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Uma intuição que me parece importante: ideologias, grupos de interesse, grupos sociológicos e grupos culturais interagem entre si de um modo muito mais complexo do que se imagina.

Certamente mais do que aparece no comentário político, mesmo entre intelectuais.
Os intelectuais, via de regra, sofrem de abstracionismo: ele estudaram muito X, então eles explicam tudo em termos de X. Os comentaristas políticas são ainda piores: como eles querem que o Lado A vença, ele explica tudo em termos de "Lado A = certo", "Lado B = errado".
Mas eis porque acho que é bem mais complexo.

Em primeiro lugar, a grande maioria das pessoas não tem ideologia. Elas nem entendem direito do que as pessoas estão falando quando falam direita/esquerda ou conservador/progressista. Ainda assim, essa maioria dá o tom da cultura e...
... das eleições. Logo, os direitos grupos ideológicos precisam de algum modo falar na linguagem dessa cultura geral.

Essa é um dos motivos pelos quais acho errado fazer comparações entre movimentos políticos de países diferentes. A esquerda de cada país acaba "colorida" pela...
... cultura de cada país. A esquerda/direita americana, por exemplo, é bem diferente da francesa, brasileira, etc.

Porém isso fica ainda mais complicado, porque há variações enormes tanto entre regiões como classes sociais.
Por exemplo, me parece bem claro que o Brasil possui alguns extratos sociais que eu diria que são semi-americanizados: apesar de não terem ido aos EUA e falarem um inglês macarrônico, uma porção imensa dos brasileiros construiu sua identidade por seriados e bandas americanas.
Esse extrato obviamente possui uma cultura bem diferente daqueles que construíram sua identidade por meio de novelas, músicas regionais, etc.

Creio que essas características mais gerais das sociedades geram os parâmetros que determinam o sucesso de qualquer movimento político.
Porém, ainda há outra linha transversal: os grupos de interesse. Esses podem até ter valores contraditórios, mas precisam manter certas instituições para protegerem seus privilégios. Esses grupos geralmente são uma fonte de recursos humanos e financeiros para os movimentos pol.
O problema de ignorar esses vários níveis de realidade é começar a esperar coisas irrealistas. Por exemplo: o governo Bolsonaro pode mudar muita coisa, mas não esses parâmetros gerais. Um novo governo é apenas uma reconfiguração das forças que JÁ EXISTIAM no país.
O olavismo, por exemplo, já era uma força imensa muito antes da eleição. O fato dos intelectuais ignorarem Olavo não muda o fato de que ele era, de longe, o autor mais vendido há muitos anos. O olavismo é claramente um dos blocos que compõe o novo governo.
Porém, para chegar nos 51% no parlamento, Bolsonaro vai precisar de vários outros blocos. Não me surpreendo, por exemplo, com a aproximação com a tal da "velha política" (Rodrigo Maia, etc.). Todo governo faria algo assim (como o governo fez).
Eis a triste verdade: a única maneira de se livrar inteiramente da velha política é por meio de uma revolução, pois a velha política É parte substancial da estrutura de poder no Brasil, já que correspondem a grupos de interesse e camadas sociológicas fortes.
Um movimento político pode apenas re-equilibrar o jogo: pegar um pedaço maior do parlamento e diminuir o poder dos velhos caciques. Mas não excluí-los do jogo. De novo, só uma revolução poderia fazê-lo.

E revolução SEMPRE piora tudo. Ela cria um vácuo que atrai os piores.
No fim das contas, a política-br sempre será um reflexo da cultura-br. E a cultura-br corresponde ao aglomerado de mini-comunidades que compõem o tecido sociológico do país: militares, evangélicos, olavetes, alunos de humanas da federal, concurseiros, classe média urbana, etc.
Essa imensa variedade de comunidades é a verdadeira substância do país, e elas vão se transformando bem devagarinho ao longo do tempo.

Uma das razões do Bolsosucesso é que ele conseguiu falar a esses grupos, em vez de se prender demais à dimensão puramente ideológica.
Eu diria que a verdadeira política é a arte de construir coligações temporárias entre mini-comunidades. Os discursos políticos são basicamente tentativas de criar programas capazes de dissolver tensões fundamentais em vista de objetivos imediatos.
Porém, o verdadeiro motor do país está na construção dessas mini-comunidades -- o que ocorre bem longe da política, e é determinado por uma combinação entre etnias, religiões, produtos culturais, transmissão familiar, etc.
Outra coisa: achar que existe um modo universal de organizar essas mini-comunidades é pura utopia. Devemos esquecer disso e simplesmente tentar ser boas pessoas e cumprir nossos deveres nas nossas mini-comunidades.

O resto se ajeita sozinho ou não tem jeito.
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