“Não há comprovação de eficácia, mas também não há comprovação de ineficácia”.
Essa é uma falácia lógica que só pode ser explicada por ingenuidade ou desonestidade. Fiz esse fio para explicar porquê exigir comprovação de inexistência/ineficácia é torturar a ciência.
A falácia da “inversão do ônus da prova” é usada constantemente por charlatões, populistas, corruptos, jornalistas conspiracionistas, leigos e médicos leigos. É uma falácia que consiste em:
“Não tem comprovação de eficácia, mas também não se comprovou ineficaz”.
Isso é uma falácia porque a ciência não consegue comprovar a inexistência ou ineficácia das coisas. A teoria do Cisne Negro explica isso:
- Acreditava-se que todos os cisnes eram brancos (esse era o status quo)
- Um cisne negro foi avistado.
- O status quo foi destruído.
Significa que só é necessária uma evidência contrária ao status quo para que a ciência seja refutada.
Só que existe uma substancial diferença entre a visualização de um cisne negro e a comprovação de eficácia de um medicamento: o cisne negro é observável a olho nu e irrefutável.
Já a eficácia de medicamentos não é observável a olho nu e nem irrefutável. Se fosse, não precisaríamos de pesquisas e ainda estaríamos na era em que médicos leigos faziam sangria “porque fazia muito sentido” e porque “a experiência do médico é mais importante que estudos”.
Então, se o status quo é sempre a “hipótese nula”, aquela de que um medicamento não funciona até que se prove o contrário, basta uma evidência que diga que funcione para que algum leigo/desonesto profira a frase “mas não existe comprovação de ineficácia”.
E, no caso da Ivermectina, bola da vez dos grupos de zipzop de médicos leigos, a evidência de eficácia é fraca e enviesada.
Veja: o principal estudo citado nas fraudadas meta-análises da Ivermectina, de Elgazzar, é um lixo completo.
E ainda há mais uma camada no problema dos Cisnes Negros em Medicina.
Não basta um estudo para que o Cisne Negro seja comprovado. Ou seja: mesmo que o estudo PREVAIL seja eventualmente positivo, isso não comprova a eficácia porque há possíveis vieses e falso-positivos.
É como se o tal Cisne Negro observado fosse branco, mas pintado de preto por alguém.
O falso positivo em ciência pode vir do acaso (caso dos estudos sérios falso-positivos), das metodologias fracas (caso do Elgazzar) e das fraudes (caso das meta-análises, ivmeta e afins).
Como não cair nas falácias dos negacionistas/conspiracionistas e médicos leigos?
Primeira dica: entenda que a metodologia científica deve evitar falso-negativos e falso-positivos. O fato de um estudo ter sido publicado, mesmo em boas revistas, não significa que ele conseguiu.
Segunda dica: entenda que “assuntos quentes” dão dinheiro. Desde coisas simples como visualizações no YouTube, passando por consultórios lotados de pacientes enganados (coitados), até coisas menos palpáveis aos leigos como citações bibliográficas e convites para congressos.
Assim, assuntos quentes têm pesquisas provavelmente falsas por causa de uma série de problemas, entre eles a maior probabilidade de fraude.
Terceira dica: entenda que, para ser totalmente responsável antes de repassar uma corrente no zapzap ou proferir comentários na rádio, você precisa entender de raciocínio bayesiano. É esse raciocínio que nos ajuda a evitar essas fraudes e reconhecer verdadeiros cisnes negros.
Corrigindo: estudo PRINCIPLE.
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
Você certamente já ouviu falar do sinal S1Q3T3 no ECG de pacientes com tromboembolismo pulmonar. Mas será que ele é tão importante assim?
Fiz esse fio para explicar tudo o que você precisa saber sobre ele.
Descrito por McGinn e White em 1935, esse sinal é clássico em provas de residência e por isso é amplamente reconhecido.
É definido como a presença de uma onda S (negativa depois da R) em D1, uma onda Q (negativa antes da R) em D3 e uma onda T invertida em D3.
Há vários trabalhos na literatura que observaram retrospectivamente os pacientes com TEP e, neles, esse sinal esteve presente em apenas 11 a 25%.
E o estudo de Sinha que comparou com pacientes sem TEP evidenciou 12% de sensibilidade e 97% de especificidade para o diagnóstico.
O jogador dinamarquês Eriksen poderá voltar a competir?
Para isso, precisamos saber o que é um CDI, como funciona, por qual razão está indicado em Eriksen e quais as consequências do seu implante.
CDI é a sigla de "cardiodesfibrilador implantável". É um aparelho composto por duas partes:
- A bateria, de 70 gramas, implantada na parte anterior do ombro, abaixo da clavícula direita;
- O(s) eletrodo(s), que passeia por uma veia até o coração.
A cirurgia é realizada por um eletrofisiologista ou por um cirurgião cardíaco e dura em torno de 1 hora.
O jogador dinamarquês Christian Eriksen não teve uma convulsão. O que ocorreu foi uma morte súbita. E, devido ao rápido atendimento, essa morte súbita foi "abortada".
Fiz esse fio para explicar.
Morte súbita é aquela inesperada, que ocorre até 1 hora após o início dos sintomas (no caso de Eriksen, foi instantâneo).
13% das pessoas morrem subitamente. 50% das pessoas que morrem do coração morrem subitamente.
No esporte, ocorre 0,5-2,1 morte súbita por 100 mil pessoas/ano
O coração de uma pessoa só pode parar de bater em 4 ritmos cardíacos:
- Fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso
- Atividade elétrica sem pulso e assistolia.
As duas primeiras são ritmos "chocáveis", ou seja, respondem à desfibrilação.
Pra coroar o lançamento do livro “Manual de MBE”, eu e a Sanar montamos uma jornada IMPERDÍVEL com muita gente boa pra falar de ciência, evidência científica de qualidade, comunicação em ciência e tentar traçar alternativas pra melhora do nosso ensino. Segue o fio:
A live com a @TaschnerNatalia (Natalia Pasternak) já passou (foi dia 31/05, mas você pode rever em meu IGTV). Falamos sobre incerteza, evidências boas e evidências ruins..
No dia 04/06/2021, receberei a querida @luizacaires3 (Luiza Caires), jornalista e editora do Jornal da USP.
Vamos falar de jornalismo de ciências e divulgação de evidências científicas com responsabilidade.
Marca aqui seus amigos jornalistas!
Tom é um homem de 58 anos que vivia uma vida desregrada.
Certo dia, teve dor torácica intensa irradiando para os dois braços. Como a dor não cessou espontaneamente, pegou um Uber até o hospital. Ao chegar lá, esse era o ECG:
Ao ver o ECG, o médico descartou Infarto com supra e indicou Dipirona.
Mal sabia o médico, mas Tom tinha uma oclusão coronária aguda total de uma das suas artérias epicárdicas. E o médico não considerou a hipótese de falso negativo.
Vamos aprender a nunca cair nessa armadilha?
Para a resolução desse caso, preciso lembra-los que a Medicina é uma ciência probabilística.
Ao entrar em um PS com dor torácica, a probabilidade de haver uma isquemia aguda (não necessariamente OCA) é de 25% (dados de estudos prévios).
Com o anúncio do estudo ACTION, tivemos a confirmação que médicos de todo o mundo caíram mais uma vez no canto do mecanicismo. A anticoagulação é a "cloroquina socialmente aceita".
Vamos entender a razão pela qual tantos médicos e leigos caíram nessa pegadinha cognitiva.
1. É plausível, mas nem tanto.
A anticoagulação profilática ou terapêutica é uma das terapias mais difundidas da Medicina. Tão difundida que parece ter fortes evidências do seu uso.
Mas não é bem assim.
1.1 O pontapé inicial da anticoagulação para TEV/TEP veio em 1960 com um estudo não-cego, não-randomizado, sem confirmação diagnóstica, interrompido precocemente.
"Ah, mas há outros trials depois desse..." você diria.