Thread by @louverture1984

O caso da saída da economista Zeina Latif, da XP Investimentos, é uma prova e tanto de algumas atualidades do pensamento marxista. E não sobre economia, não, mas sobre política mesmo.

Trocando em miúdos: vejam o grau de delírio de quem tem capital no Brasil.

Primeiro, quem tem capital é quem tem dinheiro para comprar trabalho que lhe gere um valor maior do que o que tinha inicialmente. Você contratar um serviço não te torna capitalista. Seu Pálio 1.0 não é meio de produção. Sua casa com prestação a quitar sequer é sua, certo?

Dito isso, tem algumas pessoas no Brasil que têm capital mesmo. Que entram no mercado financeiro e tão ali, apostando no crescimento (ou na crise) de empresas variadas, sem ligar para o quanto isso afeta a vida de quem tá lá, trabalhando nesses lugares.

Isso estabelecido, a XP Investimentos é basicamente uma empresa que ajuda essa galera a gerir seus investimentos. E ela deveria dizer, conforme o movimento da economia, onde que é legal investir, ou não.

O relato da Zeina Latif, contudo, é que a XP não tava fazendo isso.

Ou melhor, que ela tá dourando a pílula, dizendo que a economia tá boa, estimulando os capitalistas a investirem mais dinheiro, dizendo que vão obter crescimento futuro. E a galera lá, investindo. E nunca tivemos tanto volume de investimentos na bolsa quanto nesse último ano.

"Mas a economia tá bem, né?" Não, não tá. Consumo baixo, o montante de dívidas só cresce, não tem retorno. Um bom sinal disso é a quantidade de evasão de divisas estrangeiras no Brasil - os gringos não estão interessados em torcida, eles querem resultado concreto e não tão vendo.

O certo seria esse pessoal que tem capital então dizer: "opa, tem algo errado na economia", mas eles preferem dizer para tocar ficha! Continuem investindo! Vai dar certo.

Mas vai dar? Pois é, talvez se rolar um deus ex machina, pode dar certo...

Mas o caso da economista da XP é que ela não podia dizer isso para os investidores porque a própria empresa que ela trabalhava queria manter esse estímulo otimista no mercado.

E aí vem um grande acerto de Marx: esse auto-engano é fundamental pra fortalecer o autoritarismo.

No 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Marx cita revista "The Economist" (2011, p. 121): "Em todas as bolsas de valores da Europa, o presidente passou a ser reconhecido como a sentinela da ordem".

A burguesia europeia ficou eufórica quando aquele bagaceiro do Napoleão III...

...deu um golpe de Estado e as bolsas todas subiram rapidamente após o seu trunfo. De fato, entre 1851 a 1881, a França foi o país em que as bolsas tiveram maior registro de atividade econômica no mundo:

globalfinancialdata.com/french-investo…

Mas a economia da França não vingou? Bem, menos pela bolsa e muito pelo colonialismo francês - que é o segredo mais bem guardado da acumulação capitalista europeia nos séculos XIX e XX, convenhamos. Sem essa expansão do mercado francês baseada na violência e no genocídio...

...não tinha crescimento.

"Mas qual o seu ponto"?

Que há muito auto-engano entre aqueles que detém o capital. E eles topam aceitar ficar só na bolsa de valores, protegidos por um cão de guarda ignorante e tosco.

O fato da ex-economista da XP Investimentos falar disso tão francamente mostra que certas coisas não mudam. E, claro, tem que se perceber que enquanto investidores caem no papo otimista, parte dos fundos dele estão sendo drenados...mas isso é uma outra discussão.

O complicado de toda essa novela é que a galera do auto-engano tá aí na televisão, jornais, rádio, internet, todo santo dia, tentando vender sensação de normalidade econômica. E, claro, sempre tem aqueles que caem nessa...

Segue aqui a matéria do Valor (bem ruinzinha diga-se de passagem): valorinveste.globo.com/mercados/brasi…