O espírito conciliador de Angela Merkel transformou a política alemã em uma ilha de tranquilidade em tempos de polarização global, mas isso não é tão bom quanto parece. 🧵👇
O resultado de seus esforços é um debate público moroso demais, sem grandes disputas ideológicas e muito em cima do muro, como se boa parte do país tivesse embarcado em um grande consenso da “terceira via”.
Ao arrastar o partido conservador (CDU) para o centro ideológico e quase sempre agir de forma pragmática, Merkel soube esvaziar o programa dos outros partidos ao simplesmente adotar suas pautas, como fez com o aumento do salário mínimo.
A maior vítima desse esvaziamento por adesão foi o Partido Social-Democrata (SPD), que fez três tentativas de vencê-la nas urnas, mas nunca conseguiu explicar ao eleitor como exatamente se diferenciaria da chanceler.
Ao se posicionar quase como uma figura suprapartidária — sem pender claramente para a direita ou para a esquerda —, Merkel acabou anestesiando o debate público. A forma mais acabada dessa estratégia se exprime justamente em seu jeito de falar, batizado de merkeln.
No novíssimo dicionário alemão, merkelar é falar de um jeito tão técnico e monótono que fica quase impossível vencer a pessoa em um debate.
Enquanto Trump interditava a conversa fugindo do assunto e falando alto, Merkel conseguia um efeito parecido ao entrar tão profundamente nos meandros do assunto que ele se tornava antes uma equação tediosa do que uma bandeira política capaz de provocar sentimentos.
Essa estratégia — chamada de “demobilização assimétrica” — foi fundamental não apenas para baixar a temperatura e evitar a polarização como para manter boa parte de seus opositores em casa nos dias de votação.
O eterno pisar em ovos imposto por Merkel acabou atrasando uma série de conversas desconfortáveis que a sociedade alemã precisa ter, sobretudo no âmbito da mudança climática e da digitalização — áreas nas quais o país está preso no passado. piaui.folha.uol.com.br/angela-merkel-…

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24 Sep
Ao longo das últimas semanas da campanha eleitoral alemã, uma palavra usada com frequência nos debates foi 'Zukunftsfähigkeit': a capacidade de encarar o futuro. Muitos alemães acreditam que Merkel foi uma ótima gestora de crises, mas q ela não preparou o país para o futuro. 🧵👇
De fato, a Alemanha está mal preparada para o século 21 em cinco dimensões: 1) Digitalização 2) Política ambiental 3) Atração e integração de migrantes 4) Igualdade de gênero 5) Capacidade militar para assegurar autonomia estratégica da Europa.
1) Digitalização: Qualquer visitante internacional se espanta com o atraso digital na Alemanha, onde a internet é lenta mesmo nas grandes cidades, e há regiões rurais que até hoje continuam basicamente desconectadas.
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18 Sep
Até recentemente, a China ―o maior parceiro comercial do Brasil há mais de uma década ―vinha conseguindo evitar a politização de sua crescente presença no país. 🧵👇
Apostando em um perfil discreto, os diplomatas chineses ficavam longe dos assuntos internos e eram hábeis em se manter fora do radar do debate público brasileiro ―uma estratégia facilitada pela constante superexposição dos Estados Unidos na discussão local.
A situação mudou em 2018, quando um político brasileiro com projeção nacional farejou a oportunidade de pintar a ascensão chinesa como uma ameaça a fim de mobilizar seus seguidores.
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6 Sep
Há 29 anos, o então presidente peruano Alberto Fujimori ― eleito dois anos antes como outsider que prometia lutar contra o establishment político ― surpreendeu os peruanos com uma transmissão em cadeia nacional às 22h30 da noite.🧵👇
Analisou a situação do país e reclamou da “velha política”, da atitude obstrucionista do legislativo controlado pela oposição e do judiciário ― grupos que, ele alertava, se uniam para impedir a transformação do país e o êxito de sua gestão.
Reclamou do “parlamentarismo anti-nacional” contaminado pelos “vícios do caciquismo e clientelismo”. Os juízes politizados e corruptos, segundo ele, desestabilizaram o país e impossibilitaram a construção de uma “democracia real.”
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29 Aug
Guerras envolvendo grandes potências muitas vezes marcam o fim ou o início de uma época geopolítica. Não necessariamente pelo conflito em si, mas por seu poder de revelar novas realidades que não estavam facilmente visíveis. O q a retirada americana do Afeganistão revelou? 👇🧵
Muita gente acha que a decisão de Biden de retirar as tropas do Afeganistão dps de 20 anos é sinal do declínio geopolítico dos EUA. Mas não é tão simples assim. Numerosas empreitadas geopolíticas americanas fracassaram desde o fim da II Guerra Mundial.
Apenas para dar 2 exemplos: em 1975, os EUA se retiraram do Vietnã, sofrendo derrota terrível que abalou a confiança do país. Quatro anos mais tarde, na Revolução Iraniana, Washington perderia um dos seus principais aliados no Oriente Médio -- mais uma grande derrota geopolítica.
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27 Aug
O Talibã encontra-se em uma situação difícil: por um lado precisa do reconhecimento da comunidade internacional como governo legítimo do Afeganistão para ter acesso às reservas monetárias do Banco Central afegão, mantidas em contas nos EUA (quase 10 bilhões de dólares). 🧵👇
Por isso, tem adotado uma retórica mais moderada. Um dos porta-vozes do grupo aceitou ser entrevistado por uma mulher na TV, algo inimaginável quando o grupo governou o país nos anos 90.
Uma política minimamente moderada também é crucial para evitar a já existente fuga de cérebros, sobretudo nos centros urbanos. A emigração de médicos, por exemplo, é uma preocupação do Talibã, pois dificultará o fornecimento de bens públicos básicos, como acesso à saúde.
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26 Aug
Os ataques terroristas em Cabul hoje também mostram que um Talibã incapaz de controlar o território afegão, dando espaço para o Estado Islâmico, pode representar um perigo maior para a comunidade internacional do que um Talibã plenamente em controle do país.
De fato, nos últimos anos, os EUA têm sistematicamente combatido o Estado Islâmico em várias províncias afegãs -- sempre com a anuência tácita do Talibã, que geralmente acabou ocupando as zonas uma vez que os EUA tirou o Estado Islâmico.
Porém, o Talibã dificilmente aceitará uma aliança oficial com Washington, por medo de perder quadros para o Estado Islâmico -- agrupamento ainda mais radical do que o Talibã.
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