My Authors
Read all threads
[1/32] “Os idiotas que nos governam” é o artigo do filósofo francês Fréderic Lordon que não só nos elucida sobre a situação passada pela França durante o período inicial da crise #coronavirus, mas lança importantes insights sobre a nossa própria situação no Brasil. Segue o fio.
[2/32] Na perspectiva do futuro (deles) para o presente (nosso), fizemos uma reflexão sobre os caminhos a seguir, a partir do artigo que, publicado no dia 19 de março, ainda por aqui, onde suposições já desmentidas no norte, são repetidas como verdades, [#coronavirusnobrasil]
[3/32] a reflexão está atualizadíssima. Traçamos: “Les connards qui nous gouvernent”: uma leitura da França ao Brasil. Em que a expressão “connards”, pode ser traduzida por “idiotas”, “imbecis”, “cretinos”, ou outra expressão de baixo calão semelhante. blog.mondediplo.net/les-connards-q…]
[4/32] F. London nos leva a pensar sobre os caminhos do capitalismo neoliberal até aqui e a consequência de termos “connards” a nos governar. Na França, para ele, a evidência é indiscutível quando a então Ministra da Saúde declarava no fim de janeiro que o vírus ficaria em Wuhan.
[5/32] Ou mesmo quando Blanquer, na manhã de 12 de mar., diz não haver razão para fechar as escolas e, na mesma tarde, é anunciado o fechamento de todas as escolas, “les connards qui nous gouvernent”, nada parece tão diferente daqui, salvo os dias de diferença.
[6/32] Por tweet, embora muito longe de chamar a crise de “histeria” ou “gripezinha”, Macron declamava, tal hipster do atelier de poesia colegial, diria Lordon, que nada seria capaz de tirar a nossa liberdade de se reunir nas salas de concerto ou nas festas das noites de verão.
[7/32] De longe, nem tão insensato assim, se comparado aos extremos dos nossos trópicos, mas que de certo modo confunde as pessoas, quando em 14 inicia o confinamento e 16 morigera a população. Então, o que esperar, quando o próprio governo parece afirmar uma situação tranquila?
[8/32] Se a hipótese da surpresa for excluída, só resta a burrice do governo, com diz Lordon, e que – entre nós - “n’est pas une surprise”. Que se completa na mesma noite (14), com a “súplica” de Martin Hirsh (DG do AP-HP), para que todos implementem as medidas anunciadas.
[9/32] E talvez no Brasil, as coisas sejam diferentes, por qualquer motivo que seja. Mas tão logo a França passou da destruição à súplica, como no Livro de S. Alexievich (creio eu, “Vozes de Chernobyl”), sobre essa catástrofe. “E é verdade que Chernobyl está no ar”.
[10/32] Outros tempos, mas faxineiros (“nettoyeurs”) serão enviados com um pano branco na boca e um par de botas, sacrificados, a padejar os entulhos vitrificados de radioatividade. Tipo os tweets que circulam sobre “faça você mesmo sua máscara”. Lá, de pano; aqui, de papel.
[11/32] O capitalismo troçou dos soviéticos, de Chernobyl, do socialismo real (por aqui, até dos chineses), mas esqueceu sua Three Mile Island e sua Fukushima. Então, deveria ter o cuidado de não bancar o espertinho. #Chernobyl
[12/32] Mas, se em pleno 2020 não há máscaras nem gel suficientes nos hospitais da França, o que dizer de nós? “A que provavelmente ainda não se viu nada”. No quadro desastroso previsto por F. Lordon, quando os profissionais da saúde começarem a sair desprovidos dos hospitais,
[13/32] todos contaminados, começarem a cair como moscas, a estrutura da Saúde pode entrar em colapso. Zero-estoque, zero-leitos, quem tratará dos que tratam dos outros? É a gestão dos lean-managers, sustentados pelos journalistas-épsilon.
[14/32] Esses que só gritam “connards” quando a catástrofe já acontece. “Un peu tard”, mas antes, aos que já gritavam “idiotas!”, diziam, “Meu Deus, quanto radicalismo! Toda essa violência! A democracia é o debate tranquilo longe dos extremos (que se tocam)”. #Panelaco
[15/32] Essa “violência” seria para a ralé teimosa que em sua loucura furiosa de “extrema-esquerda” passava dos limites. Mas agora, eles também: “connards”. Mas para as grandes catástrofes, é melhor enxergá-los de longe. Arriscar-se a berrar: “idiotas”. Quando se vai bem.
[16/32] Na verdade, para nós, parecia ir bem (o PIB que subiria, o dólar que baixaria, Disney, emprego, etc.). Melhor gritar “connards”, enquanto o desastre crescia na sombra. Assim, a destruição das escolas, da universidade e da pesquisa: idiotas! O fim do SUS: idiotas!
[17/32] Neste caso, melhor, para seguir Lordon: “idiotas execráveis”! Pois até mesmo o Reino Unido se viu na tentação de propagar a estratégia (já abandonada, com susto, mas que por aqui ainda continua a dar frutos) da “imunidade de grupo”. Deixar infectar 50 a 60% da população.
[18/32] Criando anticorpos para “uma próxima vez”. Um jogo que pode muito bem ser feito com a gripe, mas não com a peste, como diz Lordon. E onde fica o coronavírus nessa tabela? Certamente, além da zona intermediária. Muito além de uma “gripezinha”.
[19/32] Mas, uma propagação regulada levaria apenas à morte de alguns. Sério? Para o caso britânico, esses “alguns que vão morrer” representariam cerca de 510 mil pessoas. Não à toa, a Inglaterra abandonou essa estratégia, cujo consequencialismo teria uma mão pesada de mais.
[20/32] Como foi para Paris e Londres, que tomara tenham entendido a tempo, entre nós ainda persiste. Num jogo de quem manda mais e sob o lema de que “alguns vão morrer”, não se percebe que “algumas mortes” pode ser mais “uma montanha de mortes”. E mortes de quem?
[21/32] A Europa já percebeu e passou brutalmente “da poesia colegial ao confinamento militar”. Mas como (aqui!) estamos na escala Ritcher da burrice? Por lá, de forma imperiosa e com razão, apelou-se à “guerra” e à “união nacional”. E como lá, não é a solidariedade com “eles”.
[22/32] A solidariedade é entre nós, de nos cuidarmos (uns dos outros) e manter a liberdade de dizer: “idiotas”, se preciso. É que o poder dizer deixou de ser relevante e conta mesmo quem o diz. Isto é, só quando a grande mídia diz “idiotas” é que estamos autorizados a dizê-lo.
[23/32] Tal qual nas municipais da França, com @PhilippePoutou, há parte da grande mídia (por aqui) que também já pode afirmar abertamente que “nossas vidas valem mais do que seus lucros” (talvez eu esteja a exagerar, mas há sinais). Palavras antes só de um “trotskista”.
[24/32] “Trotskista” como uma metonímia contrária ao monopólio simétrico. Cujo manifesto, aqui, talvez um “basta de idiotices”, já não está apenas nos tweets pessoasis de jornalistas como @chico_pinheiro, p. ex., mas ganha os editoriais. A lição é a mesma da França de Lordon.
[25/32] Com as reformas, o crash da bolsa era apenas sarcasmo. Mas como ficam os nossos hospitais (quase sem recursos) se concretizar as previsões estilo-Chernobyl? Mas, certo Lordon, para quem celebra a ética do serviço público, há-coisas-que-não-se-pode-confiar-à-lei-do-mercado
[26/32] Na França, Martin Hirsch explica que quando a reanimação não tiver outro efeito que senão prolongar um pouco mais a vida, melhor a decisão racional (sic) de liberar mais uma cama. No nosso caso, o conhecido “alguns vão morrer”. Mas quem? Monstruosidade inapresentável.
[27/32] Cunhada por Ali Baddou como uma “responsabilidade terrível”, diz-nos Lordon, não se percebeu bem de quem é a responsabilidade terrível por essa responsabilidade terrível: devemos nos mobilizar. Aproveitar que até os propagandistas da ordem presente estão se acordando.
[28/32] Sempre com Lordon, não se sabe onde vão os dominantes para que seu senso crítico global possa nascer, mas o importante é que o número é cada vez mais numeroso e todas as mortes do capitalismo neoliberal, antes pulverizadas, acidentes de trabalho, amianto, suicídios, etc.
+ E por aqui a lista é grande se adicionarmos dengues e derivados, genocídio dos negros, transfobia, fome, etc Todas essas mortes, “qui arrivent par wagons, on ne les planquera pas comme la merde au chat (se chegarem em vagões, não poderão ser escondidas como titica de gato +
[29/32] Tomara, que longe de nós essa “terrível responsabilidade”, mas já se disse que o sistema hospitalar entrará em colapso e, se for o caso, haverá de chegar também o momento da responsabilidade política. Pandemia que poderá servir como teste fatal da lógica neoliberal.
[30/32] Sendo bem fidedigno a Fréderic Lordon, ela nos recorda principalmente que uma sociedade é uma entidade coletiva, que não funciona sem construções coletivas – os serviços públicos. A morte do serviço público, obstinação dos neoliberais,
[31/32] não é apenas um toque de morte institucional. É aquilo que reflete bem a faixa de protesto dos profissionais da saúde francesa, em dezembro de 2019: “o Estado conta os centavos, nós vamos contar as mortes”. Por hora, diz-se “idiotas”. Mas não é uma brincadeira.
[32/32] Pode ser uma indulgência, ao mais que poderá ser dito mais tarde. E se muito de mal suceder, mas não houver a dignidade da renúncia, teremos de dizê-los que nos encontraremos na hora certa: “dizons-leur quando même que, sur ce chemin, ils seront attendus au tournant” . +
+ E enfim, que nenhuma previsão negativa se confirme e possamos apenas dizer, sorrindo, foi apenas um susto. Mas que sejamos conscientes para frente das nossas escolhas, não só para o nosso bem, mas pensando nos demais. +
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Enjoying this thread?

Keep Current with Quintino Tavares

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just three indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!