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Carapanã @carapanarana
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Então vamos escrever algumas coisas tal "marcha dos Nazistas" na Polônia. Primeiro vamos aos fatos, depois um pouco de História e de questões terminológicas quando se trata de movimentos políticos.
11 de Novembro é a data em que a Polônia comemora sua libertação da dominação por parte dos impérios Russo, Austro-húngaro e Alemão e a fundação da 2a República Polonesa.
Acontecem várias celebrações. As pessoas saem às ruas com a a bandeira do país. Há desfiles com o uniforme do exército polonês na 1a Guerra Guerra Mundial.
Há anos grupos ultranacionalistas, ressurgidos após a dissolução da União Soviética, organizam uma marcha no mesmo dia. O partido nacionalista Lei e Ordem (PiS), atual situação, promovido o discurso desses grupos para o mainstream.
news.vice.com/story/poland-p…
A marcha do último dia 11 ganhou atenção por vários motivos: reuniu nacionalistas étnicos e supremacistas racistas de outros países (especialmente da Hungria); teve mensagens muito específicas que remetem a um período sombrio da Polônia.
660news.com/2017/11/10/pol…
Grupos que organizam a marcha, o National Radical Camp (ONR), o National Movement e o All Polish Youth conseguiram uma projeção enorme na Internet quando a Polônia passou a ser considerada como um exemplo de "etno-Estado" que a alt-right norte-americana deseja criar.
Os escritos "anti-diversidade" da alt-right se baseiam em uma think tank conhecida como American Renassaince, onde a homogeneidade do povo polonês é frequentemente enaltecida.
amren.com/commentary/201…
Nas marchas promovidas no dia 11 de novembro é frequente disposição de símbolos de "supremacia branca" como essa Cruz Celta sobre a bandeira da Polônia.
adl.org/education/refe…
Uma questão complicada para quem estudo o nacionalismo polonês é que tem sido cada vez mais difícil separar os nacionalistas cívicos dos etno-nacionalistas radicais.
(Escrevi besteira antes. O uniforme na foto do segundo tweet é aquele usado no Levante de Novembro, uma revolta contra o Império Russo no século XIX. Os da 1a Guerra são esses aqui.)
Na marcha do último dia 11, era possível se ver faixas e escutar gritos com slogans como "A Europa será Branca", "Europa Branca" e "Sangue Limpo".
Um dos entrevistados por um jornalista pró-Governo disse que marchava para "tirar os Judeus do poder". E slogans nesse sentido também foram ouvidos. Mas se 90% dos judeus poloneses morreram no Holocausto, do que esses nacionalistas estão falando?
O jornal israelense Haaretz escreveu como os "conservadores" do Partido da Lei e Ordem estão reescrevendo a história da polônia na 2a Guerra para apagar a participação de poloneses no Holocausto.
haaretz.com/opinion/1.8224…
O Revisionismo do Holocausto, incluindo sua negação, é uma bandeira comum da extrema direita na Europa e no Estados Unidos. E o efeito desse discurso e outros discursos racistas na marcha desse ano foi muito maior do que antes.
O atual governo da Polônia, por exemplo, insiste que os guardas de Auschwitz eram todos alemães. Contrariando historiadores e, pior, relatos de testemunhas.
brasil.elpais.com/brasil/2017/03…
O National Radical Camp, um dos principais movimentos responsáveis pela Marcha do último dia 11, celebra esse revisionismo. Considerando a memória do Holocausto como negativa, e elogiando as decisões sobre o revisionismo feitas pelo PIS - com direito a iconografia antissemita.
O National Radical Camp e os outros movimentos nacionalistas poloneses podem até não se dizer nazista, mas a inspiração de sua identidade visual é bastante óbvia - se consideram herdeiros de movimentos fascistas poloneses.
O revisionismo oficial do governo polonês, como o de muitos outros países do Leste Europeu, agora também afirma o caráter "socialista de Hitler" ao mesmo tempo em que glorifica movimentos que colaboraram com a ocupação nazista.
Enquanto os desinformadores da alt-right espalhavam fotos do dia da independência (com crianças turistas e imigrantes) como se fossem fotos da marcha, barravam as fotos como essas aqui, onde a glorificação no nacionalismo étnico e do fascismo estão claras.
Richard Spencer, nacionalista racista norte-americano, foi convidado a participar da marcha e de um evento que acontecia na mesma semana. O ministro das relações exteriores pediu que ele não aparecesse em público.
theguardian.com/world/2017/oct…
Em 2011 o convidado para discursar na semana da independência foi David Duke, ex-Grão Mestre da KKK e outro ideólogo profuso em suas defesas da "civilização ocidental".
wroclaw.wyborcza.pl/wroclaw/1,3577…
Tanto Richard Spencer quanto David Duke ajudaram a organizar a Marcha neonazista sobre Charlottesville em Agosto desse ano.
As redes de desinformação da extrema direita no Brasil vendem o nacionalismo polonês como uma "resistência" à suposta "islamização da Europa". Já conseguiram conquistar o mainstream à direita com essa narrativa usando esse artifício aqui.
A Polônia, no entanto, tem uma pequena população nativa de muçulmanos de origem tártara e recebeu cerca de 10 mil refugiados muçulmanos da guerra da Chechênia. Mas a população muçulmana no país é estimada 0.1%
Ignoro a fonte desse mapa. Mas outro mapa interativo do Washington Post mostra pelo menos 3 incidentes na Polônia, o que significa que até isso foi deformado para se adequar à narrativa.
washingtonpost.com/graphics/world…
No dia 11, o jornalista da GloboNews, @gugachacra tuítou que 60 mil pessoas haviam participado de uma "manifestação nazista" que pedia uma "europa só para os brancos". Como o link da matéria do @guardian .
amp.theguardian.com/world/2017/nov…
Logo uma legião de "conservadores" brasileiros seguiu o desinformador-mor da Alt-Right, Jack Posobiec, postando fotos que provariam que o jornalista estava equivocado.
E postaram também essa foto, que provaria que não há qualquer relação entre o "nazismo" e a marcha dos nacionalistas poloneses.
Vários contas veículos de direita, quase todos engajados na campanha da Bolso-Família, aproveitaram a deixa para execrar o jornalista.
A questão parece óbvia: se a Polônia foi invadida e arrasada pelos nazistas, como haveriam neonazistas ali? O erro de Guga Chacra foi de terminologia, ele simplesmente assumiu que poderia chamar os supremacistas poloneses de nazistas.
Mas que a mensagem da marcha era a defesa de "uma Europa para brancos" isso é incontestável. O National Radical Camp e seus aliados fazem isso há anos. Aumentaram sua popularidade por causa de apoio do PiS, atentados do Daesh e a chegada dos refugiados Sírios.
O consulado da Polônia deu uma resposta tímida através de sua consulesa que foi erguida pelos "conservadores" brasileiros como troféu. "Não eram nazistas" porque a polônia foi ocupada por Nazistas etc.
A declaração do Ministério das Relações Exteriores falam em "sentimentos patrióticos" e cita a proibição a Richard Spencer.
brasilia.msz.gov.pl/pt/acontecimen…
A consulesa também reclamou que o jornalista estaria generalizando "os excessos de alguns" - embora a marcha tenha preocupado um monte de jornalistas que cobrem a Polônia e, inclusive, essa marcha ano a ano.
O ministério das Relações Internacionais de Israel também expressou preocupação com o teor da marcha.
foxnews.com/world/2017/11/…
Paradigmaticamente, os poloneses são um povo Europeu que foi presente em várias levas migratórias e durante muito tempo não foi considerado "branco" - era alvo da KKK nos EUA também. Isso mudou nas últimas 4 décadas.
thecorrespondent.com/5185/how-do-yo…
Já a história de antissemitismo e nacionalismo étnico na Polônia é antiga e não foi trazida pelos nazistas. O reformador Józef Piłsudski, embora autoritário, era declaradamente a favor de uma "terra de nações", reconhecendo o caráter multiétnico da Polônia.
Seu rival Roman Dmowski, o fundador de um movimento chamando National Democracy (ND ou Endecja) acreditava que em uma relação entre terra, cultura e raça e organizava boicotes e combate aos judeus desde 1909.
Além do antissemitismo, Dmowski também era conhecido por seu antigermanismo. Acreditava haver uma "conspiração de judeus internacionais" para desestabilizar a Polônia. Achava que os judeus poloneses "nunca se assimilariam".
en.wikipedia.org/wiki/Roman_Dmo…
Quando os nazistas invadiram a Polônia, o país já tinha décadas de propaganda antissemita da ND sendo divulgadas e milhões de poloneses acreditavam que os judeus eram um povo perigoso. Sua presença JÁ era limitada nas universidades, por exemplo.
Os nazistas, por outro lado, desprezavam os poloneses como um povo inferior. E a segunda etapa do genocídio em larga escala que pretendiam fazer na Europa Oriental previa o descolamento ou morte de até 85% dos poloneses!
en.wikipedia.org/wiki/Generalpl…
O Generalplan OST era secreto, só foi descoberto depois da guerra. Infelizmente, muitos poloneses colaboraram com os nazistas no Holocausto Judeu - e alguns também os ajudaram a escapar.
haaretz.com/opinion/.premi…
O racismo na Polônia é um problema. Gera violência inclusive contra outros Europeus como vários portugueses relatam nessa matéria do Publico. Ibéricos são frequentemente "confundidos" com muçulmanos e escrachados em público.
publico.pt/2016/05/08/soc…
Esse relato de aqui é particularmente violento. Cuspiram na comida do estudante de intercâmbio, bateram nele, e o restaurante se negou a chamar a polícia.
Enquanto isso o que os "conservadores" brasileiros estão fazendo? Mudando de assunto. O mesmo que fizeram quando os supremacistas marcharam sobre Charlottesville e assassinaram uma mulher e feriram dezenas.
Na época de Charlottesville, chegaram a dizer que a os neonazistas seriam "pagos por George Soros". Agora dizem que a "imprensa globalista" está perseguindo "cristãos contrários ao seu projeto socialista" de "dominação mundial".
Dizem agora que as reportagens enfatizando o caráter supremacista da marcha seriam "perseguição aos cristãos" e que "na Polônia não entra ideologia de gênero", "nem terroristas", etc. Essa tentativa de limpar o nacionalismo étnico de seu clamor por genocídio é perigosa.
Sobretudo quando um dos motes dos organizadores da marcha é "reze por um holocausto islâmico'.
washingtonpost.com/news/worldview…
O @gugachacra pode ter errado ao classificar os manifestantes como "nazistas". Mas esse erro aí não tira o caráter de nacionalismo étnico presente ali. Essa é a verdadeira questão. E não deixemos a direita brasileira tentar higienizar esse nacionalismo violento que eclodiu.
Para qualquer um que leia sobre marcha, os ideias antissemitas e de supremacia branca vão remeter ao nazismo. Mas a questão na Polônia não é de terminologia. Ela sinaliza o retorno de uma ideologia que não nasceu com os nazistas mas que o mundo julgava ter morrido com eles.
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