Thread by @lucasmafaldo

Não quero mais discutir sobre a eleição propriamente dita (já deu para mim), mas eu estava pensando sobre a linguagem que Bolsonaro e Trump usam. Há algo em comum, mas há também diferenças enormes.

Os dois são imensamente diferentes em vários sentidos, mas realmente acho que podem ser caracterizados como "populistas" (embora eu odeie que o termo seja frequentemente usado apenas como xingamento).

Eles são populistas no sentido de que se comunicam diretamente com o povo...

... isto é, eles fazem um discurso para consumo de massa. O Lula também sabia fazer isso. Mas, fora casos raros, os políticos geralmente falam principalmente para uma camada intelectualizada (ou semi-intelectualizada) da população.

Por "intelectualizada" não falo de eruditos, evidentemente, mas da turma que se interessa por esse tipo de discussão.

Para agradar esse público, os políticos precisam agradar os formadores de opinião, que funcionam como intermediadores.

Os políticos controlam cargos e orçamento, mas possuem pouco tempo de audiência. Eles precisam de jornalistas, colunistas e professores para enquadrarem o que dizem. Logo, eles precisam se dirigir principalmente a eles -- e, portanto, imitar sua linguagem.

Trump e Bolsonaro são totalmente incapazes de se comunicar com esses grupos. E, por isso mesmo, esses grupos imediatamente presumem que é porque eles são burros.

Mas o motivo é outro: eles estão jogando outro jogo. Eles estão conversando com outras pessoas.

Mas aí as diferenças aparecem. Trump é o homem do entretenimento de massa. Ele declarou que "tem as melhores palavras", gerando riso generalizado entre os intelectuais.

Mas ele realmente tem um pouco de razão: ele fala de um jeito que funciona perfeitamente na tv americana.

Trump, como já disse inúmeras vezes, tem uma das personalidades mais estranhas que já vi. Ele tem um talento nato para o entretenimento, uma imensa capacidade de ler as relações sociais (identificar seu público) e uma ambição maior ainda.

Ele está tocando um grande show -- está prendendo a atenção da audiência (os eleitores) e protegendo o interesse dos produtores (a militância republicana). É uma fórmula de sucesso que lhe permitir saltar por cima dos intermediários tradicionais.

Mas aí começam as diferenças com Bolsonaro.

Bolso é um caso totalmente diferente. Ele não tem de modo algum o mesmo tipo de talento ou nível de ambição. Porém, ele também saltou os intermediários e começou a conversar diretamente com os eleitores -- pelo whats, lives, etc.

Minha impressão é que Bolsonaro começou lá atrás como o perfeito brasileiro médio, repetindo muito das opiniões (incluindo as que hoje voltam para prejudicá-lo) que eram amplamente difundidas na sociedade brasileira. À essa média, o exército botou um pouco de positivismo nele.

Mas ele tinha duas qualidades que o separavam da média: ele é extremamente sincero (vejam que ele sempre fala com o mesmo tom, sem a teatralidade típica dos políticos) e firme (ele jamais recua de um confronto, mesmo que esteja isolado).

Essas duas qualidades fizeram com que ele se tornasse um político de sucesso.

Mas ele não possuía uma grande visão ideológica, se limitando a defender as corporações que o cercavam. Por isso, virou um político de nicho, ganhando um espacinho no baixo clero do congresso.

Aí entraram as circunstâncias: por baixo da dominação cultural da ortodoxia petista, havia uma revolta crescente. Porém, como todos os intermediadores estavam dentro da ortodoxia, ninguém conseguia aproveitar essa energia.

Bolsonaro então foi gradativamente aproveitando esse espaço. É curioso como foi uma marcha ao mesmo tempo lenta e constante. Ele foi se aproximando dos novos conservadores, se aliando com os evangélicos, enfatizando o anti-petismo, procurando os liberais, etc.

Durante todo esse caminho, eu fui um dos que não imaginei que ele poderia jamais se tornar uma grande liderança. O seu estilo, a sua repetição dos mesmos temas e sua reputação para lá de queimada indicavam alguém que ficaria restrito ao legislativo.

Porém, foi exatamente o contrário: ele é, de longe, a única figura que está costurando tantos polos políticos distintos. Enquanto todos elementos da Nova Direita entraram em guerra civil logo após o impeachment, ele conseguiu montar uma coalização significativa.

Parte desse sucesso se deve certamente a uma boa dose de pragmatismo e às novas tecnologias que permitem com que ele se comunique diretamente com o público.

É aí que a sua sinceridade funciona muito bem. Ao contrário de Trump, ele não criou uma persona para atrair público...

... ele é o próprio tiozão do Whatsapp. Ele fala sempre de um jeito que é odiado pelos intermediários (a semi-intelectualidade), mas que é muito próximo do jeito que a maior parte da população fala. Isso cria uma relação forte de confiança.

Não nego, aliás, que há elementos muito problemáticos nesses desenvolvimentos todos. O possível fim da classe intermediária pode também levar a um empobrecimento do discurso e à simplificações perigosas.

Porém, a classe intermediária brasileira já era a campeão das...

... simplificações perigosas. Já fazia tempo que tinha virado mera escada do petismo, se limitando a repetir lugares-comuns e fazer um estilo empolado.

Espero que a internet permita uns intermediários melhorzinhos aparecerem nos próximos anos.