Escutei hoje o discurso do Chanceler @ernestofaraujo. Tentando ser bem objetivo, tenho quatro reações: (1) o positivo; (2) o contraditório; (3) o negativo; e (4) o perigoso ufanismo quixotesco.
(1) O positivo - o Chanceler fez uma ótima autocrítica do papel do Itamaraty na sociedade. Numa democracia é natural que mude a política externa quando mudam os desígnios populares sobre a política. Diplomatas em geral tem uma postura comumente elitista e afastada do povo.
Eles se dizem servidores “de estado” e não “de governo”, como se fossem imbuídos eles próprios de definirem “o” interesse nacional. Na verdade, política externa é um instrumento de maximização de interesses definidos pelo processo político (pelo povo, via eleições).
Genericamente, a missão de trazer o Itamaraty de volta aos braços do povo parece bem louvável. Mas aí chegamos no (2) o contraditório: como realizar a missão de aproximar a política externa do povo recitando grego e latim?
O Chanceler deu uma aula de “erudição de salão”, tão comum entre nossos diplo. Essa erudição é um conhecimento pouco útil e qse exclusivamente estético. Talvez recitar grego e latim encante os deslumbrados - mas n traz nenhuma grande vantagem p/ alcançar os obj de pol externa.
Esse é sintoma de 1 problema mais profundo com o modelo que temos (diplo generalistas, q quase nunca se especializam em um tema ou região). A compensação da falta de especialidade técnica é o excesso de erudição de salão. Na forma, o novo Chanceler n indica um rompimento com isso
A inovação que ele propõe é (3) o negativo. Ele é enfático em propor uma política abertamente nacionalista e um rompimento com a tradição de defesa da ordem liberal internacional pela diplomacia brasileira.
Tradicionalmente, o q definimos como interesses nacionais e os objetivos da ordem liberal internacional se confundem. Defender direitos humanos, autodeterminação dos povos e multilateralismo é defender tanto os interesses do Brasil qto os regimes internacionais da ordem liberal.
O novo Chanceler diz que os diplomatas não são pagos para defender a ordem liberal, mas para defender a pátria (o Brasil), deixando claro que há em sua visão um conflito entre o Brasil e a ordem internacional.
Em contraposição ao globalismo e à ordem liberal internacional, o Chanceler propõe o nacionalismo. A estratégia é olhar para pátria, sem medo. Mas propõe isso num país que já é isolado da economia int (só comercia 25% do PIB) e tem só ~0,5% da sua pop de migrantes. Estranho.
Um dos prob é q ele n define quais são os objetivos, nem quais são os atores representados. “O Brasil” n existe. Os interesses do Brasil são os do consumidor; do partido do Presidente; da CNI; de quem? Antes de saber como chegar lá, precisamos saber oq e pra quem queremos.
Nessa confusão chegamos ao último ponto: (4) o ufanismo quixotesco. Antes de 1 análise de capacidades e clareza de obj e estratégias, o Chanceler quer ganhar “na raça”. Citou D. Quixote e a certeza de saber quem se é (mesmo que em delírios) como fosse suficiente p/ ganhar. N é.
Isso tdo regado a 1 nacionalismo simplório q poderia vir d 1 panfleto da juventude do PSOL (“leia menos Foreign Affairs e + Zé de Alencar; ouça menos CNN e + Raul Seixas”); e um messianismo de q Bolsonaro nos livraria da síndrome de vira-latas e nos tornaria em grande potência.
Fica faltando uma definição clara de objetivos e uma estratégia clara sobre como chegar nesses objetivos. Também não ficou claro como se alcançaria a des-elitização da política externa, em especial pq a estética do discurso foi extremamente elitizada.
Apesar de ter formação na área, n sou especialista em pol int. Essas são só impressões de quem estudou o assunto, trabalhou com diplomatas e em ambientes int. Se ficou algo faltando, perguntem a @GCasaroes, @dbelemlopes, @MatiasSpektor, @hussein_kalout, @MarcosDegaut e @AAbdenur.
