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Impedimento @impedimento
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A busca pelo campeão mundial de clubes: para além das Copas Rio, Intercontinentais e Fifa, a tentativa de definir o melhor time do planeta vem desde o século DEZENOVE. Como domingo tem final, começa aqui a primeira THREAD DO RECESSO, recordando a longa história dos "mundiais".
O primeiro jogo a se anunciar como uma final do mundo é muito mais antigo do que vocês imaginam: o FOOTBALL WORLD CHAMPIONSHIP inaugural ocorreu em 1887 e queria colocar cara a cara os vencedores das copas nacionais mais antigas do mundo, a Copa Escocesa e da Copa da Inglaterra.
Em 1887, a 1ª edição acabou esvaziada, pois o Hibernian não conseguiu convencer os campeões da FA Cup e teve que se contentar em bater o semifinalista Preston North End. Mas, em 1888, os campeões duelaram: o Renton FC derrotou o West Bromwich e se declarou Champion of the World.
Essa competição teve mais duas edições e a mais importante foi a de 1895, quando os campeões das recém-criadas LIGAS dos dois países se enfrentaram: Heart of Midlothian 3x5 Sunderland. Naquele momento, o único país de fora do Reino Unido e ter uma taça nacional era a Argentina.
Só que, se o futebol sul-americano ainda demoraria um tempo para ser levado a sério, ficou cada vez mais difícil para os britânicos ignorarem o que se passava ao seu redor. A FIFA surgiu em 1904 e o futebol era cada vez menos um jogo das ilhas – também se entranhava pela Europa.
Consequentemente, o mundo da bola cresceu. Em 1908, aconteceu um primeiro torneio europeu “a sério”: a revista italiana Stampa Sportiva organizou um campeonato entre os campeões nacionais do continente, mas a ausência dos ingleses esvaziou a disputa, vencida pelo Servette suíço.
Em 1909, sim, surgiu aquilo que a FIFA considera formalmente a primeira “tentativa” de um campeonato verdadeiramente mundial (que era europeu) – o Troféu Sir Thomas Lipton, um torneio internacional reunindo italianos, suíços, alemães e, AGORA SIM, ingleses.
O problema era que a Inglaterra se achava poderosa demais para ser testada (algo que sua Seleção também pensaria, até 1950, em relação à Copa do Mundo) e não mandou seus grandes times – que na época eram equipes como Aston Villa, Newcastle e Sunderland.
Mas o britânico Thomas Lipton não queria patrocinar o torneio sem ter um time de seu país. Para a coisa acontecer, ele convocou o pequeno West Auckland, um time amador formado por mineradores de carvão que hoje joga o equivalente à 9ª divisão inglesa.
E, bem... o futebol inglês era realmente tão superior aos demais que o West Auckland passeou. Em 1909, venceu contra o Winterthur, campeão suíço. Em 1911, na final, massacrou a Juventus de Turim por 6x1. Até hoje a cidade se considera a terra dos primeiros (bi)campeões mundiais.
(não deixa de ser curioso que esse time compartilhe nome com o clube neozelandês que, no século 21, acabaria por se tornar o recordista em participações no Mundial da Fifa)
Com a supremacia inglesa comprovada por um time que deveria ser tão inferior aos demais o torneio não foi mais realizado. Só que o futebol continuou crescendo. E o próximo baque veio em 1924, quando o Uruguai venceu as Olimpíadas em Paris e mostrou que havia bola longe da Europa.
Isso não teve reflexos imediatos no futebol de clubes, mas o repetido sucesso uruguaio justificou que os sul-americanos pleiteassem o direito de medir força com a Europa. Nos anos 50, enfim, abria-se uma ERA DESBRAVADORA de iniciativas para tentar apurar o melhor clube do planeta
Dois torneios organizados em solo sul-americano foram os mais ambiciosos neste sentido: primeiro, no Brasil, a Copa Rio. Depois, na Venezuela, a Pequeña Copa del Mundo. Paralelamente, os ingleses seguiam se achando intocáveis e vendo seu próprio campeonato como a nata do futebol.
Em termos de participantes, a Copa Rio – criada para afogar a mágoa do Maracanazo – recuperava a ideia da antiga taça de Thomas Lipton, mas incluía, ao lado de campeões nacionais europeus, os times deste lado do mundo. Grandes europeus vieram se bater com brasileiros e uruguaios.
Com participantes como Sporting, de Portugal; Estrela Vermelha, de Belgrado, o francês Nice ou a italiana Juventus, além de Nacional e Peñarol, as edições de 1951 e 1952 tiveram grande pompa, e as conquistas de Palmeiras e Flu foram saudadas por aqui como conquistas mundiais.
Na Europa, os ingleses seguiam se achando os melhores. E, em fins de 1954, tiveram outra “prova” disso: campeão nacional, o Wolverhampton recebeu o Honvéd húngaro (base da seleção que encantara o planeta e havia sido vice mundial no meio daquele ano) e venceu por 3x2.
A vitória fez com que os ingleses declarassem o time o “campeão do mundo”, algo que foi imediatamente contestado. Mas fortaleceu uma ideia que já era discutida mas nunca saía do papel: criar um campeonato europeu oficial para que jogos enormes assim não fossem apenas amistosos.
Em meados de 1955, a Europa criaria sua Copa dos Campeões. Seria o surgimento dessa competição que esvaziaria todos os torneios com pretensões mundiais até então disputados, incluindo a desditosa Pequeña Copa del Mundo, na Venezuela.
O torneio venezuelano contou com um cartel notável de campeões: Real Madrid, Barcelona, São Paulo, Corinthians e Millonarios de Bogotá (quando ainda tinha Di Stéfano). Mas, ao contrário da Copa Rio, coexistiu com um torneio continental oficial...
... sendo disputada originalmente de 1952 a 1957, a Pequeña Copa del Mundo viveu o início de uma era em que era difícil justificar a distribuição de convites para definir o melhor clube do mundo quando já havia a Copa da Europa apurando, oficialmente, o grande time de lá.
A solução, incentivada até mesmo pelo presidente do time que então reinava na Europa (Santiago Bernabéu, do Real Madrid), era simples: criar também um torneio continental oficial na América do Sul e botar os vencedores de cada lado para se enfrentarem. A ideia vingaria em 1960.
Surgia então a Copa dos Campeões da América, que em 1965 passaria a se chamar Libertadores. Seu campeão enfrentaria o melhor time da Europa para se proclamar campeão mundial, na Copa Intercontinental – que reunia, naquele momento, os dois continentes que tinham títulos oficiais.
A ideia da Copa Intercontinental teve um efeito dominó bárbaro, especialmente no Brasil, que finalmente criaria uma competição nacional para tentar chegar lá. Foi para classificar à Libertadores de 1960, que surgiu pela Intercontinental, que a CBD criou a Taça Brasil em 1959.
Organizada por UEFA e Conmebol, a Intercontinental imediatamente surgiu com amplo reconhecimento, aqui e lá, de que se tratava da final do mundo. Em uma época em que as transferências para a Europa eram muito mais raras, também era um encontro de escolas de futebol.
O problema seria a violência: a final, que surgiu com estádios lotados nos dois continentes e viveu uma época dourada nos anos 60, logo ficou manchada pela brutalidade de times e torcidas nas partidas envolvendo os times do Prata. As finais eram, então, em ida e volta.
Em 1969, por exemplo, até a polícia argentina se juntou na selvageria – este foi o estado de Néstor Combin, do Milan, após seu time derrotar o Estudiantes de La Plata. A longa viagem e o temor da violência fizeram com que os europeus perdessem o entusiasmo por vir aqui jogar.
Os anos 70 ameaçaram a existência do torneio: duas edições (73 e 78) não aconteceram e em outras cinco (71, 74, 75, 77 e 79) o vice europeu foi enviado no lugar do campeão. Só 70, 72 e 76 (foto) viram o campeão da Europa jogando. Era preciso algo novo. E a mudança veio da Ásia.
Errata: não ocorreram em 75* e 78, e vieram os vices em 71, 73*, 74, 77 e 79.
Em 1980, a Toyota deu dinheiro, exigiu que os campeões não falhassem mais, e seduziu Conmebol e UEFA para uma partida anual em Tóquio, buscando popularizar o futebol no Japão – o primeiro jogo, válido por 1980, aconteceu “atrasado”, em 11/2/81, entre Nacional e Nottingham Forest.
Sob os auspícios da Toyota, a final viveu sua fase mais bem-sucedida: de 1980 a 2004, ininterruptamente, o título sempre se disputou. Em paralelo com a tradicional Copa Intercontinental, os campeões desse período recebiam a Copa Toyota, que representava a nova fase.
Nas 25 edições disputadas no Japão, 49 dos 50 campeões continentais de Europa e Sudamérica compareceram. A única vez em que houve uma ausência foi porque o campeão europeu cumpria punição – o Olympique Marseille, condenado por subornar oponentes, foi substituído pelo Milan em 93.
E o resto do mundo? Enquanto tudo isso acontecia, os demais continentes tentavam correr atrás. A Concacaf organizou seu primeiro torneio em 1962, mas vivia na intermitência; a África em 1964, a Ásia teve algumas tentativas falidas nos anos 60 e passou a organizar para valer em 86
Mas, assim como a Europa havia demorado para prestar atenção na América do Sul, os dois continentes que agora reinavam no futebol também não deram muita bola para os demais: diante do desinteresse da Fifa em assumir o torneio e expandi-lo, a Intercontinental seguiu incólume.
Só a Concacaf chegou a se aproximar do jogo: ainda em 1968, planejava-se uma semifinal com os vencedores da Libertadores antes de pegar o europeu. O desnível técnico matou a ideia – em vez disso, as Américas disputaram a Copa Interamericana de forma inconstante e esvaziada.
(a Interamericana é um capítulo à parte na história do futebol do continente. Desmoralizada, não foi realizada em vários anos e era especialmente desprezada pelos brasileiros, que não jogavam, anulando-a ou mandando o vice. Só o Vasco, em 1998, a disputou – perdeu pro DC United)
Apenas em 2000 a maior entidade do futebol saiu de sua inação e tentou mudar as coisas, organizando, pela primeira vez na história, um Campeonato Mundial com todos os continentes. Mas o título do Corinthians não marcou o fim de uma era, nem o começo de uma nova...
... porque, sendo um fracasso comercial, o torneio do Brasil acabou não ganhando sequência. Uma segunda edição estava prevista para a Espanha, em 2001, mas a empresa parceira da Fifa, a ISL, faliu. E a Fifa não quis arriscar uma nova edição sozinha.
A versão atual da disputa só viria em 2005: tendo perdido a queda de braço com a Intercontinental, a Fifa negociou com a Toyota a fusão do seu torneio com o anterior, e o novo Mundial de Clubes começou a ser disputado no Japão – no início, inclusive, continuou a ser Copa Toyota.
Ainda hoje, o esqueleto da “Copa Intercontinental ampliada” inaugurado em 2005 permanece: europeus e sudacas entram direto nas semis e não podem se enfrentar antes da decisão. Além dos campeões continentais, desde 2007 entra também um time anfitrião, como havia ocorrido em 2000.
Apesar da longa história de disputas que se anunciavam como a definição do campeão mundial, hoje a Fifa só considera formalmente campeões do mundo os vencedores da Intercontinental (1960-2004) e do seu torneio (na edição de 2000 e desde 2005). Não que a Fifa entenda alguma coisa.
O reconhecimento da Intercontinental veio após muita polêmica, em uma resolução de 27/10/17. Ainda causa confusão: a Fifa considera aqueles times campeões do mundo, mas por outro torneio. Assim, quando divulga estatísticas do seu Mundial, eles não aparecem fifa.com/about-fifa/new…
É uma abordagem diferente, por exemplo, daquela da CBF, que unificou Taças Brasil e Robertões como parte de um único Campeonato Brasileiro. Mas similar à da Conmebol, que considera o Vasco bicampeão sul-americano em 1948/1998, mas só com uma Libertadores (em 98).
De todo modo, a condição do Mundial atual como sucessor da Intercontinental era algo que a própria Fifa já trazia discretamente em seus documentos desde a edição de 2005, embora não dissesse com todas as letras (até 2017) que os títulos eram equivalentes resources.fifa.com/mm/document/af…
E assim estamos. Cada um a seu momento, do Renton de 1888 ao Real Madrid/Al Ain de 2018, a história dos "campeões mundiais de clubes" – por mais esvaziadas que tenham sido as disputas em determinados momentos – ajudam a contar a fascinante trajetória da globalização do esporte.
Fim.

(com errata sobre o PRIMEIRO TWEET da sequência, porque é claro que a final deste ano é no sábado, não no domingo. Infelizmente a thread já andava pelo 271º tweet quando o redator percebeu)
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