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Carapanã @carapanarana
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Como o direito ao aborto se tornou uma questão tão central na política? No Brasil, se não me engano, foi durante as eleições de 2010.
g1.globo.com/especiais/elei…
Mas essa discussão se tornou gradualmente algo central nas eleições americanas, mobilizando muitos "one issue voters" a preferirem o Partido Republicano.
news.gallup.com/poll/157886/ab…
Mas, vejam só, até a década de 1970 as várias congregações de protestantes e evangélicos não condenavam o direito ao aborto. Inclusive defendiam que ele não seria pecado.
Estamos falando inclusive da Congregação dos "Southern Baptists" que são a espinha dorsal dos evangélicos linha dura dos EUA. O que teria mudado?
Mesmo quando o caso "Roe vs. Wade", que tornou o direito ao aborto legal via Suprema Corte, os Southern Baptists continuaram a afirmar o direito ao aborto até 1976.
A versão que os evangélicos norte-americanos contam para si mesmos é de que o a "resistência" ao direito de abortar teria começado logo após a decisão do caso "Roe vs. Wade" em 1973. Mas os documentos provam o contrário.
Os evangélicos não eram contrários ao direito ao aborto. Essa era uma questão majoritariamente mobilizada pelos católicos norte-americanos.
A decisão confirmando o direito ao aborto no caso "Roe vs. Wade" chegou a ser elogiada em publicações batistas de respeito na época.
Via-se a decisão como um passo importante para questões de "liberdade religiosa e igualdade humana", uma vez que os protestantes aceitavam o direito ao aborto e os católicos o rejeitavam.
A questão da liberdade de culto é um dos pilares fundamentais do Estados Unidos desde o início de sua colonização, já que os primeiros colonos eram fugitivos de perseguições religiosas na Europa.
Como a direita religiosa tornou o direito ao aborto uma questão central? E como isso se desenrolou progressivamente até os dias de hoje?
Randall Balmer, historiador da religião nos EUA, fez a pesquisa documental que eu estou citando desde o início.
politico.com/magazine/story…
Ela envolve discussões sobre isenção fiscal a escolas religiosas segregadas racialmente, e a maneira como várias think-tanks "libertárias" como a Heritage Foundation, conseguiram capturar o ressentimento anti-estado por parte dos segregacionistas.
Em 1969 um grupo de pais negros no Mississipi processou no Departamento do Tesouro norte-americano para que três novas escolas religiosas exclusivas para brancos NÃO fossem classificadas como "instituições de caridade" e não recebessem isenção fiscal.
1969 era o primeiro ano de de-segregação oficial nas escolas públicas. E muitas escolas privadas foram criadas para atender os pais (brancos) que preferiam o regime de segregação.
O grupo de pais negros ganharam o processo e logo depois Nixon (aquele comunista!) baixou um decreto acabando com as isenções fiscais para as escolas particulares segregadas dos EUA.
Foi aí que Paul Weyrich, ativista do movimento conservador e co-fundador da Heritage Foundation, viu uma oportunidade. No pós-2a Guerra os evangélicos estiveram fora da arena política de maneira organizada.
Na década de 1970, Weyrich queria produzir uma linguagem não-religiosa para o conservadorismo e tentar mobilizar uma "maioria moral" nos EUA. Mas ele precisava de um catalisador que mobilizasse essa maioria.
Weyrich tentou de tudo: debater pornografia, oração nas escolas, a proposta da emenda de Iguadade de Direitos à Constituição dos EUA e mesmo o aborto.
Mas a decisão final do governo dos EUA de não aceitar escolas segregadas trouxe a atenção de setores evangélicos, que precisavam responder a questionários sobre segregação ao abrir novas escolas.
Líderes evangélicos como Bob Jones acreditavam que a segregação era determinada pela Bíblia, e Weyrich e Falwell (outra liderança conservadora) passaram a discutir segregação como uma questão de "liberdade religiosa".
Logo esses líderes foram encontrando maneiras de promover a segregação de forma "soft", admitindo alguns (ou mesmo só um) estudantes negros (mas CASADOS, para que não houvesse "risco de miscigenação").
Na Bob Jones University, por exemplo, qualquer estudante que se envolvessem com pessoas de "outra raça" ou que se associassem a organizações que aceitassem a miscigenação seriam sumariamente expulsos.
Mas em 1976 o IRS (a Receita Federal dos EUA) percebeu o que acontecia na Bob Jones University e os rescindiu sua isenção fiscal. Isso foi entendido como uma "interferência do Estado na liberdade religiosa" e tornou-se um foco de organização.
Naquela época o democrata Jimmy Carter acabava de ser eleito presidente e Weyrich conseguiu direcionar a ira dos líderes evangélicos em direção ao partido Democrata - mesmo que a decisão de não dar isenções fiscais às escolas segregadas fosse de Nixon!
Mas Weyrich e Falwell, mesmo tendo mobilizado os líderes evangélicos, sabiam que a defesa da segregação racial seria um desafio. Servira para convocar os líderes à luta, mas precisavam de uma outra causa, que fosse realmente efetiva.
No final da década de 1970 muitos americanos começavam a se sentir "desconfortáveis" com o aumento no número de abortos legais depois da decisão da Suprema Corte em 1973. As eleições para o Senado em 1978 mostraram a Weyrich que o tema do aborto poderia motivar conservadores.
Naquele mesmo ano (78) Republicanos no Minnesota conseguiram bons resultados fazendo campanha contra o aborto. E no Iowa, ativistas "pró-vida" Católicos conseguiram tirar do páreo um Democrata que estava 10 pontos à frente do rival.
As eleições de 1978 mostraram a Weyrich e Falwell o caminho que eles precisavam seguir. Weyrich escreveu correspondências onde dizia que o triunfo de candidatos "pró-vida" seria "um verdadeiro chamado à celebração" e outros apontaram que isso uniria o "fringe" político cristão.
Weyrich e Falwell conseguiram a somar à sua luta o teólogo Francis A. Schaeffer, que fazia pregações contra o "eclipse dos valores cristãos" e o avanço de algo que ele chamada de "humanismo secular". Schaeffer é hoje considerado padrinho intelectual da direita religiosa dos EUA.
Schaeffer dizia que a legalização do aborto levaria à eutanásia. Se juntou a um médico pediatra e fez um filme sensacionalista intitulado "Whatever Happened to the Human Race?".
O filme deveria representar "o flagelo do aborto em termos gráficos". O mais memorável era uma cena de bonecas de plástico eram atiradas no Mar Morto.
O filme tem o script clássico do argumento contra o direito ao aborto: a vida é maravilhosa, uma benção de Deus, o feto é inocente e livre de pecados... enquanto a humanidade é corrupta.
O aborto, segundo Schaeffer, seria a porta aberta para a "decadência moral" de qualquer sociedade. As ações de Weyrich, Falwell e Schaeffer logo trouxeram a questão do aborto para o centro da discussão política dos evangélicos.
Em 1980, Jimmy Carter era considerado como um pária entre os evangélicos por não ter feito uma emenda constitucional que criminalizasse o aborto. MESMO que ele tivesse feito esforços enormes para diminuir a incidência de abortos desde quando era governador da Georgia.
Os evangélicos focavam o fogo em Carter, "esquecendo" que Regan havia proposto a legislação de aborto MAIS LIBERAL dos EUA em 1967. Reagan nunca discursaria sobre o aborto na campanha na qual derrotou Carter.
Depois da derrota de Carter, Falwell cantou os louros da glória, sugerindo que Carter teria vencido o voto popular por 1 por cento caso a direita religoosa não houvesse se mobilizado em torno da questão do aborto.
(Na realidade Carter teve vários problemas em suas primárias, e não conseguiu solidificar a base do partido Democrata depois. Mas isso é outra história).
Os evangélicos (inclusive os de esquerda) que haviam ajudado a eleger Carter quarto anos antes estavam perdidos para os Democratas. O direito ao aborto se tornaria um catalisador para a direita evangélica, antes politizada pela defesa da segregação, agora tinha uma nova bandeira.
Já os Republicanos estavam muito felizes: uma base popular poderia ser mobilizada contra os próprios interesses econômicos, desde que questões morais fossem centro do debate.
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