JORNALISMO E WISHFUL THINKING
Vou tentar resumir o raciocínio de muitos jornalistas. Sigam o fio.
Vou tentar resumir o raciocínio de muitos jornalistas. Sigam o fio.
Eles pensam assim. Bolsonaro é muito ruim mesmo, mas o que salva o governo é Moro e Guedes. O primeiro porque está contribuindo para limpar a política dos corruptos e melhorar a segurança pública, tratando os bandidos com rigor.
O segundo porque está contribuindo para abrir a economia, fazer as necessárias reformas e diminuir o peso de um Estado ineficiente. Moro e Guedes estariam apenas se aproveitando do governo Bolsonaro para fazer o que é certo, independentemente de quem seja o presidente.
Na cabeça desses jornalistas é como se houvesse três governos. O do presidente Bolsonaro, coitado, que já faria muito se não atrapalhasse. O do "presidente" Moro, dos que querem um mundo limpo. E o do "presidente" Guedes, dos que querem uma economia liberal.
Ocorre que tudo isso é wishful thinking. As coisas não são assim na realidade.
Moro não está mais à frente do combate à corrupção, desde que largou a magistratura para virar auxiliar de Bolsonaro.
Guedes nunca foi liberal no sentido político do termo e até prefere in pectore um governo autoritário que lhe permita aplicar suas fórmulas econômicas liberalizantes (para ele o jogo político no parlamento atrapalha ou atrasa o que deve ser feito).
Só há um presidente, que se chama Jair Bolsonaro, ao qual servem (servilmente) tanto o ex-juiz punitivista quanto o economista i-liberal em termos políticos. Ambos jamais esboçaram qualquer crítica ao Messias que lhes empregou. Pelo contrário, prestam vassalagem ao soberano.
Os feitos passados de ambos também não justificam os juízos sobre eles. Moro, à frente da Lava Jato, condenou 155 pessoas, das quais cerca de 30 estão presas, mais isso não é capaz de limpar a política da amazônica corrupção endêmica que contamina dezenas de milhares de atores.
O showoff midiático, de prender alguns selecionados mega-corruptos (Cunha, Cabral, Geddel, Lula), não teve o resultado pretendido. Todos os estudos mostram que o efeito dissuasório, na base da sociedade, da punição de duas ou três dúzias de ricos, poderosos e famosos, é pequeno.
O pacote da segurança, que Moro enviou ao Congresso, era - em grande parte, reciclagem de um projeto que já estava na casa e que foi elaborado por uma comissão liderada pelo ministro do STF Alexandre de Morais.
O que Moro incluiu foi apenas alguns jabutis autocráticos, que violam a Constituição, como a licença para matar (excludente de ilicitude). Mesmo este pacote foi tratado com displicência pelo (verdadeiro) presidente Jair e o "presidente" Moro nada pode fazer para priorizá-lo.
Guedes, à frente do ministério da Economia, também não foi decisivo para a aprovação das necessárias reformas. Aliás, só uma reforma foi aprovada - a da Previdência - e não particularmente pelas virtudes do governo e sim pelo protagonismo do parlamento.
As demais reformas, como a fiscal ou tributária e a administrativa, estão paradas, por interesse do (verdadeiro) presidente Jair e o "presidente" Guedes nada pode fazer para acelerá-las.
Conclusão. Moro e Guedes são auxiliares de Bolsonaro, não presidentes alternativos. No primeiro momento em que ousarem criticar o titular (o verdadeiro presidente), serão colocados na rua.
No primeiro momento em que afirmarem que membros da família governante também devem ser investigados, serão crucificados. No primeiro momento em que não se manifestarem a favor da reeleição do chefe, serão marginalizados.
Por isso a reação de Moro diante do episódio do porteiro foi mandar a Polícia Federal investigar a testemunha e ameaçar enquadrá-la na Lei de Segurança Nacional.
Por isso a reação de Guedes diante da ameaça de Eduardo Bolsonaro de volta do AI5, foi reafirmar o que ele disse, sob a justificativa de que seria um instrumento contra a radicalização dos protestos de rua (esquecendo que o AI5 foi medida de um golpe dentro do golpe militar).
