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O que Hulk Hogan tem a ver com as mesas redondas sobre futebol?

Para entender o que vem acontecendo na mídia esportiva brasileira, talvez seja importante entender um pouquinho sobre wrestling (ou tele-catch aqui no Brasil)

Vamos para mais um fio.
Pra quem não sabe, tele-catch foi um programa de extremo sucesso nos anos 60 e 70. Homens gigantescos com um senso de moda questionável se encontravam num ringue para cair na porrada.

Basicamente uma luta-livre, com a diferença de que tudo era armado. E todo mundo sabia.
No Brasil, o tele-catch teve sucesso meteórico e revelou ícones nacionais como Ted Boy Marino e outros. Mas a coisa não durou muito.

Mas nos EUA... Ahhhh, nos EUA... O wrestling é até hoje um dos maiores mercados de entretenimento por lá! Vale a pena entender esse fenômeno.
O genial @wisecrack fez um vídeo () há um tempo explicando um conceito central do wrestling: kayfabe (lê-se keifêibe mesmo).

Em resumo, é "a mentira que todos acreditamos". Ou seja, todo mundo sabe que aquele mundo é ficcional, mas o trata como verdadeiro.
É mais ou menos como o Papai Noel. Todo mundo sabe que não é verdade, mas como todo mundo "acredita" e entra no jogo, não importa se é real ou não!

Kayfabe é esse mundo maravilhoso que existe entre a realidade e a ficção.
Os lutadores são atores, as lutas são combinadas, mas a torcida e a mídia agem como se tudo aquilo fosse real.

O maior pecado que um lutador de wrestling pode cometer, inclusive, é quebrar o Kayfabe. Até mesmo fora do ringue eles se comportam como seus personagens.
E o mundo do wrestling se estende mesmo muito além do ringue. Não são apenas lutas pontuais. Existe uma longa e elaborada história que vai se desenrolando no tempo, com vilões, mocinhos, disputas, vinganças...

É tipo Malhação, mas com malhação de verdade.
É óbvio que os fãs não são idiotas. Eles sabem que tudo aquilo faz parte de um universo ficcional.

Mas não é a realidade que importa. É a história. Os acontecimentos não são verdadeiros porque são reais. São verdadeiros porque é divertido.
Afinal, pq as pessoas "acreditam" em uma narrativa construída artificialmente?

Ora, pq não? Quem não gostaria de viver dentro de uma história imprevisível, cheia de vilões e heróis, ação e drama em vez de pegar o ônibus lotado e trabalhar o dia todo pra pagar boletos atrasados?
Agora pense por um minuto... O mundo do futebol sempre teve suas narrativas próprias. Mocinhos, vilões, histórias de glória e superação... A gente ama o futebol justamente porque ele é uma representação da vida - não da vida real, mas de uma muito mais maravilhosa e excitante.
E esse sempre foi um papel importante da mídia. Nelson Rodrigues bradava contra os "idiotas da objetividade" justamente porque entendia que seu papel era muito maior do que descrever como uma esfera de couro foi chutada por um homem comum para dentro de um retângulo branco.
Mas o mundo mudou. Com as redes sociais, clubes e jogadores são, além de tudo, criadores de conteúdo. Eles mesmos têm o poder de contar suas histórias.

Além disso, as mídias independentes ganham força construindo narrativas alternativas.

A mídia tradicional perdeu seu espaço.
Precisavam de um pulo do gato. E ele veio, ou está vindo.

Os agentes da mídia não podem mais apenas de limitar a escrever o roteiro. Eles precisam entrar em cena e se tornarem personagens das histórias. De preferência, protagonistas.
Assim como no wrestling, temos mocinhos e vilões, temos os ponderados, os sem-noção. Tudo roteirizado e ensaiado como um grande show. Cada soco bem dado é, na verdade fruto de muitas horas de ensaio.

Os personagens estão em cena. E o público? Quer acreditar que tudo é verdade.
Existem alguns fãs de wrestling que perdem a noção da realidade. Ficam tão imersos no kayfabe que não conseguem distinguir mais o que é realidade e o que é ficção.

Somos nós assistindo as mesas redondas e dando RT reclamando a cada absurdo dito.
Ninguém de fato acredita que o Real Madrid não ganharia a Série B e a discussão sobre quem joga o melhor futebol do país é absolutamente irrelevante. O que importa não são os fatos, mas a história.

Só existe a narrativa - e os personagens estão lá para o enredo poder andar.
A história não se encerra no jogo. Aliás, ele importa pouco nesse mundo - e é por isso que as mesas redondas falam tão pouco do que de fato aconteceu em campo.

Vivemos um drama que preenche 24h de programação durante 365 dias em meia dúzia de canais. É preciso ter assunto!
Segundo um artigo do NYT (citado pelo Wisecrack), o presidente da CNN vê seus painelistas pró-Trump como "personagens num drama"

Vivemos no mundo do kayfabe. Para a indústria do entretenimento, a vida real não basta.

E jornalismo se confunde com entretenimento há muito tempo.
No fim das contas, isso tudo não se limita ao mundo do esporte. Boa parte dos acontecimentos políticos atuais podem ser analisados por essa lente.

Mas esse é um perfil dedicado ao futebol, então é melhor ficar por aqui.

Você faz parte disso se quiser. Só não se perca no kayfabe
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