Thread by @lftofoli

GEOSMINA, você já a conhece e não sabia.

Desde que a água 'tratada' do Rio de Janeiro veio com gosto (e, em certo momentos, com cor) de terra vocês começaram a ouvir falar desta ilustre desconhecida, a molécula geosmina.

Siga o cordel e descubra que você já a conhecia.👇🏾

A geosmina é uma molécula produzida por organismos unicelulares, mas também é a responsável pelo gosto de terra de alguns alimentos humanos. Entre eles estão a beterraba (citada em uma infeliz declaração recentemente) e peixes de água doce como a carpa e o bagre.

O nome geosmina é de origem grega e quer dizer, não surpreendentemente, 'cheiro de terra'. O olfato humano é altamente sensível para detectar essa molécula. Ela pode ser identificada em concentrações tão baixas quanto partes por TRILHÃO. Consequentemente, afeta o paladar também.

Além de já ter comido geosmina na beterraba e em peixes de rio, você já a vivenciou em momentos mais bucólicos. Parte do agradável 'cheiro de terra molhada' é composto pela geosmina, produzida por certas bactérias e que sobe ao ar quando chove levemente sobre a terra seca.

Em inglês existe até uma palavra poética e científica para nomear o cheiro de terra molhada: 'petrichor'. Foi cunhada para um artigo publicada na @Nature em 1964. Ela é composta pelas raízes gregas para pedra e icor, o fluido etéreo que os deuses teriam no lugar do sangue.

No caso do fornecimento de água, porém, a presença de geosmina é um sinal de que algo não vai nada bem. Na maioria das vezes isso é causado pela contaminação por cianobactérias, microorganismos que só se desenvolvem em grande quantidade em mananciais ambientalmente degradados.

Em si, a geosmina é inócua. Embora torne ruim o gosto da água, não faz mal à saúde. Isso fez a subsecretária estadual de Recursos Hídricos do RJ minimizar a presença da molécula, ironizando que se ela fosse tóxica, a beterraba teria que ser proibida.

extra.globo.com/noticias/rio/p…

A geosmina é, porém, um sintoma. Ela indica que há crescimento de cianobactérias, que também sinalizam que a fonte da água que está sendo tratada está poluída por dejetos orgânicos que são, na maioria das vezes (perdoem meu latim) A NOSSA PRÓPRIA MERDA.

g1.globo.com/fantastico/not…

Se não bastasse isso, o episódio da contaminação do Rio Guandu com detergente ainda indica outro problema, potencialmente mais perigoso, que é o da contaminação industrial e seus subprodutos com inúmeros e diversos riscos à saúde.

Vale ainda lembrar que as cianobactérias em si não são inócuas. Algumas delas produzem a saxitoxina, aí sim uma substância associada a riscos. No Nordeste, muitos reservatórios de água, durante a seca, apresentam níveis aumentados destes organismos e desta toxina.

A equipe do @stevensrehen no @Institutodor e colaboradores demonstrou que a combinação da saxitoxina com a infecção do vírus zika durante a gravidez é a provável explicação do número aumentado de casos de microcefalia associada ao zika no Nordeste.

revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/…

Então me perdoem por começar esse cordel falando de coisas bucólicas como o cheiro da chuva e terminando com a urgência de discutirmos a forma desordenada e porca com o que lidamos com o que jogamos no nosso esgoto e com a água que vamos beber depois.

Motivado por uma sucessão de administrações incompetentes, a situação do Rio aponta para algo também representado pelo governo Bolsonaro: um PROFUNDO desrespeito pelo meio ambiente.

É bom a gente se ligar e mudar esse rumo, enquanto existem chuva e água para se beber.