Você certamente já ouviu falar do sinal S1Q3T3 no ECG de pacientes com tromboembolismo pulmonar. Mas será que ele é tão importante assim?
Fiz esse fio para explicar tudo o que você precisa saber sobre ele.
Descrito por McGinn e White em 1935, esse sinal é clássico em provas de residência e por isso é amplamente reconhecido.
É definido como a presença de uma onda S (negativa depois da R) em D1, uma onda Q (negativa antes da R) em D3 e uma onda T invertida em D3.
Há vários trabalhos na literatura que observaram retrospectivamente os pacientes com TEP e, neles, esse sinal esteve presente em apenas 11 a 25%.
E o estudo de Sinha que comparou com pacientes sem TEP evidenciou 12% de sensibilidade e 97% de especificidade para o diagnóstico.
Isso quer dizer que se uma pessoa tiver S1Q3T3 no ECG, então a probabilidade de ela ter TEP é 97%??
Resposta: não mesmo, cara pálida.
Vamos usar o raciocínio correto sobre esse número.
Infelizmente a maioria dos médicos pensa que sensibilidade e especificidade são úteis para a interpretação de exames diagnósticos.
E, na verdade, não são. E você deve aprender isso já: o médico deveria ter aprendido na graduação a usar as "razões de verossimilhança".
As razões de verossimilhança são definidas como:
- Positiva: quando o teste é positivo, a chance de ser verdadeiro positivo falso positivo.
- Negativa: quando negativo, a chance de ser falso negativo sobre verdadeiro positivo.
Uma RV+ é considerado bom quando acima de 10. Um exame com RV+ > 10 que vem positivo significa que agora a chance de de o paciente ter aquela doença aumentou em 10 vezes.
RV- < 0,1 com exame negativo significa que reduz em 10 vezes a chance de ter a doença.
Quais as razões de verossimilhança do S1Q3T3 do TEP?
RV+: 4
RV- 0,9
Se positivo, multiplicamos a chance por 4; se negativo, multiplicamos a chance por 0,9.
Perceba: 0,9 é quase 1.
Então, retorno à pergunta: um paciente com S1Q3T3 tem 97% de probabilidade de ter TEP?
Depende: qual a probabilidade pré-teste?
Imagine um paciente com escore de Wells de 2.
A probabilidade pré-teste de um paciente assim é de 3,6%.
O nomograma de Fagan é uma das maneiras de usar o raciocínio probabilístico correto da prática clínica.
Vamos lá:
Probabilidade pré-teste de 3,6%
RV+ 4.
Probabilidade pós-teste:13%
Falsos positivos: 87%
Mesmo com especificidade de 97%.
Deu pra entender por que eu falo que sensibilidade e especificidade não são úteis para o clínico?
Enfatizo a informação chave desse slide e dessa discussão: apesar de parecer muito bom, 97% de especificidade pode não significar nada.
Já num paciente com escore de Wells com 7 pontos e probabilidade pré-teste de 66,7% e não tem S1Q3T3.
Como fica?
Como multiplicar por 0,9 é quase que multiplicar por 1, fica quase na mesma: 64,5% de probabilidade pós-teste.
Resumindo:
- Você precisa parar de pensar que sensibilidade e especificidade são tudo o que você precisa saber sobre um exame. Tem que saber a razão de verossimilhança. Ou será enganado pra sempre por exames.
- Como viram, o S1Q3T3 é muito específico, mas tem um perfil de razão de verossimilhanças muito fraco, o que o torna quase uma curiosidade.
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“Não há comprovação de eficácia, mas também não há comprovação de ineficácia”.
Essa é uma falácia lógica que só pode ser explicada por ingenuidade ou desonestidade. Fiz esse fio para explicar porquê exigir comprovação de inexistência/ineficácia é torturar a ciência.
A falácia da “inversão do ônus da prova” é usada constantemente por charlatões, populistas, corruptos, jornalistas conspiracionistas, leigos e médicos leigos. É uma falácia que consiste em:
“Não tem comprovação de eficácia, mas também não se comprovou ineficaz”.
Isso é uma falácia porque a ciência não consegue comprovar a inexistência ou ineficácia das coisas. A teoria do Cisne Negro explica isso:
- Acreditava-se que todos os cisnes eram brancos (esse era o status quo)
- Um cisne negro foi avistado.
- O status quo foi destruído.
O jogador dinamarquês Eriksen poderá voltar a competir?
Para isso, precisamos saber o que é um CDI, como funciona, por qual razão está indicado em Eriksen e quais as consequências do seu implante.
CDI é a sigla de "cardiodesfibrilador implantável". É um aparelho composto por duas partes:
- A bateria, de 70 gramas, implantada na parte anterior do ombro, abaixo da clavícula direita;
- O(s) eletrodo(s), que passeia por uma veia até o coração.
A cirurgia é realizada por um eletrofisiologista ou por um cirurgião cardíaco e dura em torno de 1 hora.
O jogador dinamarquês Christian Eriksen não teve uma convulsão. O que ocorreu foi uma morte súbita. E, devido ao rápido atendimento, essa morte súbita foi "abortada".
Fiz esse fio para explicar.
Morte súbita é aquela inesperada, que ocorre até 1 hora após o início dos sintomas (no caso de Eriksen, foi instantâneo).
13% das pessoas morrem subitamente. 50% das pessoas que morrem do coração morrem subitamente.
No esporte, ocorre 0,5-2,1 morte súbita por 100 mil pessoas/ano
O coração de uma pessoa só pode parar de bater em 4 ritmos cardíacos:
- Fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso
- Atividade elétrica sem pulso e assistolia.
As duas primeiras são ritmos "chocáveis", ou seja, respondem à desfibrilação.
Pra coroar o lançamento do livro “Manual de MBE”, eu e a Sanar montamos uma jornada IMPERDÍVEL com muita gente boa pra falar de ciência, evidência científica de qualidade, comunicação em ciência e tentar traçar alternativas pra melhora do nosso ensino. Segue o fio:
A live com a @TaschnerNatalia (Natalia Pasternak) já passou (foi dia 31/05, mas você pode rever em meu IGTV). Falamos sobre incerteza, evidências boas e evidências ruins..
No dia 04/06/2021, receberei a querida @luizacaires3 (Luiza Caires), jornalista e editora do Jornal da USP.
Vamos falar de jornalismo de ciências e divulgação de evidências científicas com responsabilidade.
Marca aqui seus amigos jornalistas!
Tom é um homem de 58 anos que vivia uma vida desregrada.
Certo dia, teve dor torácica intensa irradiando para os dois braços. Como a dor não cessou espontaneamente, pegou um Uber até o hospital. Ao chegar lá, esse era o ECG:
Ao ver o ECG, o médico descartou Infarto com supra e indicou Dipirona.
Mal sabia o médico, mas Tom tinha uma oclusão coronária aguda total de uma das suas artérias epicárdicas. E o médico não considerou a hipótese de falso negativo.
Vamos aprender a nunca cair nessa armadilha?
Para a resolução desse caso, preciso lembra-los que a Medicina é uma ciência probabilística.
Ao entrar em um PS com dor torácica, a probabilidade de haver uma isquemia aguda (não necessariamente OCA) é de 25% (dados de estudos prévios).
Com o anúncio do estudo ACTION, tivemos a confirmação que médicos de todo o mundo caíram mais uma vez no canto do mecanicismo. A anticoagulação é a "cloroquina socialmente aceita".
Vamos entender a razão pela qual tantos médicos e leigos caíram nessa pegadinha cognitiva.
1. É plausível, mas nem tanto.
A anticoagulação profilática ou terapêutica é uma das terapias mais difundidas da Medicina. Tão difundida que parece ter fortes evidências do seu uso.
Mas não é bem assim.
1.1 O pontapé inicial da anticoagulação para TEV/TEP veio em 1960 com um estudo não-cego, não-randomizado, sem confirmação diagnóstica, interrompido precocemente.
"Ah, mas há outros trials depois desse..." você diria.