Acho que tive hoje uma ideia semi-original sobre o sentido da vida. Junta ideias de filósofos como Susan Wolf e Desidério Murcho com um pouquinho de economia. Estava pensando mais a respeito, desde que vi o Pewdiepie homenageando youtubers muito jovens que morreram em 2019.
O que diz o Desidério, interpretando as ideias de Wolf, é que o sentido da vida é uma "entrega ativa a projetos de valor". A morte desses youtubers é especialmente deprimente, prima facie, porque não parece ter muito valor o que eles faziam.
O senso comum contém a ideia de que o trabalho é bom e o ócio é ruim. Por mais que haja um estigma, ser youtuber é um trabalho. Quem já tentou ser, sabe que demanda tanta dedicação quanto qualquer outro trabalho. Então não é verdade quer ser youtuber é ser ocioso.
O senso comum contém a semente da formulação do Desidério: a dedicação (entrega ativa) e os projetos (trabalho). Fica faltando "valor". Que valor tem comentar temas fúteis para uma audiência, ou limpar o chão para quem te despreza, ou se confinar num cubículo 8 horas por dia?
Valor intrínseco não parece ter. No entanto, aqui entra a parte econômica. Mas não para reduzir valor ao econômico. Minha ideia é: se você participa do mercado, é uma engrenagem num sistema que mantém milhões de pessoas afastadas da pobreza, da fome, do sofrimento e da morte.
Ao pensar em vidas de valor, é consensual que são valiosas vidas doadas por pessoas que fazem atos heroicos para poupar outras vidas. O mercado poupa inúmeras vidas do sofrimento e da extinção. Assim, o senso comum está vingado, e esses youtubers não viveram totalmente em vão.
Percebam que não estou alegando que devemos viver de qualquer jeito, contanto que estejamos trabalhando, pois não importa o que fazemos nossa vida terá valor automático. Digo outra coisa: que, quando participamos, estamos contribuindo para algo que em última análise tem valor.
Então consegue algum valor mínimo para a própria vida quem se dedica a alguma coisa na imensa rede de trocas que temos. A boia que nos mantém flutuando, com relativo conforto agora nos anos 2020, num Cosmos imenso e indiferente a nós.
P.S.: Se comecei o ano pensando, comecei o ano bem.
Esse tema causa muita ansiedade. Conceder que há uma definição potencialmente objetiva de sentido da vida é arriscar afirmar que algumas vidas valem mais que outras. Ou, o que seria mais preciso, que há modos melhores de viver que outros (o que é menos controverso de se dizer).
Quase todo mundo acredita que há modos melhores de viver que outros. Se não, não criticaria nem se irritaria com quem vive mal, perde tempo, faz crueldade e age como parasita, nem se entristeceria com a hipótese de os niilistas terem razão. Que é a que pretendemos derrubar.
Não pretendo que isso ajude a dar grande conforto a quem sofre por essas mortes. Ainda são uma enorme perda de potencial humano. Creio que pensar a respeito com cuidado, no entanto, nos ajuda mais que promessas de vida após a morte sem qualquer evidência.
