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O que a manifestação convocada por Bolsonaro para domingo tem a ver com o decreto que deu poderes para o general Santos Cruz vetar nomeações no governo? Em princípio, nada. Mas pode ter muito a ver. Permitam-me (e perdoem-me) a longa digressão na thread.
Chamar manifestações com popularidade em queda, com economia ainda em frangalhos, com aliados de primeira hora dando as costas, com Congresso e empresariado do outro lado do rio, é tática de desespero. Ele precisa provar algo. Mas pra quem? E por quê?
Uma premissa é que essa convocação não tem digital militar. O compartilhamento do textão-sincericídio e o chamado a manifestações não foram decididos numa reunião com militares. Ou foi da cabeça dele (improvável, mas até verossímil) ou foi debatido com um outro círculo. Qual?
Olavo de Carvalho anunciou sua retirada de cena pouco antes de Bolsonaro começar seu rompante de alucinado. Ruas cheias no domingo serão uma maneira de mostrar que a agenda “independente”/olavista tem força popular e que valeria o gasto político de mudar direções no governo.
Entre elas, o comando da Secretaria de Governo. Tirar o general Santos Cruz, obsessão de Olavo, e colocar um olavete no lugar. A agenda defendida por Bolsonaro no domingo é a agenda defendida por Olavo. Bastaria essa troca para que o governo caminhasse num novo rumo.
Mas e os militares? Iriam aceitar algo assim, ou passariam a ser fiadores mais diretos de uma mudança via impeachment diante do endosso explícito ao Olavo way of life? É sempre bom lembrar que Bolsonaro foi um militar rebelde. E nenhum de seus filhos seguiu carreira militar.
Militares não sairão batendo porta. São sócios do governo, e não são de dar rompantes que causariam uma turbulência ainda maior no país. É bom para eles seguir de perto, com acesso a Bolsonaro, para entender o que vai se desenrolar. Mas Mourão vai de vez para o aquecimento.
Um domingo impactante resultará em bolsa despencando e dólar disparando na segunda, com a estratégia de blindagem da reforma comprometida, e Congresso/STF visto como inimigo de um “novo Brasil”. A tranquilidade dada ao mercado com a "independência" do Congresso seria abalada.
Poderá ser um sinal também para os militares. “Tenho parte importante do povo do meu lado. Não tentem mexer mais. Vocês são bem-vindos, acomodem-se, mas deem a assistência onde é conveniente para mim. O mandato é meu”.
O mercado trabalharia com um enorme ponto de interrogação sobre a cabeça, mas Bolsonaro e sua agenda conservadora e antiestablishment sairiam fortalecidas, e com ânimo para governar por decreto. Uma canetada mais “sonora” seria um movimento coerente nos dias seguintes.
O tal decreto talvez nem precisasse vir. Afinal, já tem um prontinho. A cama está arrumada. Quem comandaria as nomeações no governo não seria mais Santos Cruz, mas o olavismo, herdando o trono da Secretaria de Governo. The winter is coming, vamos para a guerra cultural.
Ainda que não seja dessa maneira, o repouso de OIavo de Carvalho não me parece que será o fim do envolvimento dele com os assuntos nacionais. Acredito que haverá uma volta triunfal. Não por ele apenas, mas por uma outra figura.
A simbiose de Olavo com o entorno radicalizado de Bolsonaro, que inclui seus adorados filhos, e com o próprio presidente é complementada pela figura de Steve Bannon. Seu ponto de contato não são os militares, mas Olavo e os Bolsonaros.
O que tem mais sex appeal para Bolsonaro e sua carreira política? Um alinhamento com os generais que fazem troça dele nos bastidores? Ou sonhar (delirar) com uma projeção internacional num movimento conservador antiglobalista?
Se ele se sente no fim da linha, sem chance de carregar um governo nos moldes tradicionais, qual a saída esperada? Sucumbir ao Congresso e perder a admiração das prováveis centenas de milhares que ainda se disporão a sair nas ruas em defesa da agenda raíz dele? Acho que não.
Racionalmente, partir para cima do establishment desse jeito não faria sentido. É mais fácil compor de alguma maneira, certo? Mas para Bolsonaro e o movimento que ele representa, faz. É a tática do confronto e da polarização reativada.
As consequências serão imprevisíveis. Um impeachment “técnico” chancelado pelos militares é bem possível. E Bolsonaro sai de vítima do establishment, ainda liderando a alt-right brasileira.

-FIM- (Valeu!)
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