Vejo uma quantidade cada vez maior de textos e vídeos sobre "realismo de raça" e "ciência de raça" quando faço uma rodada nesses circuitos que se autointitulam conservadores, liberais clássicos ou libertarians. Isso é um dos pilares da extrema direita no hemisfério norte.
Esses textos geralmente tentam misturar resultados de pesquisas científicas atuais com pseudociência racista, argumentos "anti diversidade", e ajudar a dar suporte à teoria da conspiração do "genocídio branco".
Um exemplo foi o texto da "misesgenação" que, por motivos muito óbvios, não pegou muito bem no contexto brasileiro.
Outro exemplo, de impacto muito maior, está na discussão entre Erza Klein e Sam Harris a respeito de Charles Murray - autor de "A Curva Normal", best-seller que defende que políticas de bem estar social não adiantam porque há diferenças raciais no QI.
vox.com/policy-and-pol…
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Murray, e seu falecido colaborador Richard Herrnstein, defendem que o QI seria o elemento mais importante para definir o sucesso de um indivíduo. Ações afirmativas, segundo eles, seriam igualmente ineficazes. Murray veio ao Brasil em 2008 defender essas posições.
Numa entrevista que concedeu à IstoÉ, Murray explicou muito claramente o que pensa. Na década de 1990, após a publicação de "A Curva Normal", muitos cientistas dissecaram e desmontaram os argumentos de Murray, mas aparentemente nada disso adiantou.
istoe.com.br/3365_MISCIGENA…
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Uma das críticas mais frequentes está no fato da dupla ter usado dados brutos de pesquisas apoiadas pelo Pioneer Fund, uma organização sem fins lucrativos fundada em 1937, e frequentemente acusada de promover eugenia.
Há também uma quantidade enorme de textos criticando os métodos de Murray, a centralidade do QI para esse tipo de análise, se QI é algo herdado ou construído, etc. Mas uma pergunta me intriga mais: por que essas teorias retornaram?
Uma resposta possível é a de que essas teorias nunca foram abandonadas e estão fadadas a retornar quando o contexto político for propício - e isso é verdade. Mas eu sinto que esse tipo de teoria "pega" porque ela apresenta uma versão do mundo que dispensa a História.
Colonização, escravidão, guerras, segregação racial e a destruição de milhões de vidas no processo de expansão da Europa nos últimos cinco séculos deixam de ser um argumento possível de explicar as desigualdades existentes. Entra a "ciência de raça".
O mundo inverso das ficções confortáveis produzidos pela "história politicamente incorreta", infelizmente, contribui para isso. Europeus ali são representados não como colonizadores mas como "empreendedores naturais", autores únicos de uma coisa chamada "Civilização Ocidental".
O genocídio dos indígenas e a escravização dos africanos são invertidos e representados como responsabilidade desses povos - como se a discussão não estivesse nas consequências do curso da História mas numa aplicação de responsabilidade coletiva.
Minha impressão é que a viagem a partir desse revisionismo para o realismo de raça é muito, muito mais curta. A explicação de fundo para esse curso alternativo da História passa a ser a naturalização do status quo (o mundo dos últimos 500 anos seria um espelho de leis naturais).
Partimos desse lugar mas vamos cair em algo muito mais perverso.
