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1.A prisão da professora Camila Marques, do IFB/GO, hoje pela manhã, remete a duas discussões urgentes: sobre o crime de desacato e sobre autonomia universitária e liberdade de cátedra.
2.Em dezembro de 2016, no REsp 1640084, a 5ª Turma do STJ decidiu que o crime de desacato (art. 331 do Código Penal) seria incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).
3.A Turma compreendeu que “A criminalização do desacato está na contramão do humanismo” e que o afastamento da tipificação não impediria responsabilização posterior pelo abuso da liberdade de expressão.
4. No entanto, no HC 379269, julgado em 2017, a 3ª Seção do STJ entendeu pela manutenção da tipificação do crime de desacato.
5. O tipo teria por finalidade a “proteção da condição de funcionário público e, por via reflexa, em seu maior espectro, a honra lato sensu da Administração Pública”. Esse entendimento vem sendo adotado pelo tribunal desde então.
6. No HC 141949, julgado em 2018, a Segunda Turma do STF endossou o entendimento do STJ e destacou que “O desacato constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente, da própria dignidade de quem a exerce”.
7. Esses entendimentos confrontam as manifestações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o tema. Desde, pelo menos, 1994, a CIDH tem produzido relatórios sobre a incompatibilidade da tipificação do crime de desacato com a CADH, recomendando sua derrogação.
8. A CIDH já registrou “que éstas normas siguen siendo utilizadas por las diversas autoridades públicas, con el objeto de acallar a sus críticos, lo que trae consigo una limitación a la libertad de expresión en esos Estados, y que el sistema democrático pueda verse debilitado”.
9. A persistência da tipificação do crime de desacato se mostra, portanto, incompatível com um ambiente político democrático e plural.
10. Em 2018 a PGR propôs ADPF 548 p/ suspender todo ato que “determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades(...), o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos”
11. O Andes ingressou como amicus curiae na demanda e defendeu que “A liberdade de expressão é fundamental para a produção do conhecimento, em especial em momentos tão delicados como o que vive a nossa sociedade. (...)
12. (...) As universidades devem ser reconhecidas como espaços plurais e de diversidade, onde o pensamento e a liberdade são imperativos necessários para toda a população docente e discente”.
13. A ministra Cármen Lúcia deferiu medida cautelar na ADPF 548 e manifestou que “Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de manifestação há nulidade a ser desfeita. (...)
14.(...)Quando esta imposição emana de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade administrativa policial)mais afrontoso é por ser ele o responsável por assegurar o pleno exercício das liberdades,responsável juridicamente por impedir sejam elas indevidamente tolhidas”.
15. A ministra destacou ainda que “Exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo, que é a providência sem causa jurídica adequada e fundamentada nos princípios constitucionais e legais vigentes”.
16. Afirmou também que “Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos.”
17. A medida cautelar foi posteriormente referendada pelo plenário do STF.
18. Toda a solidariedade à professora Camila. Que ela não seja impedida de exercer a docência com liberdade e autonomia por aqueles que têm investido contra a liberdade de pensamento e a pluralidade de ideias.
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