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Vejo que a internet-br está discutindo a capacidade de acertar previsões. Mas, em vez de discutir isso, eu queria voltar para algo mais básico: me parece que a cultura brasileira super-valoriza a importância das previsões -- seja para defender ou criticar alguém.
Voltando para algo ainda mais básico: um evento político é um fenômeno complexo (inúmeras variáveis em jogo), sobre o qual temos informações incompletas (os políticos naturalmente escondem parte das suas estratégias), e com agentes livres capacidades de mudar a direção do todo.
Nesse contexto, eu não vejo porque seria importante fazer previsões. Me parece que estamos levando um modelo determinista para um campo onde a probabilidade de erro é imensa.

Mas ainda assim as pessoas tentam fazer isso. Tenho duas explicações.
A primeira é que a sociedade brasileira é muito anti-intelectual. Quem gosta de estudar/pensar é visto como um esquisitão. Logo, a classe intelectual se sente pressionada a mostrar seu valor apelando para as previsões. Dizendo: "olha aí, vocês deviam me ouvir porque eu SEI...
... o que vai acontecer". Como a cultura-br é cheia de pose e artificialismo, esse elemento pragmático serve de conexão com a realidade, para mostrar a importância da discussão.
Outra explicação é que as previsões funcionam como um jeito indireto de influenciar a realidade. Se eu convencer todo mundo que o restaurante X está fechado, as pessoas não irão para o restaurante. Logo, a previsão serve como tática política.
Isso foi claramente utilizado contra Bolsonaro/Trump: a ideia era martelar que eles não tinham chance para que seus eleitores procurassem um "candidato viável". Mas a estratégia fracassou (sinal de que talvez os eleitores não sejam tão calculistas assim).
Nesse contexto, a "contra-previsão" -- mostrar o porquê do seu candidato estar certo -- se torna importantíssimo. E aí surge uma guerra de previsões, que serve muito mais para alimentar a retórica política do que para descrever a realidade.
Embora isso seja compreensível, eu observo que há muitos outros motivos para ler um estudioso de política (ou de qualquer assunto). Um motivo é explicar o que aconteceu (mostrar relações de causalidade), outro é apresentar fatos (disseminar informações) e outro ainda é...
... apresentar argumentos normativos (dizer que isso é certo ou errado). Nos três casos, temos funções úteis para o discurso intelectual e, grosso modo, três atividades importantes: ciência, jornalismo, ética.
Porém, a minha impressão é que essas três atividades no Brasil foram inteiramente engolidas pela disputa ideológica. Logo, as previsões (certas ou erradas) substituíram essas atividades para tentar salvar um pouco do prestígio da classe intelectual.
É por esses motivos que, em vez de me preocupar com direita/esquerda ou governo/oposição, penso que o que Brasil mais precisa é de aumentar seu capital humano: estudar e produzir conteúdo filosófico de qualidade.
E uma última palavra sobre previsões: difícil não ver todo esse peso nas análises e não pensar no Taleb. A previsão nos coloca na posição de juízes e observadores. É uma posição nobre, mas a vida política exige outra posição: de ação e responsabilidade.
Creio que a (pequena) minoria de brasileiros que não são anti-intelectuais sofrem de um sintoma oposto: são abstratos demais. É como se o caos circundante nos empurrasse para um mundo interior extremamente elaborado, cheio de teorias, argumentos e interrelações.
Um colega canadense que passou uma temporada na academia brasileira me disse que duas coisas chamaram sua atenção: (i) como todos os textos e discursos eram incrivelmente complicados; (ii) e como, no fundo, tudo era política.
É claro que essa complexidade tem seu valor em determinadas instâncias. Porém, a verdade às vezes é... simples. Podemos trocar muitos argumentos complexos por "isso é errado; aquilo não dá certo; isto é uma boa ideia, mas precisamos fazer isso primeiro".
Meu lema tem sido: melhor entrar no fluxo da vida e agir do modo mais eficiente e benéfico possível do que se perder em labirintos mentais.
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