Algumas pessoas falaram esses dias – uma delas, diretamente para mim – que o rock é apenas entretenimento. Será mesmo? Olha, eu acho que não.
Eu passei a maior parte da minha ouvindo rock e sempre tive uma queda por músicas com tom político. Falar que o rock é apenas entretenimento é falta de conhecimento (ou um jeito de lidar com o fato de quem está sendo criticado na música é você).
Isso não quer dizer que o rock é 100% ativista. Não é, especialmente hoje. Eu continuo gostando muito, mesmo com ele falando muto menos do que deveria. E, principalmente, do que poderia.
Então, vou fazer uma pequena lista aqui (que pode crescer com o tempo) para mostrar que temos um paradoxo, “E apenas rock ‘n’ roll, mas eu gosto” justamente porque é MUITO mais que apenas rock ‘n’ roll. Quer ver?
Quando o boxeador Rubin Carter foi injustamente acusado de um crime por ser negro, Bob Dylan, politizado até o último fio de cabelo, criou um épico monstruoso denunciando a história. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Em 1970, num protesto contra um bombardeio do Camboja, quatro estudantes desarmados foram mortos pela guarda nacional, um horror que virou música nas mãos de Neil Young. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Final dos anos 60. Jovens pobres eram recrutados e enviados para o Vietnã, enquanto filhos dos ricos eram dispensados do exército, como na música do CCR. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Após um enorme protesto em Los Angeles que resultou num quebra-pau violento entre jovens e a polícia, Stephen Stills, na época no Buffallo Springfield, escreveu essa obra-prima. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Parece uma música pró-Estados Unidos típica da Era Reagan? Na verdade, Bruce Springsteen narra o ponto de vista de um ex-combatente do Vietnã sobre as consequências do conflito nas pessoas comuns. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Ainda na era Reagan, os ingleses do Queen também deram seus pitacos sobre a Guerra Fria qure rachou o mundo em dois e o medo dela “deixar de ser fria” nos anos 80. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Aliás, Reagan fez uma cagada enorme quando visitou um cemitério alemão onde oficiais da SS estavam enterrados. Pegou mal demais e os Ramones não perdoaram. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
E falando em punk, claro, não dá para deixar de falar quando os Sex Pistols celebraram o jubileu de prata da Rainha sem enxergar futuro nenhum na Inglaterra (e prevendo a história da própria banda). E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Aliás, o punk sempre teve os dois pés na política. E o Clash fez uma música que reflete o conturbado final dos anos 70 (com menções ao desastre nuclear de Three Miles Island e a violência policial). E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Chega de punk. Quando os impostos na Inglaterra começaram a aumentar progressivamente, George Harrison escreveu Taxman. “Ah, mas os Beatles eram ricos”. Sim, mas o resto do povo, não. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Guerra do Vietnã, luta pelos direitos civis, assassinato do Kennedy. Tudo que fez o sonho americano ruir nos anos 60 é revisitado 20 anos depois em uma música do Guns N’ Roses. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Este também é o tema dessa música dos Stones que, contemporânea aos fatos, narra o conturbado final dos anos 60 enquanto Mick Jagger pede abrigo. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
O mundo parece não se entender direito, com guerras e conflitos explodindo por todos os lados... E John Lennon pede apenas que deem uma chance à paz. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Uma revolução derruba o poder e se torna o velho poder de sempre. Pois qualquer um que assume o controle se torna corrupto, como diz essa música de Pete Townshend. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Talvez, visto de perto, o “mundo livre” não seja um sonho como aparenta, especialmente na época de Bush pai, como mostra Neil Young nessa música da sua carreira solo. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Da mesma época, a queda da União Soviética e a reunificação da Alemanha fez os alemães do Scorpions comporem uma música que virou quase o tema dos anos e uma ode ao fim de tiranias. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Uma crítica sobre a política americana nos países da América Central, que se tornou brilhante nas mãos da mesma banda da também (e obviamente) política Sunday Bloody Sunday. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
O protagonista do álbum The Wall, Pink, finalmente se rende aos seus demônios e se torna um insano fascista. E tem gente que diz que o rock é apenas entretenimento.
Eu não falei aqui de heavy metal porque – quem me acompanha aqui sabe – é um gênero que fica e outra gaveta no meu cérebro. Mas existem toneladas de músicas políticas dentro do gênero.
Aliás, basicamente todos os gêneros de música pop são politizados. Do funk de James Brown ao soul de Aretha Franklin, ao pop dos anos 80. E o blues, então, cantado em sua origem por escravos e miseráveis? Sobre o rap, nem é preciso falar.
“Ah, mas os artistas são hipócritas, são milionários, fazem isso por dinheiro”. Pode ser. Não estou julgando caráter dos artistas, e sim mostrando que não: o rock (e a música pop), não é APENAS entretenimento. NUNCA foi.
Então, pra encerrar, vamos fazer rapidamente um quem é quem da música pop dos anos 80 quando Michael Jackson, Quincy Jones e uma porrada de artistas decidiram fazer algo sobre a fome na África. E tem gente que continua dizendo que “é só entretenimento”.
Ah, um adendo... Quem quiser saber mais como o rock (e não canções específicas) evoluiu junto (e interferiu) com o mundo, esse livro é um bom começo: saraiva.com.br/rock-and-roll-…
Deve ser fácil achar na Estante Virtual.
Deve ser fácil achar na Estante Virtual.
