nas trincheiras. Eras feridos, depois resgatados, estabilizados e ficavam esperando a transferência ao hospital, que ficada distante quase 30 km. E isso tudo podia durar quase um dia.
Elsie e Mairi então brigaram para que o hospital se aproximasse o máximo das linhas defensivas, pois, assim, facilitariam a chegada dos soldados, o que foi negado.

Havia medo de estar perto da Guerra e de suas bombas e seus gases.

O que Elsie e Mairi fizeram, então? Elsie e Mairi em pé, ao lad...
Isso mesmo: elas pegaram, sem autorização, o máximo de insumos hospitalares, mantimentos e coisas em geral, pegaram carona até a trincheira, chegaram na zona absolutamente devastada e escolheram a casa menos destruída.

E montaram, por sua conta e risco, uma base hospitalar. Elsie e Mairi ao lado de sa...Elsie e Mairi sentadas em s...
Isso tudo, distante poucos metros da terrível fronteira e das balas que, por vezes, acertavam as paredes do pequeno ambulatório.

Além disso, havia o risco de invasão dos alemães, que a qualquer momento poderiam virar o jogo da batalha.

Elas se colocaram na boca do tubarão.
E, bem... Elsie e Mairi se tornaram duas heroínas sem precedente.

De fato, abreviando a transferência de feridos para poucos minutos, ambas conseguiram, atuando sozinhas no seu porão quase desabado, sem luz ou água corrente, salvar a vida de milhares de pessoas. Elsie e Mairi, no porão do ...Elsie e Mairi, no porão do ...
Muitas vezes, foram as duas que, se metendo no campo de batalha, ou dentro das trincheiras enlameadas, carregaram corpos dilacerados nas costas.

E elas jamais negaram tratar ninguém, tanto que foram centenas os prisioneiros alemães feridos que também foram tratados. Elsie e Mairi, no porão do ...Elsie e Mairi ao lado de di...
Isso tudo, sem descanso, 24h por dia, entre cuidados extremos e dificuldades máximas.

E, por estarem nas trincheiras, foram as duas mulheres mais fotografadas da 1ª Guerra, sendo apelidadas de "As Madonas de Pervyse".

Elas saíram em jornais de todo o mundo. Elsie e Mairi em plano alto...
Isso facilitou muito o trabalho que elas faziam, pois, com a repercussão de seus heroísmos, acabaram conseguindo muitas doações que ajudaram na estruturação do bunker/ambulatório.

E, no meio do caos da guerra, de morte e sangue, ainda houve tempo para o amor.
Porque, em 1916, Elsie conheceu um piloto do Belgian Flying Corps, o Barão Harold de T'Serclaes.

Os dois se apaixonaram e decidiram casar. Após uma breve lua de mel, não mais se viram até o final da guerra, e assim, Elsie e Mairi passaram quase 4 anos de suas vidas. Elsie e seu 2º marido.
Elas acabaram tendo de abandonar a linha de frente, e seu pequeno hospital, quando os alemães intensificaram o uso de gases nas batalhas.

Durante uma ofensiva alemã, em março de 1918, ambas foram feridas e evacuadas para Londres, com severas sequelas que seguiram pela vida.
Durante esse tempo, as duas só puderam contar uma com a outra. Durante bombardeios, ataques e gaseificações, eram elas e seus doentes.

Vocês imaginam o grau de intimidade, amizade e companheirismo que pode nascer de uma situação dessa?

Por isso que choca o que veio a seguir...
Bem, vocês já sabem que Elsie e Mairi foram os personagens mais fotografados da Guerra, que saíram em capas de jornais pelo mundo e que conseguiram doações para seguir com seus trabalhos.

E, lembram que Elsie, dando uma chance ao amor, resolveu se casar no campo de batalha? Elsie e Mairi com medalhas.
A bronca é que Elsie nunca havia se divorciado e não era viúva.

Quando elas voltaram a Londres como duas celebridades, logo o marido apareceu e jogou a bomba.

Pelas leis da época, Elsie era não somente imoral como criminosa, eis que casada com dois homens.
Surgiu então um movimento para derrubar qualquer vestígio de honra que ela tinha. Harold, o Barão, tratou de processá-la. O primeiro marido também. Ela teve o casamento anulado de forma célere pelo Papa e foi execrada.

De heroína, passou a quase criminosa.

E Mairi?
Bem... Mesmo após terem vivido juntas durante a guerra, Mairi simplesmente parou de falar com Elsie e a criticou publicamente, dando coro a toda a maldade que se falava sobre ela.

E as duas nunca mais se falaram enquanto estiveram vivas, por total recusa de Mairi.
Tanto é, que nos monumentos em que é representada a grandeza dessas mulheres, em agradecimento pelas milhares de vidas que salvaram, ambas sempre estão separadas, como se a representar a força do que viveram, e a derrubada da amizade por conta da moral de uma época. Estátua de Elsie e Mairi, s...Outro plano da estátua, em ...
Apesar de perseguida pela opinião pública, Elsie nunca deixou de ajudar aos outros.

Continuou como enfermeira, participou ativamente na 2ª GG (onde perdeu seu único filho), e se aposentou como oficial de alta patente.

Em 1942, tendo que cuidar do pai, abandonou a guerra.
Já Mairi, sofrendo sérias sequelas do gás alemão, voltou à sua terra natal e, junto com uma amiga de infância, começou a plantar verduras e legumes, a criar patos, que vendiam nas redondezas.
Elsie, que após a anulação do 2º casamento manteve o título de Baronesa, morreu em 26 de abril de 1978, aos 93 anos, de pneumonia, já completamente senil.

Ela nunca se casou novamente. Repetição da foto de Elsie ...
Já Mairi morreu em 22 de agosto de 1981, de câncer de pulmão aos 85 anos, ainda sequela terrível do gás alemão nas trincheiras onde salvou muitas vidas.

As duas nunca mais voltaram a se falar, após a "imoralidade" de Elsie, apesar de tudo que viveram no porão da trincheira. Selo comemorativo com a fot...Capa de um livro que conta ...Foto com Elsie e Mairi no c...
Acho que nunca saberemos, de fato, o que se passou na cabeça de Mairi para simplesmente virar as costas à amiga, quando essa mais precisava.

Prefiro crer que o preconceito de uma sociedade machista pesou tanto, que Mairi preferiu renegar Elsie, apesar de tudo.

Fim.
Para mais histórias, tem aqui:

Em podcast, no umcontoetanto.com.br

No Telegram, um canal: t.me/tantotupiassu

No Facebook, uma página: facebook.com/tantotupiassu/

No Instagram, fotos fofas de pimpolhos: instagram.com/tantotupiassu/

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with TANTO

TANTO Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @tantotupiassu

4 May
Falando sério agora:

Vocês acreditam em videntes, numerólogos, tarólogos?

Acreditam na possibilidade de que alguém, dotado de poderes ou dons, seja capaz de ver o futuro?
Pois estava aqui lendo uma coisa sobre vidência e fiquei bastante intrigado.

Acabei lembrando de uma história muito bizarra que me foi contada e que, ao final, acabou chegando muito perto de mim...
Tenho uma amiga muito próxima, em quem confio tudo.

Belo dia ela chega comigo, assustada, me falando de um ocorrido com a numeróloga que ela sempre consulta.

Era mais ou menos assim:
Read 38 tweets
24 Apr
Desde que eu e Ana começamos a namorar, ela me convidava a visitar Vila Perseverança, um povoado minúsculo no interior do Pará.

Ana nasceu e viveu parte de sua infância lá, até vir estudar em Belém.

Mas sua família continuava em Perseverança, menos de 500 habitantes. Mapa do território onde fic...
Depois de uns meses ocupados, finalmente conseguimos tempo e, programação feita, arrumamos mochilas e partimos.

Ana queria muito que eu conhecesse sua avó, uma velhinha de mais de 80 anos, grande responsável pela sua criação, e que queria me conhecer.
Na época eu tinha uma motinho, e lá fomos nós, pelas estradas do interior do Estado, pegando vento na cara e curtindo a paisagem.

E, no tempo programado, chegamos no velho sítio da família, um aspecto sinistro que, de cara, me deixou bem assustado. Foto de um sítio mal cuidado.
Read 44 tweets
4 Sep 20
Cheguei no consultório, passei álcool gel nas mãos, pisei na bandeja pra limpar sapato e esperei.

O dentista veio sorridente, me cumprimentou e pediu para sentar na poltrona - e eu sentei.

E, mal vi, ele chegou com uma injeção pequenina, dizendo:

- Abra bem a boca.
Eu abri, mesmo incomodado com o tom de voz dele, uma coisa meio maligna...

Mas era impressão minha, com certeza. Talvez o medo de tirar os sisos mudasse minha perspectiva sobre aquele homem sempre tão gentil anteriormente.

Veio a furada, a boca adormeceu, fiquei grogue.
No meio de estar zonzo, não via mais o dentista e sua ajudante. Só via vultos velozes vagando vez ou outra ao meu lado, as vozes distorcidas, como num pesadelo horrendo.

Não conseguia entender bem o que diziam, mas achei ter escutado um “pede pra ele entrar...”
Read 26 tweets
1 Sep 20
Tudo corria bem naquele voo VASP 375 no dia 29/09/1988.

Ele saiu de Porto Velho, Rondônia, e fez escala em Cuiabá, Brasília, Goiânia e Belo Horizonte, de onde ele voaria para o Rio de Janeiro, aeroporto do Galeão, seu destino final.

Mas as coisas não aconteceram assim...
Decolando de Belo Horizonte, um passageiro se levantou e, armado com um revolver calibre .32, iniciou o sequestro da aeronave.

O passageiro, Raimundo Nonato Alves da Conceição, estava com raiva da política econômica brasileira, dos rumos do país, e por isso resolveu se vingar.
A vingança pretendida:

Sequestrar um avião e jogá-lo contra o Palácio do Planalto, bem no local onde fica o gabinete do Presidente.

Com isso, Raimundo pretendia matar aquele que ele considerava o grande vilão da história: Jose Sarney.

Pode parecer piada, mas a coisa foi feia.
Read 27 tweets
28 Aug 20
A história que vou contar hoje, faz algum tempo que aconteceu, mas jamais saiu da minha cabeça.

Faz uns 2 anos e era Carnaval.

Nós saímos da nossa cidade, Rio Grande da Serra, para uma cidade bem próxima, Paranapiacaba, onde haveria uma grande festa de rua. Cena aberta de Paranapiacaba, durante o dia, mostrando uma i
Paranapiacaba, para quem não conhece, é uma antiga vila ferroviária, em estilo inglês, que fica perto de São Paulo.

Ela pouco mudou com o tempo, e conserva todo um aspecto assustador.

Ela é famosa por suas lendas e por sua neblina, que cai sem avisar. Uma ferrovia com um vagão de trem e neblina.
Chegamos na vila por volta de 4 da tarde, tempo de ainda aproveitar bastante a festa, e assim fizemos.

Com várias bandinhas percorrendo as ruas do centro, cerveja barata e gente bonita, a alegria foi garantida até por volta de 23 horas, quando a tal neblina caiu com tudo. Uma cena noturna com pessoas na rua e neblina.
Read 35 tweets
19 Aug 20
18 de setembro de 1981

O navio Sobral Santos II, construído em 1957, percorria a hidrovia Solimões-Amazonas sem parar.

Apesar de antigo, em 1981 ele era considerado uma das embarcações mais seguras da região e, talvez por isso, sua tragédia tenha sido tão imensa. Image
Naquele 18 de setembro de 1981, o Sobral se preparava para sair de Santarém rumo Manaus, com paradas em diversas cidades da beira do rio.

Ainda no porto de Santarém, o Sobral estava absolutamente regular: 200 T de carga e 430 passageiros, tudo de acordo com sua documentação.
Mas as coisas não foram bem assim.

O barco Emerson, que tinha quebrado, ofereceu sua carga ao Sobral e o Comandante aceitou.

Depois, o barco Miranda Dias, também em pane, pediu que o Sobral transportasse seus passageiros e carga, e mais uma vez o Comandante do Sobral disse sim.
Read 23 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!

:(