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Tem um negócio que eu estava esperando a oportunidade para tratar em um daqueles "threadzões de sábado", mas tem a ver com a última polêmica envolvendo o Ítalo e Nogué, então vou já adiantar um pedaço.

E o resumo da história é o seguinte: tem algo nessa treta que é fruto de...
... um problema generalizado da cultura brasileira, que é o culto às teorias. Quem chegou a ler as minhas newsletters, inclusive, sabe como eu acho isso extremamente importante. Os brasileiros têm muita dificuldade de entender a importância dos casos concretos.
Sem querer dar uma volta muito grande, creio que isso tem duas causas, uma simples e outra mais complicada. A simples é a seguinte: somos um povo de concurseiros. O nosso modelo de atividade intelectual é acertar a resposta correta e passar em uma prova (ENEM, vestibular, etc.).
(Deixo a complicada para outro dia, mas tem a ver com o fato de sermos uma sociedade muito traumatizada, o que diminui a capacidade de flexibilidade psicológica).

Essa cultura concurseira criou um "modelo nerd/CDF" da atividade de intelectual. A gente acha que intelectual...
... é o cara que fica lendo um tempão e sabe um monte de informações que pode um dia cair na prova.

O problema dessa cultura é que isso é, na melhor das hipóteses, uma ETAPA bem pequena da atividade intelectual. Inteligência mesmo é ter intuições originais sobre o mundo que...
... nos cerca, não repetir uma estrutura argumentativa pré-moldada.

E, por incrível que pareça, isso tem muito a ver com outro problema da cultura brasileira: o excesso de crítica. As pessoas adoram apontar defeitos nos outros e dizer porque algo está errado (ou vai dar errado).
Criticar é a coisa mais fácil do mundo. Nossa mente tem uma capacidade instintiva de olhar para qualquer objeto e imaginar o que seria uma versão melhor dele. Criticar, portanto, é só olhar para o que existe e abstrair algumas imperfeições aparentes.

Além disso, criticar é...
... uma atividade gostosa. O crítico se coloca imediatamente acima da coisa criticada. Com zero de esforço, o sujeito rapidamente se coloca como juiz de tudo.

Mas eis o que o crítico não enxerga: o trabalho que deu fazer aquele negócio. O crítico compara a coisa realizada...
... com uma versão ideal que está na imaginação dele. A imaginação, por definição, é o mundo sem atrito. Não entra na conta o trabalho que deu para fazer aquela coisa imperfeita -- muito menos o que seria necessário para torná-la ainda melhor.
Isso vale tanto para as atividades intelectuais como para as atividades mais práticas. É fácil você provar uma comida e dizer: "faltou sal, cozinhou demais, etc.". A crítica dura um segundo. Agora, você não sabe quanto tempo o sujeito passou cortando as verduras, misturando os...
... temperos, administrando vários panelas no fogão ao mesmo tempo. Ou seja, MESMO se você tiver razão que faltou sal, o que você não está vendo é CUSTO MARGINAL de otimizar mais ainda aquela receita.

O sujeito talvez tenha investido duras horas para chegar em 90% de...
... qualidade. Para ele chegar nos 100%, ele teria que negligenciar outras áreas da vida dela -- o que simplesmente não valesse a pena.

E eis o principal: o fato de você ter percebido que faltou algo NÃO é motivo para você se achar um gostosão. Você investiu só 2 segundos nisso.
O brasileiro começa a treinar esse hábito hiper-crítico no futebol. Toda segunda, em toda esquina brasileira, tem um barrigudinho reclamando que fulano de tal não sabe cabecear.

O mecanismo é o mesmo: a comparação é com o ideal e não com o próprio bucho.
E esse é o ponto onde a tara da crítica se encontra com a tara da teoria: em um mundo puramente teórico, até faz sentido ser bastante crítico. Afinal, o que importa é chegar na resposta correta. Em um mundo de concurseiros, faz sentido ficar discutindo se a resposta é A ou B.
Mas eis o problema dessa cultura: o mundo não é uma série de concursos e as teorias têm um papel muito pequeno na vida concreta. No máximo, a teoria é um mapa para montar estratégias de ações.

Viver é agir. Agir é tomar uma série de decisões no aqui-agora.
Ações concretas não podem jamais ser baseadas em teoria pura. O contexto faz toda a diferença. A vida se desenrola em um espaço multi-dimensional onde velocidade, força e vetores fazem diferença. A teoria nunca é suficiente para fazer nada.
Desde arrumar uma namorada até ganhar dinheiro ou eleições, o timing é fundamental. Ninguém fica rico com uma teoria: quem fica rico percebe uma demanda AGORA MESMO e corre para atendê-la. Não adianta nada tentar criar uma Amazon em 2020 -- o tempo já passou.
A crítica, portanto, só faz sentido em relações às atividades puramente teóricas. No mundo das atividades produtivas, ainda existe um papel válido para a crítica, mas ele é muito limitado.

Nas atividades produtivas, a crítica serve como um instante de revisão e aprimoramento.
Por exemplo, depois que eu termino um prato, eu mesmo me critico por alguns minutos (como ficou a textura, o tempero, etc.?). Esses minutos de crítica ajudam a planejar o próximo.

Mas eis o ponto: isso só serve por alguns MINUTOS de críticas, depois de HORAS DE PRODUÇÃO.
Você nunca vai aprender a cozinhar se ficar apenas comendo e falando mal do que os outros fizeram -- você pode até se achar um gourmet, mas você é apenas um chato.

A crítica de atividades práticas só é válida se vier de um MÉTODO IGUALMENTE PRÁTICO superior.
Nas minhas aulas de jiu-jitsu, por exemplo, é sempre ótimo quando o professor vem me criticar: é uma oportunidade de alguém que SABE FAZER algo mostrar uma alternativa superior.

Porém, fora desses contextos, não vale nunca a pena criticar atividades produtivas.
O valor da atividade produtiva não está na sua comparação com o ideal -- está na comparação entre os seus benefícios concretos e o custo que ela levou para existir.

Mesmo a receita imperfeita tem um valor enorme: ela não vai ganhar prêmios, mas vai alimentar uma família.
Do mesmo modo, bilhões de casas que não ganharam prêmios de arquitetura estão abrigando pessoas.

Se você proibir todas as casas não-perfeitas e todas as receitas não-perfeitas, você não vai construir uma utopia: você vai destruir a humanidade.
Aí eu entro na treta do dia: o Ítalo é um psiquiatra e educador. Logo, ele está claramente no ramo das atividades produtivas. O cara acorda, trabalha e faz com que um monte de coisas PASSE A EXISTIR por causa do trabalho dele.

Não faz sentido discutir se é perfeito ou não, mas..
... mas se tem valor ou não. E é claríssimo que tem um valor enorme: um monte de gente está sendo tocada pelo trabalho dele. Eu mesmo já indiquei para amigos e parentes que me falaram da importância do trabalho dele.

Logo, ficar questionando se tal estilo ou se tal...
... método é problemático só poderia ser feito se alguém tiver uma ALTERNATIVA PRÁTICA superior, ou seja, se alguém pudesse ter um impacto ainda mais positivo do que ele está tendo.

E é claro que ninguém tem. Se tivessem, os críticos deles viriam com recomendações práticas...
... que ele mesmo poderia adotar, e não com reflexões abstratas que visam atacar o valor do seu trabalho como um todo. Ou seja, no fim das contas, é a fusão entra a tara por teorias e a mania de criticar.

Inclusive, outro sinal de que esse tipo de crítica não é bem...
... intencionada, é que no campo das atividades produtivas não existe jogo de soma zero. Você não precisa derrubar o outro para subir. Se você acha que o trabalho de fulano não é tão bom assim, você pode simplesmente se concentrar no seu e fazer algo ao lado dele.
Para usar uma analogia simples: se você acha que tem alguém construindo casas feias, por que você não começa a construir casas mais bonitas? Se elas forem mais bonitas mesmo, você irá montar seu próprio público. Você não precisa ir lá derrubar o que os outros estão fazendo.
Mas é claro que a maioria não vai fazer isso. De novo, é muito mais fácil ficar criticando -- especialmente criticando a partir de princípios abstratos.

Agora ir lá e construir é outra história.
Por isso, eu adoto como divisa o seguinte: eu JAMAIS critico nenhuma atividade construtiva exceto na seguinte circunstância: eu tenho conhecimento suficiente da coisa e proximidade suficiente da pessoa para saber como ajudá-la a melhorar com meus comentários -- o que é raríssimo.
(Inclusive, isso é receita para felicidade conjugal. Eu jamais critico nada que se faz aqui em casa. Eu não sou juiz de ninguém. Eu fico apenas feliz quando algo novo passa a existir. Essa "cultura" pegou e a gente nunca reclama de nada. É uma maravilha.)
Obviamente, esse é só um ângulo dessa história. Outro ângulo é que toda treta que envolve o @opropriolavo ou algum de seus alunos faz um monte de gente que está puto com Olavo desde os anos 90 entrar na roda para alimentar o tumulto. É o eterno retorno do anti-olavismo.
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