Imagine a seguinte situação hipotética. Um funcionário público brasileiro, no exterior, dá uma pancada ou uma bordoada em pessoa (um jornalista, por exemplo). Ocorre abuso de autoridade? Vamos lá.
A Lei 13.869/2019 - Abuso de Autoridade destina-se sobretudo à tutela do devido processo legal e das garantias judiciais. Ou seja, a maior parte de seus artigos busca punir condutas cometidas por funcionários ou autoridades em investigações e processos penais. Logo,não cabe aqui.
Por outro lado,no contexto examinado,socos, trompaços, empurrões etc não configuram o crime de tortura (Lei 9.455/1997). Quando não deixam lesões, tb não violam o art.129, CP. Temos então de buscar um tipo compatível com a conduta de empurrar,esmurrar ou dar trompaços em pessoas.
Podemos pensar nos crimes de constrangimento ilegal, do art. 146, do CP, ou no crime de violência arbitrária, do art. 322 do CP. Vejamos.
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Violência arbitrária
Art. 322 - Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência. Trata-se de um crime contra a Administração Pública.
Este tipo penal está em vigor, como decidiu o STJ, HC 48083/MG, Rel. Min. LAURITA VAZ, 5ª Turma, j. em 20/11/2007.
Ementa
HABEAS CORPUS. PENAL. ARTIGO 322 DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE VIOLÊNCIA
ARBITRÁRIA. EVENTUAL REVOGAÇÃO PELA LEI N.º 4.898/65. INOCORRÊNCIA.
PRECEDENTES DO STF.
STJ: “1. O crime de violência arbitrária não foi revogado pelo disposto no artigo 3º, alínea "i", da Lei de Abuso de Autoridade. Precedentes da Suprema Corte. 2. Ordem denegada.”
Resta saber se é possível a imputação de qualquer dessas condutas (do art. 146 ou do art. 322 do CP) perante a Justiça brasileira, quando cometidas no exterior.
Temos de buscar essa resposta no art. 7º do CP, que cuida da eficácia extraterritorial da lei penal brasileira.
Segundo o art. 7º, I, c, CP, ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro os crimes “contra a administração pública, por quem está a seu serviço”. Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada da lei penal, se o autor estiver a serviço do País.
Há uma alternativa. A lei penal brasileira também é aplicável a crimes cometidos por brasileiro no exterior. É a hipótese do art. 7º, inciso II, alínea b, CP. Aqui a extraterritorialidade é condicionada e depende do atendimento dos cinco requisitos do §2º do mesmo artigo.
Em qualquer dos casos, havendo jurisdição do Estado brasileiro, com base no art. 7º do CP, os crimes cometidos no exterior ficam sujeitos à competência da Justiça Federal. Vide, entre outros, no STJ, 3ª Seção, o CC 154656/MG, rel. min. Ribeiro Dantas, j. 25/04/2018.
Para sabermos o juízo competente em nosso País, segue-se a regra do art. 88 do CPP: “No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado.”
Há um segundo preceito no mesmo artigo. Se o agente nunca tiver residido no Brasil, “será competente o juízo da Capital da República”, ou seja, uma vara federal de Brasília.
Porém… Se o fato for qualificado como contravenção penal de vias de fato (art. 21 da LCP), a solução é diversa.
Art. 21. Praticar vias de fato contra alguem:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitue crime.
Para começo de conversa, as contravenções penais regem-se exclusivamente pelo princípio da territorialidade. Conforme o art. 2º da LCP, “A lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território nacional.” Logo, não se cogita de nossa jurisdição.
E ainda que a lei contravencional brasileira fosse aplicável a fatos no exterior (e não é), o julgamento de tal infração caberia à Justiça Estadual, porque o inciso IV do art. 109 da CF as exclui da competência dos juízes federais.
A pedidos, comento a hipótese de o agressor ser estrangeiro. Em geral, a jurisdição será do Estado estrangeiro onde ocorrer o suposto crime. Mas a lei penal brasileira tb se aplica a alienígenas nas hipóteses incondicionadas do inciso I do art. 7º do CP. São quatro as situações.
A lei penal brasileira tb pode ser aplicada a estrangeiros, agora de forma condicionada,se estes cometerem crimes contra brasileiros no exterior. Quando o autor é estrangeiro e a vítima brasileira, é preciso cumprir as condições do art. 7º, §2º,CP. Só assim o caso é julgado aqui.
Condições: 1. Dupla incriminação; 2. Ingresso do autor do crime no Brasil; 3. Ser o crime extraditável; 4. Respeito ao “non bis in idem”; 5. Não extinção da punibilidade conforme a lei mais favorável. Como se vê,é muito difícil operarem todas essas condições, especialmente a n.2.
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Em maio de 2021, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana contra o Racismo (Guatemala, 2013). Este será o 4º tratado com status de norma constitucional. Já temos o Decreto Legislativo 1/2021, do Congresso. Mas nada do decreto presidencial. Que é de?
Hoje faz 25 anos que meu pai se foi. Nesta foto, tirada em 1974, estamos eu, ele, minha irmã e Lu. Foi por volta das 23 horas que sua vida se encerrou. Ele, que era sociólogo, tinha 54 anos. Eu fizera 25 anos em maio e era promotor na Bahia. Hoje aos 50 guardo muitas saudades.
Eu estava em Feira de Santana, quando o telefone tocou.– Seu pai sofreu “um acidente”, disseram. Peguei a estrada para Petrolina, onde ele morava. No meio do caminho, recebi a notícia de que já era tarde. José Raimundo Aras era auditor fiscal na BA e trabalhava na divisa com PE.
Como auditor, ele tinha começado a apurar ilícitos da “Máfia do Açúcar”, uma quadrilha de atacadistas sonegadores de ICMS e funcionários públicos corruptos. Quem se opunha ao esquema era intimidado. Meu pai foi morto, num crime de mando em 09/10/1996. sindsefaz.org.br/noticia/899/78…
Estou impressionado com um áudio que acabei de ouvir. É atribuído ao ex-cantor Sérgio Reis. Eis o trecho mais grave: “Ou seja, nós resolvemos o seguinte: nos vamos manter o dia 7 de setembro calmo. Dia 8 vamos ao Senado (…)”
“Eles vão receber um documento assim: vocês têm 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é um pedido; é uma ordem! É assim que eu vou falar com o presidente do Senado: “isto é uma ordem!”. @pr_senado
“Se vocês não cumprirem em 72 horas, nós vamos dar mais 72 horas, só que nós vamos parar o País. Já está tudo armado. O País vai parar. Tudo. (…). Não vai trafegar ninguém nas estradas (…).”
O governo “pedirá à Polícia Federal (PF) e à Controladoria-Geral da União(CGU) investigarem o servidor do Ministério da Saúde que denunciou suspostas irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin”. Isso é incompatível com a ordem jurídica. oglobo.globo.com/brasil/bolsona…
Basta ver o artigo 116, inciso VI, da Lei 8.112/1990. O servidor público federal, qualquer servidor, é obrigado a noticiar supostos atos ilícitos (quaisquer atos aparentemente ilegais) que tenham sido praticados por qualquer autoridade (quem quer que seja). É um dever.
Além disso, o servidor público que cumprir esse dever não poder ser submetido a nenhum tipo de represália ou retaliação. É o que diz o art. 126-A da Lei 8.112/1990:
“Convencido de que uma razão de estado justificava a medida, reelaborou sua concepção do problema, que passou a ser um falso problema”. conjur.com.br/2021-jun-06/em…
“Passou a defender esse tribunal. Seduzido pelo poder, rearranjou suas convicções jurídicas. É o velho tema dos intelectuais e do poder.”
Acresço: o filme de Costa-Gavras baseia-se em história real: um atentado contra o aspirante a oficial da Marinha alemã (Kriegsmarine), Alfons Moser.
INTEGRIDADE DO SISTEMA DE JUSTIÇA – Tornou-se definitiva a decisão da @ECHR_CEDH no caso Xhoxhaj v. Albânia🇦🇱sobre integridade judicial.A requerente, juíza da Corte Constitucional,foi exonerada por suspeita de enriquecimento ilícito. Questionava-se a convencionalidade da decisão.
Em 2016, o Parlamento albanês emendou a Constituição e aprovou a Lei de Reavaliação Transitória de Juízes e Promotores, para permitir a reforma do sistema de justiça, acometido por “índices alarmantes de corrupção”.
Todos os juízes e membros do MP do país estariam sujeitos à avaliação da recém-criada Comissão Independente de Qualificação (CQI), com atuação em primeira instância, e da Câmara de Apelação, como órgão recursal.