Um postmortem do mercado, que ainda não morreu, nem se levantou:
Estou muitíssimo impressionado com o tamanho da alavancagem com que o mercado brasileiro operava. Depois de três pregões de limite de baixa, ainda não apareceu comprador a preços que parecem deprimidos.
Claro que o principal fator é global, mas, ainda assim: Bovespa é a pior bolsa do mundo, e não há sinal de que a venda esteja sendo liderada por estrangeiros (saídas de câmbio parecem bem controladas).
Por aqui, parece haver uma liquidação forçada geral, típica de mercado muito alavancado. Não importa o preço, a ordem é sair e pagar chamada de margem/zerar termo em corretora/respeitar limite de stop-loss ou VAR.
Isso parece também estar contaminando o mercado de juros, que voltou a preços inacreditáveis. Não achava que, tão logo, ia voltar a ver juros forward acima de 10%.
Se estou certo, não há muito que o Banco Central ou o Tesouro possam fazer, além de evitar distorções ainda mais grotescas no câmbio ou nos preços dos títulos públicos. É preciso que o mercado de ações "limpe", o que, em parte, depende de um mínimo de estabilização global...
...ainda que, a esta altura, já seria um alívio se a Bovespa parasse de destoar tanto das outras bolsas globais.
Os preços atuais, provavelmente, se provarão ridiculamente atrativos para quem estiver líquido, tiver estômago e puder esperar, eventualmente, alguns anos. Irresponsabilidade é achar que todo mundo pode se dar a esse luxo.
Muitos poupadores brasileiros foram do zero risco (CDI) a risco alto (100% bolsa) em poucos anos, sem entender nada ou muito pouco (talvez até mais perigoso) de riscos e mercados. É um efeito colateral dos juros terem caído para níveis civilizados.
Estão sendo pegos por um mercado que está deixando até excelentes profissionais de cabelos em pé. Vai ser um aprendizado muito custoso, e deve deixar sequelas (reputação arruinada de muitos gestores e alocadores, por exemplo).
O desafio do corona para nós, economistas, é tentar adivinhar quando a epidemia entra em controle ou para de assustar o mercado, e quanto isso vai custar para as empresas e afetar outras variáveis.
O choque é tão grande que nos tem feito questionar outras premissas de relevância muito maior: Política monetária ainda tem eficácia? Déficits importam? O Brasil é um caso de recuperação ou foi um soluço de uma economia em declínio secular?
Dependendo das respostas para essas perguntas, o que hoje parece barato pode se provar uma armadilha. Olhando para trás, o mercado parece estar se preparando para um cenário bem ruim que acho pouco provável de se materializar.
Mas, de novo, em mercados, como dizem, muito cedo = muito tarde = errado. Muita gente quebrou/vai quebrar tendo acertado o "big picture"; difícil, mesmo, é sobreviver a todas as chacoalhadas ao longo de anos. Fazer bem gestão de dinheiro é muito, muito difícil.
Por fim, minha torcida para esses tempos esquisitos: que sirvam para que recobremos o respeito por especialistas e experiência, gente que dedica uma vida a estudar e entender todas as facetas de um assunto.
Para viver, dependemos de ótimos epidemiologistas, médicos e formuladores de políticas públicas. Para preservar nosso dinheiro, dependemos de ótimos analistas, economistas, corretores e gestores.
Para ficar no que conheço bem, esse último grupo andava meio diluído em meio a muitos novos "gurus" (bem, não só esse último grupo). Acho que voltarão a se destacar. Darwin prevalece, às vezes.
Vou parar sem conclusão porque já serviu para organizar minimamente minha cabeça. Boa noite e boa sorte.
