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MICROCONTO
Tarde fria e chuvosa. Densas nuvens cinzentas acumulam-se no horizonte de minha cidade natal, ameaçando pancadas de chuva.
O vento suave como a brisa, entoando nas ramagens das árvores e nas frinchas das venezianas a melancólica canção da tristeza e da saudade.
Postado atrás da vidraça da casa tristonha e silenciosa, ouvia-se o tamborilar da chuva nas calhas do telhado enegrecido pela espessa camada de musgo, e o ribombar do trovão que se perde como mugido na vastidão ilimitada.
É a mística sinfonia da natureza a envolver a nossa infância feliz e despreocupada, quando em tardes semelhantes, com as pernitas desnudas, brincava-se ruidosamente, afundando os pés nas enxurradas tumultuosas.
Sou levado pela música adormecedora, refluindo as imagens do passado que não volta mais, e, como a gota que escorre pela vidraça que oculta, uma lágrima que deslizava pela face.
Julgo-me a violar um mundo de esquecimento e saudade, a ressuscitar personagens que há muito completaram o ciclo de sua existência, a reviver fases pela redoma sagrada dos anos acumulados.
Lá fora, a chuva continua a cair, cantando nos beirais do telhado e no silêncio da cidade...
O canto nostálgico dos curiangos fazia-se ouvir ao longe e era a única nota a romper o profundo silêncio que reinava.
Muitas vezes, do quadro das coisas mortas removo religiosamente a poeira das décadas que o envolve, procurando nele descobrir as mesmas vivas tonalidades que então lhe foram empregadas, mas que agora se apresentam esmaecidas pela ação destruidora do tempo que passou.
Mas lá encontro sempre a figura de meu pai ao ostentar no semblante o sulco de preocupações que lhe perpassava a fronte pensativa.
São tristes recordações de um passado distante que se diluiu na voragem dos lustros que se multiplicaram.
A curiosidade levou-me há dias, a rebuscar nuns velhos papéis que guardo no fundo de uma gaveta esquecida, um pequeno caderno, no qual, à guisa de diário, na minha já distante adolescência, eu já rabiscava fatos ou acontecimentos passados.
São folhas esparsas de uma era longínqua e saudosa, e nas páginas amarelecidas do modesto livreto pude sentir todo um poema de ternura e saudade, toda a beleza das épocas remotas.
Traços de coisas que se passaram , ensaios de incipientes composições literárias, inícios de contos brotados do fundo de nossa imaginação juvenil, fotografias de amigos que desapareceram, lembranças de namoradas que se diluíram na voragem dos anos que se sucederam...
Tudo isso me disse o caderno de anotações. Tudo isso e mais uma porção de coisas. Falou-me longamente das coisas esquecidas de minha terra!...
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