Thread by @drunkeynesian

Senta que lá vem enxurrada de ideias soltas: (1/n)

Na época das eleições, eu gostava de caracterizar a disputa como "O Leopardo" x "Desta vez é diferente". Pela tese do Leopardo, o sistema político já tinha mudado para que tudo continuasse como estava.

2/n

A tese concorrente era que o sistema de partidos ia colapsar e que os fatores que antes importavam para decidir os resultados já não contavam tanto. Esta, claro, se provou correta.

A disputa pelas reformas e o resto da agenda legislativa do governo é uma continuação disso. Para não trair as promessas de campanha, o governo precisa continuar testando os limites do "desta vez é diferente".

O "diferente", uma vez iniciado o governo, é romper com o presidencialismo de coalizão. O problema, claro, é o que colocar no lugar. Já foi tentada (e, aparentemente, abandonada) a ideia esdrúxula de formar uma base no congresso com bancadas temáticas.

No lugar disso, apareceu a tentativa de agradar as bancadas por estados, também próxima de fracassar, acho.

Na entrevista de hoje no Estadão, Paulo Guedes ilustra bem essa tensão:

Claro que, de uma hora pra outra, os partidos não viraram programáticos. Justo o contrário -- os dois partidos grandes com algum traço de programatismo foram derrotados (e um deles se opõe à agenda liberal).

Em resumo: o Congresso quer a "velha política" -- que, em grande medida, é parte indissociável do presidencialismo multipartidário. O governo, por convicção, inocência ou cinismo, insiste no "novo". E o país espera por reformas.

Minha opinião: reformas só saem quando o governo reconhecer esse limite do "desta vez é diferente" e abraçar a velha política para montar uma coalizão minimamente estável. Não sei o que vai levar a isso -- tempo, derrota em votações, piora dos mercados...

Também há a opção de insistir na ruptura, que implica em enterrar de vez o sistema político atual. Isso pode ser feito com os militares ou com o Congresso derrubando mais um presidente e se convencendo que só falta formalizar uma mudança para o parlamentarismo.

(Claro que isso é uma hipersimplificação, há muitos outros atores envolvidos.)

O que parece menos provável é o Congresso se alinhar com a agenda do governo por convicção ou alguma forma de adesismo automático. Parece claro que o Executivo é fraco e depende muito mais do Congresso do que o contrário.

A outra tese, que vou deixar pra outro episódio de verborragia, é que todo esse aparato de redes sociais e quetais é muito menos poderoso e relevante do que parece. O que realmente importa, como diria o @vncarrasco , é pra que lado vão se mexer os 11,6% de desemprego.

(Isso também é uma hipersimplificação, claro, mas paro por aqui.)

Na semana que passou, começou a ficar claro que o governo está dobrando a aposta no "desta vez é diferente", agindo mais para alimentar o confronto com o Congresso do que para construir uma coalizão.

No limite, isso vai levar a uma ruptura no sistema político. Nunca esperaria que isso fosse tão rápido, mas não parece que um dos lados vai se dobrar tão cedo. Talvez a piora dos mercados e a piora da perspectiva econômica (e de popularidade do presidente) mude alguma coisa.

Como em tantas vezes no passado, passa a ser fundamental saber se as forças armadas vão se alinhar com a Constituição ou se estariam dispostas a bancar uma aventura autoritária. Que tragédia.