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1) Terminei de assistir ao documentário "1964: entre armas e livros", que fez muito barulho. Por ora, vou me restringir a 1 questão específica: trata-se de uma narrativa exagerada, que superestima o papel da URSS na América Latina e sua influência sobre as lideranças brasileiras.
2) O filme, entre outras coisas, pinta a eleição de JK e a construção de Brasília como parte da conspiração comunista, trata Jango e Brizola como agentes de Moscou e exime os 🇺🇸 de responsabilidade sobre o golpe. Olavão chega a dizer que a ação da CIA no 🇧🇷não passa de "ficção".
3) A partir da documentação do StB, serviço secreto tcheco (que tb abastece o livro "1964: o elo perdido"), quer-se inverter o sentido da história com base na tese de que a URSS conspirava ativamente no 🇧🇷 e que os EUA somente observavam de longe. Mas há problemas metodológicos.
4) Primeiro: há a presunção de que, se havia *atividade* do serviço secreto soviético no 🇧🇷, certamente ela era capaz de moldar os resultados políticos do país. Mas a causalidade é muito mais fraca do que sugere a narrativa do documentário, como mostram documentos da própria CIA:
5) Este é um relatório de 1982. Há vários outros, até + detalhados. Esse diz o seguinte: "os soviéticos possuem laços com *alguns* partidos comunistas latino-americanos desde os anos 20, mas até os anos 60 eles fizeram poucos esforços para expandir sua influência no hemisfério". 
6) A virada do envolvimento soviético na região se deu com o alinhamento de 🇨🇺 c/a URSS em 1961 (e não em 1959, como diz o filme, que suprime, convenientemente, o episódio da Baía dos Porcos). Isso enfraquece a estranha ideia de que Jânio era comunista pq condecorou Che Guevara.
7) MAS--segue o relatório--na década de 60 "a URSS não desafiou frontalmente a dominância dos EUA (...), desencorajava partidos comunistas a se engajar em violência e relutava em apoiar grupos esquerdistas que defendiam a revolução" - que os soviéticos diziam ser "aventureiros".
8) A tese de que os soviéticos estavam buscando minar a influência norte-americana no hemisfério, e não o contrário, é também sustentada pelo general russo Nikolai Leonov, ex-vice-diretor da KGB, em palestra de 1998. Ele afirma que os soviéticos não gostavam da extrema-esquerda.
9) Era mais importante incitar sentimentos anti-americanos em lideranças nacionalistas ao redor do hemisfério do que apostar em extremistas. O mesmo vale para as ações de inteligência: a KGB trabalhava para prejudicar os EUA - e não para difundir o comunismo revolucionário.
10) Problema 2: o filme ignora TODAS as evidências de envolvimento dos 🇺🇸antes/durante o golpe. Há documentos da CIA e teses fartamente documentadas de @Carlos_Fico, Moniz Bandeira, René Dreifuss, Ruth Leacock, W. Michael Weis, Jan Black, Phyllis Parker. nsarchive2.gwu.edu//NSAEBB/NSAEBB…
11) Problema 3: há 1 tentativa de minimizar a existência de um golpe e o papel dos militares. Admite-se um golpe parlamentar, já que Jango não havia fugido do país, mas se insiste na tese de que Castello foi eleito democraticamente. As ilegalidades são tratadas com naturalidade.
12) Mas a própria CIA admite as ilegalidades. Em relatório publicado em 22/04/64, eles apontam para 1 operação de "limpeza" anti-comunista, iniciada antes mesmo da chegada de Castello ao poder, "dura e arbitrária", mas só com "incidentes isolados de tratamento brutal de presos".
12) A cereja do bolo: em telegrama enviado pelo embaixador Lincoln Gordon ao Depto. de Estado, em 28/03/64, ele mesmo indica o movimento golpista de Castello Branco como o mais estruturado e com maior potencial para evitar que o Brasil se transformasse numa "China dos anos 60".
13) Tem + problemas, claro. Só quis apontar a tremenda fragilidade historiográfica da tese do documentário. Apesar dos documentos interessantes da StB, o resto é uma mescla de deturpações e generalidades defendidas por figuras que, aparentemente, não são especialistas no assunto.
Só para somar ao conjunto de argumentos: Robert Wesson foi professor de Stanford e um estudioso sobre União Soviética e América Latina. Deixei algumas partes em destaque corroborando o argumento.
