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Caio Paiva @caiocezarfp
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Uma breve thread sobre a notícia de que o Comitê de Direitos Humanos da ONU concedeu liminar (nome técnico: medida provisória) para assegurar direitos políticos ao ex-Presidente Lula:
1. Consultei várias fontes e a notícia é verdadeira. De fato, acolhendo pedido da defesa do ex-Presidente Lula, o Comitê de Direitos Humanos da ONU concedeu medida provisória assegurando a ele seus direitos políticos para candidatar-se e concorrer na eleição deste ano.
2. Pelo que identifiquei, entendeu o Comitê que enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, deve valer a presunção de inocência do ex-Presidente Lula.
3. O Comitê de Direitos Humanos da ONU é o órgão de supervisão e monitoramento dos direitos humanos protegidos pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A competência para processar petições individuais é prevista no Protocolo Facultativo ao PIDCP.
4. Podem surgir dois argumentos contrários ao cumprimento da decisão do Comitê pelo Estado brasileiro: 1) O BR ratificou o Protocolo ao PIDCP, aceitando submeter-se ao regime de petições individuais, mas não promulgou esse tratado; e 2) O caráter não vinculante da decisão.
5. O primeiro argumento, a meu ver, não procede. Com a ratificação, o Protocolo ao PIDCP entrou em vigor no plano internacional, permitindo, portanto, justamente a possibilidade de "responsabilização" internacional pelo Comitê da ONU.
6. O decreto de promulgação pelo Presidente da República, embora exigido pelo STF para que o tratado tenha validade no plano interno, não influencia na etapa anterior - da ratificação -, que confere vigor ao tratado na ordem internacional.
7. Assim, especialmente em tratados que não criam obrigações para os Estados na ordem jurídica interna - como é o Protocolo ao PIDCP -, o decreto de promulgação em nada influencia na validade do tratado na ordem internacional.
8. Superado o primeiro argumento, vejamos o segundo: as decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU são vinculantes? Majoritariamente, entende-se que não, considerado o caráter "quase-judicial" do Comitê (não é um Tribunal, como a CorteIDH e o TEDH).
9. Coerente com a minha visão sobre o Direito Internacional, como o BR aderiu - espontaneamente - ao PIDCP e ao seu Protocolo, há razões de sobra para cumprir a decisão, mas também há argumentos, de mérito, para tentar revertê-la no âmbito do Comitê.
10. O Comitê aparentemente inovou na visão do Direito Internacional dos Direitos Humanos a respeito da extensão temporal da presunção de inocência. O PIDCP, assim como a CADH, adota a expressão "comprovada a culpa", e não "trânsito em julgado", esta adotada pela CF.
11. Para fechar, o caso ilustra um campo de pesquisa muito interessante que evidencia as conexões do Direito Eleitoral com o Direito Internacional dos DHs. Eu e o @thim3108 escrevemos a respeito no nosso livro e a decisão no "Caso Lula", é claro, estará na próxima edição.
12. Dois dilemas interessantes sobre o assunto: 1) A PGR tem postura institucional de lutar pela observância de decisões internacionais (vide casos Gomes Lund e Herzog). Contribuirá para a execução dessa medida provisória do Comitê da ONU?
13. E o segundo dilema: 2) O governo do PT, na presidência da Dilma, ignorou e não cumpriu decisão de órgão com natureza semelhante a do Comitê, que é a Comissão Interamericana. Vide Caso Belo Monte.
14. Outro argumento que o Estado brasileiro poderia apresentar para não cumprir a decisão do Comitê: a suposta vítima não esgotou os recursos internos. O argumento não procede por dois motivos.
15. Primeiro, porque segundo a doutrina - majoritária -, o requisito do esgotamento dos recursos internos não se aplica ao requerimento de medidas de urgência. Fundamento: órgãos internacionais devem ter condições de atuar também no momento pré-violatório.
16. Há diversas medidas de urgência da Comissão e da Corte Interamericana, em casos brasileiros inclusive, sem que tenha havido previamente o esgotamento dos recursos internos.
17. E segundo, porque é o próprio órgão internacional que afirma a sua competência (kompetenz kompetenz). A exceção de não esgotamento dos recursos internos é a mais frequente em tribunais internacionais, mas raramente acolhida.
18. Em tempo: o BR já foi ‘responsabilizado’ por órgão de natureza idêntica à do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que é o Comitê de Acompanhamento da Implementação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, na sigla em inglês).
19. Trata-se do Caso Alyne Pimentel, sobre saúde sexual e reprodutiva de mulher. E o BR cumpriu com os termos da decisão, indenizando a família da vítima e adotando algumas medidas simbólicas de reparação.
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