Thread by @lucasmafaldo

Eu sei que pareço o Aldo Rebelo quando falo nessas coisas, mas acho que o excesso de americanismo se tornou um problema. No fim das contas, tanto a direita-br quando a esquerda-br dominantes se tornaram indistinguíveis das suas versões americanas.

É compreensível: os EUA são, de longe, a maior potência econômica, bélica e cultural. Mas não precisamos consumir demais a cultura deles. Ela foi criada para refletir a experiência e os conflitos próprios da sociedade americana. Nossas dinâmicas sociais e institucionais são...

... diferentes, logo precisamos de uma cultura própria.

Essa imitação também é compreensível por parte da direita-br. A direita-br apanhou tanto nas últimas décadas que sentiu necessidade de apontar para um país de sucesso e dizer "olha aí, lá funciona". Mas, ainda assim, é um..

... erro repetir o que está saindo na Fox News. Além do Brasil ter dilemas e processos institucionais bem distintos, toda ideologia política é magra demais para dar sentido a uma vida. Não é coincidência que a oposição à esquerda de lá tem crescido a partir de autores que não...

... são republicanos tradicionais, como o Jordan Peterson, a Paglia. Esses autores podem fornecer munição para bater na nova esquerda, mas suas referências são muito mais amplas do que a direita partidária americana.

O que faz todo o sentido, pois o resto do mundo não tem...

... o sistema bi-partidário americano, de modo que não precisamos reduzir tudo a uma polaridade republicano/democrata. Deixa esse reducionismo lá para os EUA.

Dito isso, claro que o mais estranho é a esquerda-br adotar o identitarismo da esquerda americana, o que é ainda...

... mais alheio à realidade brasileira, já que é uma visão de mundo fortemente apoiada em uma combinação entre rígidas fronteiras de gênero e etnia e moralismo, o que é uma característica quase exclusivamente americana. Eu não vejo a menor probabilidade dessa visão "pegar"...

... fora daquele mundinho, pois mesmo as culturas "ocidentais não-anglos" que vivem nessas regiões têm noções menos rígidas de papeis sociais e uma moralidade mais contexto e subjetiva.

Por isso mesmo, eu não vejo possibilidade alguma da esquerda americanizada virar o jogo no Brasil. Ela só voltará ao poder se adotar um discurso mais trabalhista ou até tecnocrático (o que Ciro Gomes parecia entender, mas depois deu uma fraqueja). No fim das contas, essa...

... será sempre a ideologia das elites urbanas (a classe com dinheiro para fazer intercâmbio cedo) que terão dificuldade até em falar em um português reconhecível pelo restante da população (basicamente, um português de legenda de seriado e lugares-comuns de DCE).

Por isso mesmo, a direita-br americanizada tende a dominar o cenário imediato, especialmente se somado com pintadas de tecnocracia (esse velho fetiche positivista).

Porém, eu mesmo preferiria uma política mais distribucionista (no sentido do Chesterton) e pragmática.