Thread by @titolp

De todas as músicas sobre a ditadura, acho que Angélica, do Chico Buarque, é a mais triste, carnal e que mais me emociona. Hoje é importante relembrar a música, sua letra, e a mulher por trás da história.

#DitaduraNaoSeComemora

A música foi feita em homenagem à Zuzu Angel, estilista brasileira e sua incansável busca pelo corpo do filho, Stuart Angel, sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar.

Mesmo se opondo à ditadura, estava longe de ser uma vagabunda.

Conquistou tudo com esforço, investiu todo dinheiro para abrir uma loja de roupas em Ipanema, e foi expandido até chegar no mercado estadounidense, tendo clientes famosas como Joan Crawford, Liza Minelli e Kim Novak.

Mineira, amava o estado e o Brasil, uma verdadeira patriota.

Em suas roupas, sempre trazia brasilidades, nas cores, com referências a nossa fauna, materiais e homenagens à cultura e folclore nacional. Através da moda, celebrou o Brasil para o mundo.

A vida de Zuzu Angel muda completamente no dia 14 de junho de 1971, quando seu filho, Stuart Angel com 25 anos, é capturado, torturado e morto pela ditadura militar

Como foi descoberto, Stuart Angel foi capturado por membros do CISA, que o amarraram num carro, arrastaram pelo pátio do quartel, botaram a boca no escapamento para respirar gás tóxico e, depois de morto, jogaram seu corpo ao mar onde nunca mais foi encontrado.

Foi do abismo do sofrimento e pesar, dar dor inimaginável de uma mãe perdendo um filho que Zuzu Angel juntou forças para lutar e encontrar o corpo de seu filho, para poder se despedir, enterrá-lo e dá-lo uma sepultura, que jamais aconteceu.

Zuzu Angel começa sua guerra contra o regime pelo corpo do filho. Com sua notoriedade internacional envolveu celebridades de Hollywood na sua causa. Entregou um dossiês sobre o assassinato do filho ao senador americano Edward Kennedy e ao secretário de Estado Henry Kissinger.

Organizou o primeiro desfile-protesto para protestar contra a ditadura e em busca do corpo do filho. O desfile acontece na embaixada do Brasil em Nova Iorque (ou seja, território nacional), pois, depois do AI-5, era crime falar mal do Brasil no exterior.

Nas roupas, faixas pretas nas golas, mangas e cintura, e figuras de soldados, sol quadrado, canhões e andorinhas pretas estavam ao lado dos típicos bordados agradáveis comuns em seus designes.

A busca incessante por seu filho só termina com a sua morte, em 14 de abril de 1976, num acidente de carro na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro. Seu filho ainda era considerado "desaparecido e procurado" pela Ditadura Militar.

Na semana anterior ao acidente, ela deixa uma carta na casa do Chico Buarque, em que escreve: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho"

Só na democracia foi reconhecido pelo governo que o que aconteceu com Zuzu Angel não foi "acidente", seu carro foi fechado por outro e jogado fora da pista propositalmente. Foi outro assassinato organizado pelos militares. De uma mulher inocente, que só ousou questionar o regime

No ano seguinte a sua morte, Chico e Miltinho compõem Angélica, em sua homenagem. Mostrando a história da luta incansável e inabalável de uma mãe que com todas as forças procura justiça pelo seu filho que foi jogado na escuridão do mar.

É estarrecedor que há um movimento institucional para revisionar esse período tão sombrio da nossa história.

Mas como Zuzu Angel e como tantas outras mulheres e homens, seremos inesgotáveis em nossa resistência e memória.

#DitaduraNuncaMais