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O Ministro Sérgio Moro anda alardeando que sua administração é responsável pela queda em certos índices de criminalidade. Vou resumir um excelente texto que saiu agora na New Yorker em um cordel para vocês entenderem o quanto isso é difícil de sustentar.

newyorker.com/culture/annals…
O artigo começa comentando o estudo que saiu em 2019 no Journal of Economic Behavior & Organization indicando que no estado americano de Washington, depois da legalização da maconha no fim de 2012, caiu o número de estupros e crimes contra o patrimônio.

doi.org/10.1016/j.jebo…
Querendo entender melhor sobre estes resultados, o autor do artigo na New Yorker, Matthew Hutson, entrou em contato com 75 delegados de estados onde a maconha foi legalizada nos EUA e perguntou sobre o estudo. As respostas dos delegados diante da pesquisa foram bastante variadas.
As reações foram desde a sugestão de que era óbvio que a criminalidade tinha não só diminuído, mas aumentado (e que os autores do estudo é que estariam chapados com a verdinha) até declarações de que fazer inferências sobre impactos na criminalidade eram muito difíceis.
Um ponto muito importante aqui é o fato de que NÃO SABEMOS exatamente se a legalização afeta a criminalidade, e se afeta, como. Esse não é um problema só ligado à erva, e sim à dificuldade que existe, na de se prever quais são os determinantes do crime em qualquer circunstância.
Um livro publicado em 2009, 'Handbook of Crime Correlates' (reeditado agora em 2019 mas ao qual o autor não deve ter tido acesso - e nem eu li) apontaria a dificuldade em se determinar as variáveis que preveem a criminalidade.

amazon.com/Handbook-Crime…
Depois de avaliar 169 estudos publicados de 1968 a 2005, o criminologista David Weisburd descobriu que, em média, cada estudo - apesar da inclusão de muitas variáveis - pode explicar no máximo 1/3 de cada mudança em uma taxa de criminalidade estudada.

journals.uchicago.edu/doi/full/10.10…
Uma revisão de 2018 indicou que as conclusões de 25% dos artigos de criminologia não puderam ser replicados ou tiveram replicações apenas parciais. Os autores da revisão entendem que esses números precisam melhorar.

doi.org/10.1146/annure…
Uma razão pela qual é difícil de prever o crime é que as estatísticas usadas nos estudos não são confiáveis. O artigo aponta isso detalhadamente no caso americano. Não há razão para duvidar de que o caos nos registros seja ainda maior no Brasil, com suas múltiplas polícias.
Além disso, além da complexidade sociológica do fenômeno criminoso, há a questão do efeito do tempo causando resultados variáveis, de como estabelecer causas (e não só associações) e a dificuldade de se fazer estudos aleatorizados controlados.
Outro problema, ainda, é saber o que pode ser generalizado ou particularizado de um país (ou mesmo de um estado) para outro. Mais o que isso, intervenções em uma área pode afetar outra, e as taxas de crime estão ligadas a diversos outros elementos sociais.
Um exemplo é um estudo que demonstrou que uma operação da polícia novaiorquina para aumentar o policiamento em bairros violentos provavelmente reduziu o crime, mas teve um impacto negativo no desempenho escolar de garotos negros.

journals.sagepub.com/doi/full/10.11…
Um grande problema nessa história é que muita gente acredita que a solução para a criminalidade é simples: mais punição e mais rigor policial. Isso lembra a máxima do jornalista americano HL Mencken sobre soluções simples para problemas complexos.
Isso também nos torna muito vulneráveis, em situações de crise de segurança, ao discurso de políticos que, sabendo ou não, apregoam respostas rápidas para o problema da criminalidade. É o que está fazendo agora o Ministro da Justiça.
Eis o fim do artigo:
"Talvez, sempre que alguém oferece uma explicação muito convincente para um aumento ou queda no crime, devemos ser cautelosos. [...] Ao ouvir uma explicação para sua ascensão ou queda, podemos perguntar: Que tipo de história essa pessoa está tentando contar?"
Portanto ao se examinar os resultados de criminalidade, o que se recomenda é muita prudência, algo que não temos tido de sobra neste país. É preciso duvidar, além de Sergio Moro, do que dizem ministros como Osmar Terra e Onyx Lorenzoni.
Vale, assim, nesse caso, seguir o conselho o Mago Merlim em 'A Espada é a Lei', para usarmos a metáfora de Sergio Moro. No filme, Merlim era a favor do estudo e do conhecimento ao invés da força bruta e da ignorância.

Ah, sim! Ele também ensinava que a Terra não é plana.
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Agradecimento: grato ao @Felippe_Angeli por ter dado a dica sobre esse texto. Valeu!

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@felippe_angeli PS: Na esperança de que a @VeraMagalhaes ou mais alguém na bancada do @RodaViva leia isso aqui. Se rolar #InterceptNoRodaViva a chance de cutucarem o ministro sobre isso é grande.
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