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Um thread: sim, o direito penal e o processo penal são empecilhos porque existem justamente para impor limites ao poder punitivo do Estado, e não para liberar geral a violência. A violência não precisa de permissão, porque quem tem poder não precisa pedir licença.
Nos séculos XVII e XVIII, a filosofia política fixou, em primeiro lugar, a ideia de que o poder do Estado é legítimo quando baseado na razão dos indivíduos - e não na Providência divina - e, em segundo lugar, no compromisso com a proteção da liberdade.
A construção ideológica da modernidade repousa, portanto, no argumento de que a liberdade é o fundamento último da vida política, de tal sorte que o poder estatal, inclusive o poder punitivo, só se legitimaria se exercido dentro dos limites da legalidade.
O direito penal e o processo penal são formas de racionalização e legitimação do poder punitivo, justamente porque o limitam. Fora de tais limites não há espaço para coisas como advocacia, ministério público, magistratura ou polícias. Tem-se apenas selvageria pura e simples.
Em momentos de crise, a disputa entre diferentes grupos pelo poder do Estado e pelo controle dos fundos públicos faz desmoronar os frágeis limites da legalidade. A legalidade se torna um problema que precisa ser contornado ou eliminado, pois a luta obedece mais a regras.
No contexto da crise, dois pilares básicos do constitucionalismo são destruídos: as liberdades individuais e os direitos sociais. O primeiro pilar, com o avanço do Estado penal e com a retirada das garantias do processo; o segundo pilar, com as medidas de austeridade.
Austeridade - cortes no financiamento dos direitos sociais - e autoritarismo frequentam as mesmas festas e dançam de rosto colado. Assim, a legalidade torna-se mera forma de organização da matança de pobres, de minorias, de quem não pode consumir, e no limite, de opositores.
Portanto, o projeto anticrime e as "reformas estruturais" da economia são a expressão atual do que Mbembe chama de necropolítica: o governo que se faz com a prioridade da morte sobre a vida.
