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Sobre o aumento do preço da carne, hoje tive uma reunião do grupo de pesquisa. E eu adoro que essas reuniões começam em textos historiográficos e quando vê a gente tá discutindo o preço do feijão - ou, no caso, do patinho.
Mas uma das coisas que discutimos foi justamente o quanto os aumentos dos preços dos alimentos parecem, para nós, um ato quase divino. Decisões muito afastadas dos consumidores - e até dos distribuidores -, mas que definem o preço de um produto que é vital para muitos.
A nossa lógica de impessoalidade nos mercados faz com que diante de um aumento de preços abrupto - como o da carne - nos coloca numa situação insólita: vai reclamar com quem?

Sem ter com quem reclamar, nos resta uma resignação sofrida.
Nisso, comentamos as estratégias dos mais velhos nos açougues, reclamando da carne, pedindo determinado corte limpo, averiguando, inspecionando... Dá uma vergonha da avó que pára a fila do açougue do supermercado, mas é que sua forma de lidar com os mercados era diferente.
Contei para os alunos de como era normal a compra da carne para ser moída em casa, como ocorriam certas fraudes nos mercados e como o princípio da pessoalidade e da honra do comerciante era determinante nas relações que os sujeitos travavam nas feiras e nas praças.
Para muita gente, até um tempo atrás, o mercado era um lugar. Não um deus onipresente e onipotente que, ao acordar de mau-humor, joga o preço de uma commodity lá em cima (ou lá embaixo).
O que a leitura tradicional da economia política convencionou chamar de superstição (Adam Smith e seus comentários sobre os saques nos mercados dão essa tônica) a História Social resgata e, ao invés de achar que as pessoas são burrinhas, passamos a investigar...
...como é traumático, para as pessoas, não conseguir mais compreender a lógica da economia, pois ela agora está ligada à dimensões cada vez mais impessoais. Do espaço vivo e caótico do mercado, onde as negociações são pessoalizadas, entram razões que são exógenas às comunidades.
Isso não significa apelar para uma economia mais pessoalizada, um retorno ao passado, ou qualquer coisa do gênero. Más é entender um trauma que o capitalismo contemporâneo gera, onde não conseguimos mapear o vôo da borboleta azul.
Esperta era a nossa avó, que tratava os comerciantes com relações de confiança, esperando que houvesse um abastecimento justo, por um bom preço...e que travava essa negociação com sagacidade.

Nós, cada vez mais homo economicus, não nos preocupamos com honra ou sagacidade.
O supermercado é, no final das contas, o templo dessa impessoalidade. Um panóptico com prateleiras coloridas, sem nenhuma janela. Uma espécie de curral da docilidade do consumidor, que se torna incapaz de acompanhar as inúmeras cadeias de produção e distribuição que estão ali.
A ministra Teresa Cristina acredita piamente nesse modelo. Ela acha que as pessoas vão simplesmente se acostumar com o preço da carne e pronto, que nem adianta reclamar.

Pode ser.
Mas espero que ela se acostume com as formas tradicionais pelas quais os sujeitos são obrigados a lidar com privações de alimentos porque o "deus-Mercado" assim decidiu.

Superstição, ou não, as pessoas não encaram com muita passividade a privação e a carestia, não.
PS: Em tempo, vocês estão preparados para reincorporar o termo "carestia de vida" na linguagem jornalística?
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