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Dei uma parada as redes sociais por causa de obrigações familiares, depois por causa do trabalho, e acabei perdendo o hábito. Fiquei ainda mais convencido que usar isso em excesso é nocivo.
O problema é a tentação de tentar provar que "alguém está errado na internet" (ver XKCD). Em poucos segundos, você engole dezenas de proposições que contém equívocos de todo tempo: erros factuais, afetivos, intelectuais.

Isso gera um incômodo natural. Algo em você é ativado.
É natural sentir a necessidade de corrigir uma opinião que nos parece errada. Precisamos preservar a integridade da nossa visão de mundo. Ficar calado gera um desconforto psicológico, uma sensação que estamos aceitando uma contradição.
Porém, a própria rapidez e brevidade das redes sociais (acompanhada de doses altas de analfabetismo funcional) tornam isso impossível. Dá muito trabalho corrigir um único erro e as redes sociais nos enviam dezenas de opiniões conflitantes por minuto.
Esse bombardeio de informações captura nosso cérebro. Mesmo depois que você se desconecta, sua mente continua trabalhando semi-conscientemente (levantando argumentos, fazendo comparações, lembrando de fato, etc.). Uns 10 minutos de rede social gera horas de custo mental.
Parte disso é natural e benéfico: uma sociedade precisa que seus membros "digiram" a conversa que ocupa a cultura.

Porém, há modos mais e menos qualitativos de fazer isso. Como as redes sociais provocam uma sobrecarga de informações, nós não conseguimos sair da superfície.
A tentação de responder ao último argumento idiota é muito forte -- e há uma quantidade infinita de argumentos idiotas. Isso toma o tempo e a atenção necessária para investir nas questões mais profundas que estão fora do centro cultural.
Isso é especialmente negativo para quem quer se tornar um "influenciador". Ser "formador de opinião" sempre foi profissão de risco (intelectual e moral), mas a coisa piorou. O influenciador PRECISA comentar as últimas novidades. É o único jeito de conseguir cliques.
Fazer sucesso na internet é uma maldição. Depois que um texto "viraliza", é tentador repetir a fórmula, tocar em todos os assuntos do dia, fazer média com o mesmo público.

Quando isso acontece, o sujeito abre mão do seu centro de atenção. Sua mente não está mais voltada para...
... aquilo que é EXISTENCIALMENTE importante para o escritor, mas está sempre flutuando ao sabor das ondas do momento. O sujeito se torna uma espécie de biruta (no sentido literal, quase esquecido), sempre apontando para onde o vento o está levando.
Mas os efeitos também são negativos mesmo para quem apenas consome passivamente esse tipo de produto. Para lidar com o caos de informação, o método mais simples é se refugiar em um castelo ideológico: criar uma visão do mundo uniforme e aceitar apenas o que cabe nela.
Obviamente, isso já acontecia antes da internet -- é uma tentação universal da natureza humana. Porém, a internet pré-redes sociais foi uma força imensa para QUEBRAR essa tentação, pois fornecia inúmeros espaços para textos longos, profundos e dissonantes.
Quando passamos dos blogs (saudosos Wunders) para o oligopólio das redes sociais, o protagonismo da discussão passou para quem consegue viralizar -- o que depende justamente de previsibilidade, padronização, conformismo.
Porém, o verdadeiro mérito do escritor é quando ele diz o que as pessoas estavam pensando SEM conseguir dizer -- quando você concentra sua atenção por tanto tempo em uma experiência até conseguir traduzí-la em um novo elemento discursivo que se agrega à cultura.
Obviamente, não estou dizendo que precisamos destruir as novas tecnologias, como se o problema fosse puramente externo. Porém, precisamos perceber que as tecnologias não são neutras e precisamos tentar desenhá-las para que funcionem em favor do bem comum.
Precisamos também perceber que boa parte da economia da atenção é um jogo de soma zero -- ou mesmo de soma negativa. A quantidade de atenção que temos em um dia é limitada. Tirar duas horas da família, do trabalho ou do estudo sério para gastar em algo que só vai nos deixar...
... irritado é uma verdadeira DESTRUIÇÃO de valor. Você jogou foras horas de energia mental que poderiam ter gerados grandes coisas para gerar uma fração de valor que será quase inteiramente capturado por uma grande corporação e por movimentos políticos.
Já faz algum tempo que tenho me tornado cada vez mais cuidadoso com o meu uso do tempo. Hoje, ele é o recurso mais importante que eu possuo. E é um recurso esquisito: as horas do dia não possuem o mesmo valor. Seu nível de energia varia ao longo do dia.
Obviamente, não quero dizer com isso que eu esteja me tornando um eremita. Tento ler todas as principais notícias e opiniões do dia. Porém, faço isso apenas até certo ponto. Não preciso, por exemplo, saber há cada duas horas o que está acontecendo com Trump.
Por outro lado, eu realmente preciso ter algumas horas para re-examinar meu dia, para re-elaborar as conversas que tive, os planos que tenho e minhas obrigações. Nesses momentos, a mente está fazendo um trabalho importantíssimo de INTEGRAÇÃO. Em vez de simplesmente pegar...
... mais informações e opiniões, você precisa gastar um tempo esclarecendo o que está na sua mente, digerindo tudo aquilo. Para isso, o ideal é conversa/escrever/ler sobre o mesmo assunto por muito tempo. Ou seja, é a ATENÇÃO CONTÍNUA em vez de uma avalanche de informação...
... que importa. Desse modo, você ultrapassa a superfície e integra elementos novos a sua mente.

Parte disso significa passar longas horas desconectado das redes sociais e, principalmente, priorizar pessoas que estejam igualmente desconectadas.
Meus melhores amigos nem possuíam celular até poucos anos atrás. Tenho certeza que um dos motivos da sociedade canadense ser tão boa é que tantas pessoas passam fins de semana totalmente desconectados nos cottages e acampamentos.
Sei que é meio contraditório falar disso aqui, mas a mensagem não é que o instrumento deve ser jogado fora -- é que a integridade da nossa consciência e a continuidade da atenção devem ser priorizados.
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