- O senhor me leva em Ipanema, na Rua Joana Angêlica, 97, um quarteirão antes da Lagoa.
- Sim senhor, vamos lá.
- E o trânsito, como está?
- Olhe... Está como sempre, ruim, ainda mais que vai acontecer um acidente logo, logo.
- Não, vai acontecer um acidente.
- Como assim? Além de taxista o senhor é vidente também?
Rindo, ele respondeu - Acidentes sempre acontecem. O povo é muito imprudente no volante.
- Eita... Mas se o senhor está com muito sono, não é melhor dar uma parada?
- Mas não posso parar, estou no meio de uma corrida.
- Impossível, senhor. A verdade é que nunca lhe falei que estava com sono. Desde que o senhor entrou, fiz um esforço enorme para que não notasse que estava quase dormindo.
- Mas agora não adianta... Só adiantaria se tivesse falado enquanto estávamos vivos. Agora não adianta.
- Do que você está falando, maluco? Não houve acidente nenhum e nem estou morto!
- Mas que absurdo! Pare o táxi que quero descer.
- Vou parar, mas o senhor não vai conseguir descer.
- Pronto, pode abrir a porta.
Minhas mãos não reagiram. Era como se estivessem chumbadas, impossibilitadas de movimento; como se meus braços não respeitassem a vontade do cérebro, ou como se forças desconhecidas agissem sobre mim
Depois de algumas tentativas, desisti e falei:
- Não consigo abrir. Não consigo mexer minha mão para abrir a porta. O que está acontecendo?
- Mas não consigo entender... O senhor diz que tivemos um acidente e que morremos, mas não senti nada... Como é possível?
- O tempo é bem relativo aqui. O senhor provavelmente lembra que foi assim, mas pode ter sido de outra forma.
- Sim...
- Entramos na traseira de um caminhão e morremos na hora?
- Sim...
- E eu não consigo sair do carro? Estou preso?
- Como eu disse, por vezes ficamos presos à nossa morte e suas circunstâncias.
- A Ísis vai esperar por cerca de uma hora, vai se irritar com sua demora e vai ligar para você, mas o celular quebrou na batida...
- Que merda...
- E meu pai? Somos somente eu e ele no mundo. Ele vai ficar destruído sem mim...
- Sim, vai...
- Talvez eu não seja o taxista, seu companheiro de morte. Talvez seja somente alguém que está aqui, um reflexo do motorista, para te explicar as coisas e te dar um pouco de tranquilidade.
Estava atordoado pela enxurrada de informações, completamente angustiado com tudo aquilo, todas as respostas de vida e morte a meu dispor.
- Sabe me dizer desde quando estou morto?
- Exato...
- Mas, se posso estar morto faz anos, por que somente agora estamos tendo essa conversa? Por que só agora você resolveu me explicar isso tudo?
- Ou está pronto a aceitar.
- Bem, realmente, depois de tudo, me sinto em paz.
- E por falar em paz, chegamos: rua Joana Angêlica, 97. Creio que agora você consegue abrir a porta.
Não importa o que me prendia, agora eu estava livre. Mas, cabeça baixa, ainda tinha perguntas que precisavam ser feitas.
- Ísis ainda mora aqui?
- Pensa no senhor todos os dias, todas as horas, principalmente antes de dormir. Por um tempo, evitou fotos suas pela casa, pela dor destroçante que traziam, mas conseguiu seguir a vida e vive bem...
- Ainda se culpa muito por tudo. Talvez precise dirigir por mais algum tempo até que possa, finalmente, estacionar e sair deste táxi, igual você vai fazer agora.
Me despedi comum aceno de cabeça, um sorriso, e sai do táxi completamente sem rumo.
É estranho morrer, ou ter a consciência dessa morte. É simplesmente se deparar com a inexistência de qualquer indicação sobre um caminho a tomar.
E ali, diante do prédio onde Ísis tinha morado, onde fomos felizes e onde nos amamos por tantas vezes, simplesmente, já não havia nada para mim ali.
Sentia que era preciso andar, então lembrei da praia que ficava tão pertinho dali, o local onde sentamos tantas vezes pra ver o pôr do sol, e por que não?
Estava morto, e mar me ajudaria a pensar.
Fim
Em grande parte, ou quase na totalidade, isso foi um sonho que tive em 2015.
Do sonho, lembrei perfeitamente de todos os diálogos e sensações quando acordei. Na época, lembro de ter despertado chorando, e corri para escrever.
Em Belém, 17/06/2015.